Lucien Donnat: a morte de um homem “demasiado dotado”
Cenógrafo e decorador, colaborador do Teatro Nacional D. Maria II durante várias décadas, morreu aos 92 anos em Lisboa
A notícia da morte foi confirmada pelo presidente da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, António Lagarto, em declarações à Lusa, que adianta também que o corpo estará a partir do final da tarde de hoje no Convento dos Cardais, onde se realizará uma missa às 10h00 de amanhã, seguindo o funeral para o cemitério do Alto de São João, onde Donnat será cremado.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A notícia da morte foi confirmada pelo presidente da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, António Lagarto, em declarações à Lusa, que adianta também que o corpo estará a partir do final da tarde de hoje no Convento dos Cardais, onde se realizará uma missa às 10h00 de amanhã, seguindo o funeral para o cemitério do Alto de São João, onde Donnat será cremado.
Houve um tempo em que cenografia e decoração não eram duas ideias distintas. E Lucien Donnat em muito contribuiu para a imagem, como hoje se pode dizer, de uma companhia que era também o teatro nacional. Quando em 1941 começou a colaborar com a companhia Amélia Rey-Colaço e Robles Monteiro, Donnat, vindo de Paris, numa peça escrita por Mariana Rey Monteiro sob pseudónimo de Teresa do Canto, já se intuía, assim mostram as fotografias de época, que a intenção não passava apenas por acompanhar a encenação, mas situar os actores num espaço, como escreveu Jorge de Sena mais tarde, consciente de um calendários das peças “fortemente sublinhado por um realístico rigor cenográfico e indumentário”. Até 1974, ano em que a companhia foi dissolvida e momento em que o encenador partiu para o Brasil, o nome de Donnat confundiu-se com a história da cenografia em Portugal.
Mas distinguiu-se também como decorador de vários hotéis, entre os quais o Hotel Palácio do Estoril (onde existe uma sala com o seu nome) e o Hotel Avenida Palace, em Lisboa.
A sua relação com as artes ia, de qualquer forma, muito para além disso, como o próprio contou numa entrevista a Maria João Seixas, na revista Pública, em 2002 – foi nessa conversa, em sua casa, que confessou ser “demasiado dotado”. Dizia então: “Nunca fui profundo em nada, tamanha era a facilidade que havia em mim para muita coisa: toco piano, canto, desenho, escrevo, faço poesia, cozinho, amo…”.
Nasceu em Paris, em 1920, filho de um pai judeu não praticante e de uma mãe, católica, que morreu quando ele tinha 14 anos, e da qual, dizia, herdou a vocação para o teatro e a decoração. Frequentou o curso de Belas-Artes em França. A colaboração com o TNDM começou no início dos anos 40. Tinha 21 anos quando Amélia Rey Colaço o convidou para compor a música e desenhar os figurinos para a peça infantil Maria Rita, da autoria da sua filha, a actriz Mariana Rey Monteiro. Dos muitos trabalhos que fez nas décadas seguintes com o TNDM, o seu amigo Alberto Villar, destaca, em declarações à Lusa, duas peças de Shakespeare, Sonho de uma Noite de Verão e Romeu e Julieta, ambas do início dos anos 60.
À Pública, Lucien Donnat contou sobre esses tempos: “Sim, comecei como cenógrafo e depois, a pouco e pouco, fui adquirindo uma posição de ‘eminência parda’, papel que sempre adorei representar. Acho que talvez seja, bem no fundo de mim, um manipulador”.
No início desta semana, o TNDM prestou-lhe uma homenagem. Lucien Donnat não pôde estar presente porque já estava hospitalizado. Mas na altura João Mota, director do teatro, contou que o tinha visitado no hospital e que ele lhe tinha confessado que quando fechava os olhos continuava a pintar.
Na já citada entrevista à Pública, Maria João Seixas pergunta-lhe se a ideia da morte o perturba. Lucien, recordando o filho e a mulher, ambos já mortos (a filha, doente, vivia num convento em Lisboa), responde: “Não. Vivo rodeado de mortos. Um dia uma vidente disse-me: ‘Vejo a morte sempre ao seu lado’. ‘Pois se está a meu lado, não me incomoda nada’, respondi-lhe eu. E é verdade.”