"Tabu", apenas e só

Este “Tabu” é um filme intemporalmente perfeito. Miguel Gomes arrisca-se a ganhar, definitivamente, um lugar de destaque na história do cinema português

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Para verdadeiramente apreciar um filme como “Tabu”, de Miguel Gomes, é imperativo fazer uma limpeza de memória. Esquecer os prémios, as menções, as críticas, as entrevistas e até o (excelente) percurso enquanto realizador. Eliminar todas as expectativas que esse "background" automaticamente geraria. Cumprindo estes pré-requisitos, estamos preparados para conhecer um mundo paradoxalmente longínquo e estranhamente próximo.

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Para verdadeiramente apreciar um filme como “Tabu”, de Miguel Gomes, é imperativo fazer uma limpeza de memória. Esquecer os prémios, as menções, as críticas, as entrevistas e até o (excelente) percurso enquanto realizador. Eliminar todas as expectativas que esse "background" automaticamente geraria. Cumprindo estes pré-requisitos, estamos preparados para conhecer um mundo paradoxalmente longínquo e estranhamente próximo.

Um mundo a preto e branco, dividido em dois momentos. O primeiro, “Paraíso Perdido”.

Na Lisboa atual, um apartamento que é ainda uma reminiscência de um passado colonial onde moram D. Aurora e a sua criada negra, Santa. Todo este momento é regido pelo sangue que ficou entranhado nas mãos da senil D. Aurora (representada pela eterna D. Maria dos Prazeres, Laura Soveral) e também pelo sofrimento e tensão que parece nunca abandonar a católica, ativista e sensível D. Pilar (Teresa Madruga), sua vizinha.

O pedido moribundo de D. Aurora encadeia o segundo momento, “Paraíso”.

Narrado pelo GianLuca Ventura (Henrique Espírito Santo), é-nos apresentada, utilizando como plano de fundo o retrato da sociedade portuguesa nas colónias, a história do amor proibido que o uniu a Aurora, assim como do acontecimento que entranharia para sempre o sangue nas mãos da protagonista.

No “Paraíso Perdido”, Miguel Gomes teve em atenção pormenores que remetem para um cinema anterior ao seu, como a cena do sonho surrealista que D. Aurora conta no casino ou a imagem do carro funerário que atravessa o ecrã ao ritmo da procissão fúnebre; descreveu a resistência à mudança, patente na cena do quadro que está na parede, mas é “demasiado esquisito”, sendo substituído por outro mais “normal”.

Contudo, é no “Paraíso” que explana toda a sua arte enquanto realizador. Abandonando a tensão nos rostos das personagens, centra a realização numa série de postais da zona do monte Tabu e num surdo diálogo que é interrompido pelo som ambiente (as músicas da Mario’s Band, a comida atirada para alimentar o crocodilo), permitindo ao espectador centrar-se nos lábios da jovem Aurora (Ana Moreira) e do jovem GianLuca (Carlotto Cota), imaginar o aparecimento e desenvolvimento do seu amor enquanto ouve a narração pausada e grave.

Dois momentos de realização captam (ainda mais) a atenção: O pormenor da chuva que escorre exemplarmente pela objetiva e o sublime uso da iluminação no momento em que os dois amantes se reencontram após alguns meses de separação. É imperativo tentar descrever este último. Ela na luz, no branco; ele, na escuridão, no preto. Ela avança para a escuridão. Simples e poético. Exatamente como o cinema deveria ser.

Fazendo também eu uma analepse, o monólogo inicial não poderia deixar de ser mencionado. A força poética do texto é tal que é impossível não seguir atentamente o “explorador intrépido” que, assombrado pela defunta esposa, se oferece ao crocodilo.

Este “Tabu” é um filme intemporalmente perfeito. Miguel Gomes arrisca-se a ganhar, definitivamente, um lugar de destaque na história do cinema português. E, recuperando os dados apagados inicialmente para poder apreciar o filme, é justo dizer que todos os prémios, menções e críticas foram merecidos. Mas asseguro que não foram os últimos. Nem do filme, nem do realizador.