“Na Grécia, se não pusermos um envelope nas mãos do médico a cirurgia é adiada”
“Se não tomarmos as medidas certas na Saúde, vai haver uma revolução na Grécia”
Financiados pelo Orçamento do Estado e pela Segurança Social, os serviços têm dificuldade em dar resposta à crescente procura, sobretudo com a perda da contribuição por parte dos desempregados, que deixam de ter acesso a cuidados de saúde gratuitos após um ano sem emprego.
O economista da saúde grego John Yfantopoulos, professor da Universidade de Atenas, esteve nesta semana em Lisboa para participar na conferência A Crise Económica e os Sistemas de Saúde, organizada pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde. Numa entrevista ao PÚBLICO fez um relato de um país onde não param de crescer os números de infecções por VIH, os suicídios e o consumo de drogas. E aponta uma culpada que tem minado todas as tentativas de mudança no sistema: a corrupção.
O que mudou no sistema de saúde e na saúde dos gregos com a crise e assinatura do memorando de entendimento com a troika?
Avaliar os impactos das medidas é um trabalho que temos feito na Universidade de Atenas. Estimamos que em termos de estado de saúde os efeitos da crise estão a ser fortes. Ao utilizarmos indicadores agregados como a esperança média de vida ou a taxa de mortalidade infantil, percebemos que têm vindo a piorar com a crise económica. Na década de 1950 havia uma mortalidade de cerca de 50 por cada mil nascimentos. Este valor ao longo dos anos teve um decréscimo considerável, até chegar aos 3,7 por cada mil nascimentos e agora pela primeira vez cresceu para 4,3. Podem dizer que não é um grande incremento, mas a verdade é que foi entre os mais pobres, os socialmente excluídos e os grupos marginais. Neste momento um parto custa para qualquer pessoa entre 1000 e 2000 euros, pelo que o número de nascimentos também está a cair bastante. Os casais novos estão a adiar a vinda de um filho e a população grega está a encolher.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Financiados pelo Orçamento do Estado e pela Segurança Social, os serviços têm dificuldade em dar resposta à crescente procura, sobretudo com a perda da contribuição por parte dos desempregados, que deixam de ter acesso a cuidados de saúde gratuitos após um ano sem emprego.
O economista da saúde grego John Yfantopoulos, professor da Universidade de Atenas, esteve nesta semana em Lisboa para participar na conferência A Crise Económica e os Sistemas de Saúde, organizada pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde. Numa entrevista ao PÚBLICO fez um relato de um país onde não param de crescer os números de infecções por VIH, os suicídios e o consumo de drogas. E aponta uma culpada que tem minado todas as tentativas de mudança no sistema: a corrupção.
O que mudou no sistema de saúde e na saúde dos gregos com a crise e assinatura do memorando de entendimento com a troika?
Avaliar os impactos das medidas é um trabalho que temos feito na Universidade de Atenas. Estimamos que em termos de estado de saúde os efeitos da crise estão a ser fortes. Ao utilizarmos indicadores agregados como a esperança média de vida ou a taxa de mortalidade infantil, percebemos que têm vindo a piorar com a crise económica. Na década de 1950 havia uma mortalidade de cerca de 50 por cada mil nascimentos. Este valor ao longo dos anos teve um decréscimo considerável, até chegar aos 3,7 por cada mil nascimentos e agora pela primeira vez cresceu para 4,3. Podem dizer que não é um grande incremento, mas a verdade é que foi entre os mais pobres, os socialmente excluídos e os grupos marginais. Neste momento um parto custa para qualquer pessoa entre 1000 e 2000 euros, pelo que o número de nascimentos também está a cair bastante. Os casais novos estão a adiar a vinda de um filho e a população grega está a encolher.
São as medidas de austeridade que estão a destruir o sistema de saúde da Grécia?
Destruir é uma palavra demasiado forte. As medidas estão a tentar melhorar, pois temos um sistema de saúde muito corrupto e com muita influência dos políticos. O sistema precisava que fosse introduzida alguma racionalidade. A troika pediu ao Governo grego três coisas: que especifique os objectivos e a estratégia política, que os quantifique e que introduza algumas análises de custo-efectividade. O problema do memorando é que só se foca no lado financeiro e económico e deixa de lado as implicações sociais, porque estas medidas estão a criar grandes iniquidades. Precisamos de um pensamento mais social para compensar os efeitos nas medidas.
Mas a informação que chega é que o acesso aos serviços de saúde está cada vez mais comprometido e que, à semelhança de Portugal, o aumento das taxas moderadoras estão a gerar grandes dificuldades.
As admissões nos hospitais públicos cresceram cerca de 20%, porque houve uma grande redução no que é prestado no sector privado. Até agora a nossa despesa pública em saúde correspondia a cerca de 55% e a privada a 45%. As taxas moderadoras e os co-pagamentos estão certamente a gerar problemas e penso que precisamos de trabalhar num pacote de serviços mínimos para garantir que os mais pobres têm acesso ao essencial. É preciso garantir uma espécie de seguro mínimo. Isto porque há obstáculos que muitas vezes não são visíveis e que privam as pessoas dos serviços. Os doentes entram no sistema, mas a partir do momento em que entram têm de pagar quantias avultadas e a qualidade do serviço é questionável...
Está novamente a referir-se à corrupção? É preciso subornar para se ser atendido?
Sim. Os gestores hospitalares na Grécia são políticos falhados e membros de partidos políticos sem qualquer tipo de conhecimento de como devem gerir grandes hospitais. Precisamos de profissionais e não de políticos para combater a corrupção e a economia paralela. Os casos de corrupção acontecem mais em cirurgias. Se não pagarmos por baixo da mesa ou se não pusermos um envelope nas mãos do médico, vemos que a cirurgia não é propriamente recusada mas é sucessivamente adiada. E os mais velhos e os mais jovens são os que estão a pagar mais, pois são os que já não têm ou os que ainda não têm uma posição social confortável. Chamamos-lhe uma inversão da teoria do Robin Hood, em que não me pedem dinheiro a mim que sou professor universitário e que já tenho a minha posição social, mas pedem, por exemplo, a agricultores que não têm uma rede de conhecimentos.
As barreiras no acesso também estão a acontecer em doenças graves? E por que estão a faltar medicamentos nas farmácias?
Sim, em qualquer cirurgia há barreiras. Nos casos de oncologia, os medicamentos são gratuitos, mas o acesso é cada vez mais complicado. Como o Governo não paga às farmácias ou se atrasa muito, estas recusam-se cada vez mais a fornecer os medicamentos, a não ser que o doente os pague. Há farmácias a encaminhar pessoas do norte para o sul do país e a pôr vários obstáculos. É preciso que se faça mais negociação com evidência científica. Não podemos continuar a ter discussões sentimentais. Com a crise a academia tem de intervir e de dar factos claros e elementos sociais.
Também já há laboratórios a recusarem-se a vender aos hospitais. Como tem sido a relação entre o Governo e a indústria?
A indústria farmacêutica comprometeu-se a ajudar a reduzir a despesa pública com medicamentos e tomaram algumas iniciativas. Para ter uma ideia, um dispositivo médico para uso cardíaco antes custava três mil ou 3500 euros,e uns mil ou 1500 iam directamente para o bolso do cardiologista. Agora o preço é de uns 500 euros. Mas como o Estado se está a atrasar, muitas farmacêuticas na Grécia pararam ou recusam-se a fornecer medicamentos para doenças crónicas, como o cancro, a asma ou a diabetes sem ser contra pagamento, o que teve implicações automáticas na deterioração do estado de saúde destas pessoas.
Quem são os mais afectados?
Houve uma deterioração do estado de saúde reportado pelas pessoas e da qualidade de vida, em especial das gerações mais novas. Encontramos níveis muito elevados de ansiedade e de depressão relacionados com o desemprego. É um problema, quando 60% da população mais jovem está a sofrer de ansiedade e depressão. Com estes dados quais serão os pilares e as fundações da nossa sociedade? Sabe o que dizemos aos nossos estudantes na universidade enquanto professores? Saiam do país assim que possível.
Têm também feito cortes nas verbas para combater várias patologias e viram crescer o número de infecções por VIH/sida, os suicídios, o consumo de drogas...
As infecções por VIH são um problema. Como muitos dos programas na área da toxicodependência estão a ser cortados e as pessoas que estejam infectadas com VIH têm prioridade, há muita gente a infectar-se de propósito para ter acesso aos benefícios sociais e a programas de metadona. O acesso aos tratamentos está a ser muito limitado para quem não tem conhecimentos. A saúde pública é uma área em que precisamos de trabalhar mais e mais.
Se fosse ministro da Saúde, que alterações propunha?
Se fosse ministro da Saúde, fazia três coisas. Apostava na transparência, pois os cidadãos gregos têm o direito de conseguir ver na Internet o que está a acontecer no sistema. Os ministros têm propositadamente escondido estas informações. Se os nossos resultados são publicitados, sentimo-nos mais responsáveis pelos nossos sucessos e pelos nossos fracassos. Apostava também na prescrição electrónica para acabar com a corrupção no sector farmacêutico. Neste campo estamos a fazer trabalho e já temos bons sinais. Por último, defendo que temos de ter profissionais no sistema. Este tem sido demasiado politizado. Todas as pessoas são membros de partidos com pensamentos estalinizados.
Se nada for feito ou o caminho continuar a ser o mesmo, como imagina o sistema de saúde grego daqui a cinco anos?
Revolução. Acho que a resposta final passa pela música de John Lennon: "You say you want a revolution...” Se as medidas certas não forem aplicadas, vamos ter uma guerra interna, o que é realmente assustador. Sofremos tanto com os políticos, as desigualdades, as ineficiências e a corrupção... Eles têm aumentado a catástrofe do país. O que precisamos é de bons políticos que consigam levar o país para fora da crise. Se isso não acontecer, se não tomarmos as medidas certas na Saúde, uma revolução vai acontecer. Se não fizermos as reformas, toda a sociedade vai entrar em colapso.
E qual tem sido a resposta da sociedade grega aos problemas? Há uma crise de valores?
Quando temos uma crise económica como a nossa, já é uma crise de valores. Será que as pessoas estão a ficar apáticas ou será que estão a ajudar, que a solidariedade está a crescer? Verificamos que a solidariedade está a perder cada vez mais importância. As pessoas estão cada vez mais fechadas nas suas famílias a tentar resolver os problemas vitais da sua sobrevivência e não os gerais. Há muitas iniciativas altruístas, mas esporádicas e não propriamente sistemáticas.
Em Portugal existe a sensação de que a Grécia pode ser o nosso espelho. Que imagem tem das reformas portuguesas, sobretudo na área da saúde?
Acredito que há elementos que nos distinguem de Portugal. Ambos tivemos distorções políticas nos nossos sistemas, mas a administração pública portuguesa é mais sólida e qualificada e o sistema de saúde partiu de uma base melhor. Além disso, não há tantos políticos corruptos em Portugal. A sociedade portuguesa está muito mais avançada em termos de administração pública, políticos, população jovem e académicos.