Estado paga indemnização de 12 mil euros a professor acusado de insultar Sócrates
Fernando Charrua foi afastado da Direcção Regional de Educação do Norte em 2007. Tribunal diz que caso teve “conotação política”.
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando
os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que
querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o
mundo, a pensar e decidir.
A verdade faz-nos mais fortes
O Ministério da Educação perde, assim, o recurso que havia interposto do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, em Julho de 2011, já tinha condenado o Estado a indemnizar o professor.
O caso remonta a 2007. Fernando Charrua estava requisitado na DREN desde 1988. Entre Outubro de 2002 e Março de 2005 foi deputado na Assembleia da República, em representação do PSD. Mas, depois de ter cessado o mandato como deputado, voltou à DREN para desempenhar funções, como professor requisitado, nos serviços de recursos humanos.
Em Abril de 2007, à saída de um gabinete na DREN, terá, alegadamente, proferido um insulto contra José Sócrates, então primeiro-ministro. "Somos governados por uma cambada de vigaristas e o chefe deles todos é um filho da puta" — foi a frase que lhe foi atribuída pelo instrutor do processo disciplinar mandado instaurar, no dia 23 de Abril desse ano, pela então directora da DREN, Margarida Moreira. Uma frase que o docente nega ter pronunciado.
Certo é que no próprio dia 23, como se lê no acórdão do Tribunal Central Administrativo, Margarida Moreira remeteu ao secretário-geral do Ministério da Educação um pedido: que fosse considerada, com efeitos imediatos, a cessação da actividade do professor nos serviços. O que foi autorizado três dias depois pelo secretário-geral do ministério. Sem que a razão para tal fosse fundamentada – o que não é aceitável, segundo o tribunal.
Charrua, cuja requisição na DREN cessaria automaticamente em Agosto de 2007, sendo que o professor já tinha mostrado disponibilidade para continuar, interpôs recursos. Em Julho, a ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, arquivava o processo disciplinar. Mas o professor já tinha sido suspenso.
"Nada, em termos de exercício de funções por parte do docente requisitado e de circunstâncias e necessidades de serviço da DREN, surge como susceptível de justificar a cessação de funções do docente", lê-se agora no acórdão, que tem a data de 11 de Janeiro deste ano.
E acrescenta-se: "O que temos é um docente, requisitado desde há vários anos, na perspectiva de terminar essa situação de requisição daí a cerca de quatro meses [...] a ver inopinadamente cessada a situação de requisição na decorrência de um episódio infeliz".
Todo este quadro, "quer pela sua decorrência no tempo, quer pela sua conotação política, quer pela ausência de motivos de conveniência de serviço susceptíveis de justificar o decidido pela entidade administrativa, legitima-nos [...] a concluir no sentido de que o motivo principalmente determinante da cessação da requisição" foi o "sancionamento pela conduta participada" que daria origem a um processo disciplinar que, contudo, foi arquivado.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto já tinha dado como provados vários danos que esta sequência de acontecimentos provocaram no professor que, lê-se, "era um trabalhador empenhado". Daí a indemnização de 12 mil euros. O Ministério da Educação e o Estado português recorreram. Mas o Tribunal Central Administrativo do Norte manteve-a. Charrua também contestou algumas partes do acórdão do Porto, nomeadamente o facto de o tribunal não ter dado como provada a existência do "vício de desvio de poder" (ou seja, exercício discricionário de poder) e de não ter exigido que o próprio secretário-geral do ministério o indemnizasse. O Tribunal Central Administrativo do Norte deu-lhe razão em relação ao primeiro aspecto, mas não em relação ao segundo.
Em declarações à agência Lusa, a advogada de Fernando Charrua, Elizabeth Fernandez, disse que esta decisão agora proferida "é da mais elementar justiça" e "pode marcar um momento de corajosa mudança na jurisprudência até agora vigente nos tribunais administrativos na apreciação do desvio de poder".