Edição digital de livros para crianças discute-se na Gulbenkian
Não são livros nem filmes. Jogos também não. Hão-de contar histórias, mas não se sabe ainda como. A edição digital de livros para crianças procura caminhos e vai ter um prémio português.
O que muda no processo criativo quando se imagina uma história para ser contada e ilustrada no ecrã de um tablet? Um livro digital para crianças tem de viver de efeitos especiais e interactividade? E ainda assim é um livro? Para tentar responder a estas e outras perguntas, realiza-se nesta segunda-feira a conferência ABC da Edição Digital, com os escritores Rui Zink e Afonso Cruz (também ilustrador), o músico Filipe Melo e o produtor de jogos António Saraiva, a integrarem o primeiro painel: Para além do papel, por detrás do ecrã.
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O que muda no processo criativo quando se imagina uma história para ser contada e ilustrada no ecrã de um tablet? Um livro digital para crianças tem de viver de efeitos especiais e interactividade? E ainda assim é um livro? Para tentar responder a estas e outras perguntas, realiza-se nesta segunda-feira a conferência ABC da Edição Digital, com os escritores Rui Zink e Afonso Cruz (também ilustrador), o músico Filipe Melo e o produtor de jogos António Saraiva, a integrarem o primeiro painel: Para além do papel, por detrás do ecrã.
O encontro, na Fundação Calouste Gulbenkian, é organizado pelo projecto Nave Especial (que junta a editora Pato Lógico e a empresa Biodroid) e por Neal Hoskins, consultor para a área digital da Feira do Livro Infantil de Bolonha e produtor de conteúdos para a editora Wingedchariot. “Queremos pôr toda a gente a pensar num produto novo. Não é bem um livro, mas não deixa de o ser, nem um filme de animação. Pode ser que surja um nome. Por enquanto, chamamos-lhe histórias digitais ilustradas”, diz André Letria, ilustrador e editor da Pato Lógico.
Neal Hoskins não tem dúvidas. “Começa-se sempre por uma boa história e isso nunca mudará”, diz ao PÚBLICO, via email. E gosta de citar John Lassetter, da Pixar, “a arte desafia a tecnologia e a tecnologia inspira a arte”, mas sabe que “ainda não estamos nessa fase”. A grande transformação, segundo o especialista, “será na relação entre o editor e os autores/artistas”. Outra mudança:“O maior envolvimento dos leitores no processo narrativo. A noção de ‘jogo’ terá de ser revista, assim como o conceito de ‘brinquedo pedagógico’, uma área que me agrada muito.”
As possibilidades técnicas ampliam a criatividade ou provocam ruído no que se entende como leitura? “O hábito de se tocar no ecrã sempre à espera de que algo aconteça nem sempre ajuda. Quando estamos a trabalhar numa história para suporte digital, temos de ter a consciência de que o excesso de efeitos especiais não deve substituir os aspectos essenciais da leitura. Mas claro que se pode brincar com sons e outras situações divertidas”, defende Neal Hoskins, que em 2009 apresentou em Portugal o o projecto pioneiro Stories to Touch (da editora britânica Wingedchariot),na altura disponíveis para iPhone e iPod por 0,65 euros.
Ler no papel e no vidro
Quem aposta nos novos suportes não se propõe substituir o livro em papel, mas conviver com ele. E “todos os estudos indicam que quem mais lê digitalmente também é quem mais lê em suportes tradicionais e vice-versa”, diz a investigadora em novos media Cátia Ferreira, que irá apresentar um projecto de investigação em leitura digital, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (Instituto Universitário de Lisboa), coordenado pelo professor Gustavo Cardoso e financiado pela Gulbenkian.
Dedicando-se sobretudo ao estudo de plataformas sociais digitais, Cátia Ferreira integra o painel Novas estruturas de acesso ao leitor, partilhado com Fernando Pinto do Amaral (comissário do Plano Nacional de Leitura), Carlos Pinheiro (professor e blogger) e Isabel Minhós Martins (escritora e editora do Planeta Tangerina).
Para a investigadora, “o aparecimento de e-readers e tablets, e a sua aceitação por parte do público leitor, veio acentuar a necessidade de mudança na forma como os conteúdos editoriais são disponibilizados”, pelo que, os editores, “se quiserem manter o seu papel de destaque enquanto divulgadores culturais, precisam de adoptar estratégias de edição digital que respondam às necessidades do público”.
Foi a percepção de que esse era o caminho a seguir que uniu André Letria e Tiago Ribeiro no projecto Nave Especial, que apresentam como “uma odisseia digital em busca de formas de vida criativa”. Depois de em conjunto já terem criado três aplicações, Incómodo, Estrambólicos e De Caras, decidiram alargar o âmbito da sua parceria, promovendo “a reflexão sobre tudo o que se relacione com edição de livros para crianças, descobrir novas formas de trabalhar conteúdos digitais e proporcionar oportunidades para a publicação de autores portugueses”.
No final da conferência, ambos irão lançar o Prémio Nave Especial — Histórias Digitais Ilustradas. Os autores podem concorrer individualmente ou em equipa até final de Março. Pode haver participação estrangeira, mas terá de existir um interlocutor português. O vencedor verá a sua história transformada em aplicação, assim como assegurada a sua divulgação.
O apoio da Sociedade Portuguesa de Autores permitirá ainda um adiantamento de 20% dos direitos da venda, baseando-se na expectativa de descarregamento da aplicação. “É muito difícil quantificar para já em valores absolutos. Depende muito do que surgir. Se aparecer algo totalmente inovador, podemos pensar em 10 mil descarregamentos imediatos”, explica André Letria, que lembra que nas edições em papel o valor habitual é de 5% sobre o preço de capa.
Para entrar no concurso, é preciso criar um guião, um storyboard, uma memória descritiva e algumas imagens finalizadas. “É um pouco como se faz nos concursos de cinema e de animação.” Afinal, o mais parecido com o que está agora a nascer.
O livro/aplicação Incómodo pode ser descarregado gratuitamente aqui: https://itunes.apple.com/hk/app/snap-stories/id450729192?mt=8