Hamza e Basel tornaram-se símbolos dos 60 mil mortos sírios

A guerra está a matar todos os dias uns 200 sírios, 150 num dia, 400 noutro. Em 2013, diz a ONU, podem morrer 100 mil. A maioria vai permanecer anónima.

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Basel Shehade morreu em Maio a filmar ataques de Assad contra os sírios

O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG ligada à oposição que desde o início tenta contabilizar os mortos através de uma rede de activistas e de médicos, só conseguiu até agora identificar 46 mil, mas sempre avisou que seriam mais. A organização não consegue contar os milhares de desaparecidos e presos, nem a maioria dos que são chacinados às mãos dos milicianos das Shabbiha e dos combatentes estrangeiros oriundos de 20 países que entretanto combatem na Síria.

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O Observatório Sírio dos Direitos Humanos, uma ONG ligada à oposição que desde o início tenta contabilizar os mortos através de uma rede de activistas e de médicos, só conseguiu até agora identificar 46 mil, mas sempre avisou que seriam mais. A organização não consegue contar os milhares de desaparecidos e presos, nem a maioria dos que são chacinados às mãos dos milicianos das Shabbiha e dos combatentes estrangeiros oriundos de 20 países que entretanto combatem na Síria.

Até agora, 560 mil sírios fugiram para os países da região e foram registados pelas autoridades locais. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados admite que o número verdadeiro de refugiados é muito superior e estima que no fim de 2013 serão 1,1 a 1,8 milhões. Estes são os sírios que estarão a salvo – a ONU diz que há pelo menos 4,5 milhões com fome e sem comida e doentes a precisar de medicamentos e de tratamento a que não acedem, mas sabe que só poderá ajudar os que chegaram à fronteira.

Se ninguém fizer nada, outros 100 mil sírios vão morrer este ano, avisou o enviado das Nações Unidas e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi. Estes serão os mortos dos bombardeamentos da aviação de Bashar al-Assad, que nas últimas semanas largou bombas sobre filas do pão e gente à espera para comprar gasolina. Mas à medida que o regime perde o controlo de cidades e regiões, as infra-estruturas entram em colapso ou são destruídas. Em Alepo, por exemplo, uma cidade de três milhões, não há recolha de lixo há meses nem electricidade há semanas. Já se morre tanto de doenças respiratórias e de fome como de feridas de guerra.

Quase todos os mortos da repressão e da guerra vão permanecer anónimos, mas por diferentes motivos alguns vão ficar como símbolos da revolta. Logo em Maio de 2011, Hamza Ali al-Khateeb foi o primeiro símbolo da contestação síria. Basel Shehade foi uma das vítimas de 2012 que muitos sírios choraram.

Hamza, 13, anos, estava a manifestar-se com a família
Hamza Ali al-Khateeb tinha 13 anos quando foi morto pela polícia síria, em Maio de 2011. Vivia com a família em Jiza, localidade agrícola do Sul, perto de Daraa, então um dos principais palcos dos protestos contra Bashar al-Assad.

Na altura, e durante muito tempo ainda, os sírios não só insistiam em manifestar-se pacificamente como não era raro verem-se crianças nos protestos. 29 de Abril foi "sexta-feira de raiva" em várias cidades e Hamza acompanhou a família e outros amigos até ao protesto de Daraa. As forças de segurança dispararam sobre a multidão e centenas de pessoas desapareceram no caos.

Mais tarde, soube-se que Hamza estava entre os 51 manifestantes presos nesse dia. A família de Hamza não teve nenhuma informação sobre ele até à última semana de Maio, quando representantes do Governo apareceram na sua casa pedindo aos pais que assinassem um documento em que aceitavam receber o corpo do rapaz em troca de não o mostrarem e de não discutirem as circunstâncias da sua morte. Os familiares concordaram, mas, perante o estado do corpo, chamaram um activista que fez o vídeo que foi parar ao YouTube: rosto desfigurado, buracos de balas e de queimaduras de cigarros no peito, pescoço partido, maxilar desfeito e pénis cortado.

Poucos dias depois, Hamza era nome de protestos dos subúrbios de Damasco a Alepo, cidades onde a revolta ainda mal se via. Cartazes com a sua fotografia passaram a ver-se nas poucas imagens que chegavam dessas manifestações. No Facebook, a página "Somos todos Hamza Ali al-Khateeb, a Criança Mártir" ganhou 60 mil seguidores só numa semana. A versão em inglês tem 31.323 e continua a ser actualizada. Não têm faltado imagens de crianças sírias, corpos dispostos em fila, às vezes tapados, quase sempre à mostra, caras e corpos desfeitos.

Basel, cineasta, morreu a filmar em Homs
Basel Shehade, cineasta de 28 anos nascido no bairro Qasa'a de Damasco, tinha uma bolsa Fulbright para estudar na Faculdade de Artes Performativas e Visuais da Universidade nova-iorquina de Syracuse, mas acabou por morrer num bombardeamento em Homs.

Como outros jovens sírios espalhados pelo mundo, não conseguiu ficar quieto quando viu que a Síria se revoltava. Deixou os Estados Unidos e voou para Damasco. Chegou, conheceu outros activistas e com eles pôs-se a percorrer o país a gravar imagens da violência de Bashar al- Assad. Pelo caminho, treinou muitos activistas sírios que nunca tinham saído do país nem estudado cinema a fazer o mesmo. Em Homs, onde passou três meses, treinou mais de 15, incluindo fotógrafos que com ele aprenderam a editar vídeo.

Morreu a 28 de Maio de 2012, num bombardeamento contra o bairro de Bab Sbaa, quando se preparava para viajar para Houla, na mesma província de Homs, onde milicianos leais a Assad tinham acabado de assassinar 108 pessoas, incluindo 49 crianças. Hassan, um amigo, descreveu o ataque à emissora norte-americana NPR: "Fiquei para trás a trancar o meu carro. Vi o primeiro projéctil cair. Depois o segundo. Levámos Basel e os outros para um hospital improvisado, mas o médico disse que já estavam mortos. Tinham estilhaços em todo o lado." Há um vídeo no YouTube onde vários sírios erguem fotos de Basel e cantam. Depois vê-se um caixão coberto por uma bandeira ser colocado numa carrinha de caixa aberta.

Basel morreu "quando trabalhava como jornalista-cidadão e filmava ataques das forças de segurança do Governo contra o povo sírio", escreveu o reitor da Universidade de Syracuse num comunicado.

A sua morte foi uma entre muitas de activistas mais ou menos da sua idade que decidiram ficar e manifestar-se, registar a repressão ou combater as forças de Bashar al-Assad.