Elizabeth e Darcy celebram 200 anos de casados

Dois séculos após a sua primeira edição, Orgulho e Preconceito de Jane Austen continua a ser reeditado e lido e sucedem-se as adaptações ao cinema e à televisão

Fotogaleria

Ao longo dos últimos dos últimos dois séculos, a história de Elizabeth Bennett e do orgulhoso Fitzwilliam Darcy nunca deixou de ser reeditada e calcula-se que ainda hoje venda anualmente no Reino Unido cerca de 50 mil exemplares, um número extraordinário, tendo em conta que não se trata de um novo livro de um romancista vivo e em voga. Mas também há que ter em conta que o romance de Austen reentrou na moda em 1995, quando foi adaptado à televisão pela BBC, numa série com o popular Colin Firth no papel de Darcy e Jennifer Ehle no de Elizabeth. O primeiro a representar Darcy no cinema tinha sido Laurence Olivier, em 1940, num filme que a MGM produziu por sugestão de Harpo Marx, a quem não terão escapado os brilhantes dotes de humorista de Jane Austen. E o mais recente foi Matthew Macfayden, que contracena com Keira Knightley no filme que Joe Wright realizou em 2005.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Ao longo dos últimos dos últimos dois séculos, a história de Elizabeth Bennett e do orgulhoso Fitzwilliam Darcy nunca deixou de ser reeditada e calcula-se que ainda hoje venda anualmente no Reino Unido cerca de 50 mil exemplares, um número extraordinário, tendo em conta que não se trata de um novo livro de um romancista vivo e em voga. Mas também há que ter em conta que o romance de Austen reentrou na moda em 1995, quando foi adaptado à televisão pela BBC, numa série com o popular Colin Firth no papel de Darcy e Jennifer Ehle no de Elizabeth. O primeiro a representar Darcy no cinema tinha sido Laurence Olivier, em 1940, num filme que a MGM produziu por sugestão de Harpo Marx, a quem não terão escapado os brilhantes dotes de humorista de Jane Austen. E o mais recente foi Matthew Macfayden, que contracena com Keira Knightley no filme que Joe Wright realizou em 2005.

Além das suas várias adaptações ao audiovisual, o livro inspirou ainda um sem-número de obras literárias posteriores, incluindo, para citar apenas dois exemplos recentes, Death Comes to Pemberley (2011) – no qual P. D. James, a decana das escritoras policiais inglesas, abala o idílio de Elizabeth e Darcy com um crime em família – e o ainda mais provocatório Pride and Prejudice and Zombies (2009), de Seth Grahame-Smith, cujo título dispensa comentários.

Para comemorar o segundo centenário de Orgulho e Preconceito, o Centro Jane Austen da cidade inglesa de Bath, onde a romancista viveu de 1801 a 1806, organiza na segunda-feira uma maratona de leitura de 12 horas que envolverá especialistas da obra, escritores e fãs. Hoje já só falta determinar quem irá ter a honra de ler as célebres frases de abertura, que têm persuadido sucessivas gerações de leitores a não pousar precocemente o livro. Na tradução do poeta José Miguel Silva para a nova edição que a Relógio D'Água acaba de lançar, a história começa assim: “É uma verdade universalmente reconhecida que um homem rico e solteiro precisa de uma esposa. Tal verdade encontra-se tão firmemente implantada nas cabeças das pessoas que, independentemente dos sentimentos ou opiniões do cavalheiro a respeito do assunto, no momento em que ele chega a uma determinada terra, é imediatamente considerado propriedade legítima de algumas das filhas dos seus novos vizinhos”.

O cenário é, pois, a Inglaterra rural e provinciana, o país dos landed gentry, uma elite de proprietários suficientemente abastados para poderem viver das rendas das suas quintas. E como as frases de abertura sugerem com ironia, o principal desporto local é, para as donzelas e respectivas mães, arranjar maridos e genros economicamente promissores.

 Admiradores e críticos
Janet Todd, responsável pela edição de referência das obras de Jane Austen acha que o perene sucesso de Orgulho e Preconceito – sem dúvida o mais popular dos seis romances da autora – se deve à “história romântica da rapariga que apanha um homem da classe alta com fortuna, um macho arrogante que é vencido pelo amor”. É possível que tenha razão, mas não faltam outras e melhores razões para um leitor do século XXI se poder deliciar com este livro, como o incrível talento de Austen para criar personagens memoráveis, a começar por Elizabeth Bennet, um espírito livre e vivíssimo numa sociedade e numa época em que a inteligência e a ironia não eram necessariamente vistos como atributos desejáveis numa jovem mulher.

A história de Orgulho e Preconceito é o relato de como o enlace de Elizabeth e Darcy vai sendo protelado pelo orgulho e pelos preconceitos de ambos. Na sua versão original, o livro chamava-se First Impressions, um título que também seria adequado, já que a trama desta espécie de sofisticada comédia de costumes tem origem no modo como os dois protagonistas se deixam iludir pelas suas primeiras impressões. É provável que o relativo êxito de Sense and Sensibility tenha levado Austen a apostar num título que ecoasse o do livro anterior.

Mas se Elizabeth é uma criação inesquecível, Austen rodeia-a de uma extraordinária galeria de personagens secundários, incluindo uma vasta parentela, da mais chegada – a mãe (fútil e interesseira), o pai (divertido e negligente) e as quatro irmãs – até primos afastados, como o impagavelmente obtuso reverendo Collins. O crítico Harold Bloom chama a atenção para que as figuras criadas por Austen, as suas heroínas, mas também as personagens menores, têm todas um registo discursivo tão singular como consistente, que as distingue imediatamente de todas as outras. É sobretudo por esse talento que não hesita em a comparar a Shakespeare, uma associação que não foi o primeiro a fazer. Já em 1843, o poeta e historiador Thomas Macaulay sustentava que Austen era a escritora que mais se aproximara da arte do grande dramaturgo. Um feito bastante notável para esta filha do reverendo George Austen, sétimo rebento da sua numerosa prole, que morreu aos 41 anos, conheceu pouco mundo, embora apreciasse o convívio social, nunca se casou e, tanto quanto se sabe ao certo, não terá tido ligações sentimentais significativas.

Embora tenha começado a escrever cedo, Jane Austen só começou a editar nos seus últimos anos de vida. Entre 1811 e 1816 publicou cinco romances – Sensibilidade e Bom-Senso, Orgulho e Preconceito, A Abadia de Northanger, Mansfield Park e Emma – , tendo deixado pronto um sexto, Persuasão, que sairia em 1918, um ano após a sua morte. Ainda pôde ler, na imprensa, as críticas aos seus primeiros livros, geralmente favoráveis, como a de Walter Scott, que lhe gabava a verosimilhança dos enredos e a “originalidade e precisão” com que desenhava “as senhoras e cavalheiros da província”. 

Mas Austen também teve detractores. Charlotte Brontë, que tinha um ano quando Austen morreu, não suportava os seus romances: “as paixões são-lhe perfeitamente desconhecidas”, ajuizava a autora de Jane Eyre. E basta ler esse livro, para já não falar de O Monte dos Vendavais, a obra-prima da irmã de Charlotte, Emily, para perceber que, aos olhos das Brontë, as histórias de Jane Austen deviam parecer objectos gelados e desprovidos de quaisquer sentimentos profundos.

Já Virginia Woolf disse que, “de todos os grandes escritores”, Austen era “a mais difícil de se apanhar em pleno acto de grandeza”.

A própria Jane Austen revela a visão que tinha do seu ofício através de uma personagem feminina de A Abadia de Northanger a quem perguntam o que está a ler: “Oh, é só um romance (…), ou, em resumo, um trabalho onde estão representados os mais altos poderes da mente, onde o mais acabado conhecimento da natureza humana, a mais feliz descrição das suas variedades, as mais vivas efusões de humor e espírito, são servidos ao mundo na mais bem escolhida das linguagens”.