Paulo Júlio acusado por alegado favorecimento de primo em concurso
Ministério Público acusa de prevaricação secretário de Estado da Administração Local. Governante recusa ter usado critérios familiares para contratações.
Naquele ano, Paulo Júlio foi galardoado com o prémio Autarca Empreendedor do Ano. A defesa do político contesta a acusação e vai requerer a instrução do processo, ou seja, que um juiz avalie se o caso deve ou não chegar a julgamento. Se for condenado, o governante incorre numa pena de prisão que pode ir até cinco anos.
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Naquele ano, Paulo Júlio foi galardoado com o prémio Autarca Empreendedor do Ano. A defesa do político contesta a acusação e vai requerer a instrução do processo, ou seja, que um juiz avalie se o caso deve ou não chegar a julgamento. Se for condenado, o governante incorre numa pena de prisão que pode ir até cinco anos.
Paulo Júlio ainda é o presidente daquele município do distrito de Coimbra, cargo que suspendeu em 2011 para integrar o Governo como secretário de Estado da Administração Local e da Reforma Administrativa. O concurso para Chefe de Divisão de Cultura, Turismo, Desporto e Juventude (o vencimento era então de 2540 euros) foi lançado em Maio de 2008, tendo as candidaturas sido limitadas aos funcionários licenciados em História de Arte.
Este foi um dos aspectos que a Inspecção-Geral da Administração Local (IGAL) considerou ilegais, defendendo que, por isso, o concurso podia ser anulado. Neste momento corre no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra uma acção com vista à anulação do concurso, um processo que está a aguardar a marcação de julgamento.
O funcionário escolhido continua em funções, tendo a actual equipa autárquica renovado a sua comissão de serviço em finais de 2011, já depois da saída de Paulo Júlio para o Governo. O júri do concurso era presidido por Paulo Júlio e composto por mais dois vogais: um professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e o chefe de Divisão de Gestão Desportiva da Câmara Municipal de Coimbra. "Como em relação ao aviso do concurso, também a renovação foi decidida por unanimidade", afirmou ao PÚBLICO o vice-presidente da Câmara de Penela, Luís Matias.
O autarca garante que o município "está confortável com as decisões que tomou em todo este processo" e realça que prevaleceu o interesse público na definição do perfil que o candidato devia ter. "Este funcionário tem feito um trabalho extraordinário e está na câmara desde 1987", precisa. E acrescenta: "Além da licenciatura em História de Arte este senhor possui um mestrado em políticas culturais autárquicas".
O PS de Penela lamentou ontem que Paulo Júlio não tenha repetido o concurso para um lugar de chefia como recomendado pela IGAL. "As recomendações do relatório da antiga IGAL eram muito claras e deveriam ter sido acatadas pelo município", disse à Lusa o vereador Renato França, presidente da Comissão Política Concelhia do PS de Penela. O líder do PS local recordou que o relatório concluía que o concurso em causa "não tinha sido bem instruído", devendo a autarquia proceder à sua repetição e acolher as recomendações da IGAL."Não mais nos foi facultado o acesso ao relatório. Fomos questionando o presidente, mas foi-nos sempre dito que estava a decorrer a fase de contraditório", disse.
Apesar de aguardar "com toda a tranquilidade" o desenvolvimento do processo, o PS "tira ilações políticas quanto à conduta e seriedade das pessoas que estão em cargos públicos", sublinha Renato França.
Governante tranquilo
Já hoje, em declarações à Lusa, o governante garantiu que nunca usou critérios familiares para contratações. “Trabalho há 20 anos em cargos de responsabilidade e nunca contratei, e jamais recrutarei, alguém por um critério familiar”, afirmou. Paulo Júlio justificou ainda a escolha com o “plano estratégico” do município”, sendo História da Arte “o curso que em termos de especialidade mais tem a ver com a valorização do património”.
“Penela lidera redes na área dos vestígios arqueológicos romanos, na área dos castelos medievais e tem centros de estudos de história local e regional”, acrescentou o secretário de Estado.
Paulo Júlio confirmou anteontem, numa nota emitida pelo seu gabinete e citada pela Lusa, que "foi notificado pelo DIAP [Departamento de Investigação e Acção Penal] de Coimbra de um despacho de acusação pela alegada prática em 2008 de prevaricação de titular de cargo político, enquanto presidente da Câmara Municipal de Penela".
Porém, o secretário de Estado, que liderou a autarquia de Penela entre 2005 e 2011, acredita que "ficará tudo devidamente esclarecido". Considerando que existe uma "absoluta falta de fundamentação da acusação", Paulo Júlio diz que para "ajudar ao esclarecimento dos factos" prestou declarações, há alguns meses, presencialmente, no DIAP de Coimbra, prescindindo da prerrogativa do depoimento escrito. "Está em causa a decisão de abertura de um concurso público para provimento de um lugar de chefe de divisão", em relação ao qual o Ministério Público "entende que deveria ter sido aberto a outros licenciados para lá daqueles na área científica constante do aviso", acrescenta a mesma nota.
Segundo o Diário da República, foram admitidos ao concurso quatro candidatos, mas só dois compareceram à entrevista de selecção, tendo o primo de Paulo Júlio ficado em primeiro lugar. A estrutura do concurso não terá cumprido as obrigações legais, viria a considerar, três anos depois, a IGAL, que o participou ao Ministério Público.
E é neste ponto que o caso envolve mais um nome. A participação formal ao Ministério Público foi feita pela IGAL em Julho de 2011, poucas semanas depois de Paulo Júlio ter integrado a equipa do ministro Miguel Relvas, assumido a pasta de secretário de Estado da Administração Local. A IGAL era então liderada pelo juiz desembargador Orlando Nascimento. Dois meses depois, o gabinete de Miguel Relvas emitia uma nota determinando a cessação de funções do inspector-geral alegando "quebra de lealdade institucional".