E agora, Lance, como podemos voltar a acreditar num campeão?
Só que o caso está muito longe de ficar por aqui, pela fraqueza de um atleta e pela arrogância de um pseudocampeão. Armstrong fugiu a dar pormenores sobre os esquemas que utilizou e sobre quem o ajudou. E isso é uma parte muito importante da história. Mas, quando diz que é impossível alguém ganhar sete vezes o Tour sem recorrer a substâncias dopantes e que a dopagem era generalizada no ciclismo, estamos a falar de algo muito mais grave. Estamos a falar da mentira generalizada no desporto.
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Só que o caso está muito longe de ficar por aqui, pela fraqueza de um atleta e pela arrogância de um pseudocampeão. Armstrong fugiu a dar pormenores sobre os esquemas que utilizou e sobre quem o ajudou. E isso é uma parte muito importante da história. Mas, quando diz que é impossível alguém ganhar sete vezes o Tour sem recorrer a substâncias dopantes e que a dopagem era generalizada no ciclismo, estamos a falar de algo muito mais grave. Estamos a falar da mentira generalizada no desporto.
Se olharmos para os vencedores da Volta à França nas últimas décadas, são muito poucos os que nunca estiveram ligados a testes positivos ou a investigações/suspeitas relacionadas com doping.
O ciclismo tem sido a modalidade mais afectada pela dopagem. E isso acontece porque é uma actividade predominantemente física, onde qualquer ajuda extra pode fazer a diferença. E porque foi também nela que mais se concentraram as autoridades antidoping, investindo em testes-surpresa fora da competição e no passaporte biológico, um recurso que permite guardar o perfil hematológico dos atletas e ir verificando se há alterações provocadas por substâncias proibidas.
A confissão de Armstrong é uma grande vitória da luta antidopagem, porque conseguiu outras armas (como a cooperação com as autoridades judiciais e os testemunhos de ex-ciclistas) para apanhar os batoteiros. Mas, ao mesmo tempo, o facto de o norte-americano nunca ter chumbado oficialmente num teste antidoping também levanta inúmeras reservas quanto à eficácia destes testes (em 1999, acusou cortisona, mas terá sido salvo por uma prescrição médica). É certo que a luta antidopagem nunca foi tão forte como hoje, mas os atletas também nunca tiveram tanto dinheiro e tecnologia tão sofisticada para recorrer a substâncias proibidas.
Uma pergunta que se impõe é: haverá dopagem generalizada no ciclismo? “Não temos dados que confirmem essa hipótese. Quero crer que isso não corresponde à realidade”, dizia ao PÚBLICO em Agosto Luís Horta, presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal. Só que, na mesma conversa, admitia que as médias de velocidade da Volta à França continuam a subir. “São médias que estão no limite ou já ultrapassaram o limite do que é fisiologicamente possível para um ser humano.”
A questão do doping, porém, não se deve colocar apenas no ciclismo. Se tantos escaparam numa modalidade em que há tantos controlos e em que os ganhos de performance com a dopagem têm grande implicação nos resultados, o que dizer de outras modalidades, em que a componente técnica é maior e há muito menos controlos? O que se passará no ténis, no futebol, no basquetebol, no voleibol e por aí fora?
Todos nós, que gostamos de desporto, temo-nos deixado encantar com histórias e feitos maravilhosos de atletas. Os que batem recordes na natação e no atletismo, os que jogam um encontro de ténis durante cinco horas, os que fazem grandes sprints no prolongamento de um jogo de futebol. Mas será que tudo isto está a ser feito de forma limpa? Será apenas fruto do treino e do talento ou, como Armstrong, cederam à tentação da batota?
Por isso, caro Lance, como poderemos agora voltar a acreditar num grande campeão?