“Nada a Dizer”, um triângulo amoroso num “texto realista”

Oitavo romance da brasileira Elvira Vigna é o primeiro editado em Portugal. A história de um casal sexagenário com o casamento em risco devido ao adultério

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Elvira Vigna (n.1947), jornalista, tradutora e escritora brasileira, apresenta-se ao público português com “Nada a Dizer” (Quetzal). O seu oitavo romance (primeiro editado em Portugal) foi aplaudido pela crítica brasileira.

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Elvira Vigna (n.1947), jornalista, tradutora e escritora brasileira, apresenta-se ao público português com “Nada a Dizer” (Quetzal). O seu oitavo romance (primeiro editado em Portugal) foi aplaudido pela crítica brasileira.

“Nada a Dizer” venceu o Prémio Ficção da Academia Brasileira de Letras e foi finalista do Prémio Portugal Telecom. O enredo do livro é simples.

Um casal sexagenário pertencente à classe média, com filhos e sem problemas económicos, vê o seu casamento, de mais de 30 anos, em risco devido a adultério. Durante um ano, a mulher traída narra os factos e as emoções sentidas durante esse período. A mais-valia desta obra de Elvira Vigna não é a história; é a forma como a história é contada.

Nesta perspectiva, “Nada a dizer” é um texto literário muito bem estruturado, onde a escritora, com mestria e através de um “eu narrativo”, seduz o leitor a assistir às vicissitudes inerentes a este triângulo amoroso.

O relato na primeira pessoa de uma traição acrescenta dificuldades à necessidade de relatar situações a que o narrador não pode ter assistido. Isto num texto realista como o de “Nada a Dizer”. No entanto, a estratégia narrativa, tal como está montada, dota o texto de credibilidade. O leitor não põe em causa aquilo que é contado. Há sempre, no mínimo, uma dúvida razoável.

E é essa credibilidade que convence o leitor a acompanhar o árduo caminho das personagens até à redescoberta de si próprios e hipotética pacificação individual e colectiva. Assistimos à ilusão, apesar de todas as evidências; à desilusão, quando tudo é já indesmentível; à destruição do “eu” e do “nós”, pela ruína dos pilares que os sustentavam; e à difícil reconstrução como indivíduos e como casal. A identidade é pressionada até ceder. De forma minuciosa, quase masoquista, a autora (re)constrói uma outra identidade.

“Nessa noite que durou dois dias, em que Paulo me contou do seu caso com N. e, de sobremesa, da origem do chato nordestino, eu desmoronei, eu inteira - e não só minhas opiniões, atitudes e posições. Desmoronei. Eu não mais existia.” Pg. 113

Ao contrário do que se poderia supor, não há auto-comiseração exagerada. Antes pelo contrário. A lucidez e o humor com que a narradora, de quem nunca sabemos o nome, conta todos os passos do adultério são notáveis. O relato pormenorizado do que vai acontecendo contrasta com o silêncio do marido. Enquanto a mulher enfrenta os problemas, o marido esconde-se no silêncio. Se não fala, não existe.

A escritora explora a volatilidade do ser humano quando provoca a identidade com factos que obrigam a uma redefinição dos hábitos que a sustentam.

Numa prosa fluente, de cariz realista, a intimidade é colocada em causa quando o que a compõe é desvalorizado e exposto, por exemplo, na internet. Os meios informáticos são um mecanismo para a diluição entre o que é público e o que é privado.

A partir de uma história linear, Elvira Vigna constrói uma narrativa onde expõe algumas características da sociedade contemporânea.