2012, ano mau ou de soma nula?

Jorge Sampaio aceitou o convite da revista 2 e escolheu as imagens que marcaram o ano. Pré-seleccionámos quase 800 fotografias. Sampaio escolheu 34. É o seu olhar sobre Portugal e sobre o mundo em 2012. A sua “polaróide”, como lhe chamou o ex-Presidente da República no texto que acompanha a sua escolha.“Não foi um ano bom para os portugueses como nação, nem para Portugal como um todo”.

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Habituámo-nos a aceitar que a globalização acelerou as nossas vidas e que o estado de informação e comunicação permanentes em que nos encontramos alterou o nosso horizonte do presente, ora porque a avalanche de acontecimentos o desactualiza constantemente e o empurra para o passado, ora porque o futuro encolheu e está sempre circunscrito ao imediatamente a seguir. Os mercados vigiados numa base diária viraram seres nervosos e ultra-reactivos. Os índices — das exportações, do desemprego ou de popularidade — são medidos com intervalos sempre mais curtos e pequenas variações epidérmicas sem significado acabam por ditar reacções em cadeia que comprometem definitivamente o futuro. Por outras palavras, vivemos cada vez mais confinados numa racionalidade de prazos breves e vistas curtas ou, pior ainda, do imediato.

Isto explica de certa forma o desaparecimento da política e a sua substituição pela comunicação. O ano de 2012 ilustra de muitas formas esta constatação e o muito que vivemos e observámos durante este ano — seja no mundo, seja na Europa, seja no nosso país.

2012 foi um ano cinzento, um ano de soma nula na melhor das hipóteses e na pior um ano mau. Esta é, pelo menos, a minha polaróide de síntese. Mas esta imagem-resumo não anula nem diminui extraordinários feitos individuais ou mesmo colectivos, vidas anónimas que conseguiram êxitos sólidos, vitórias aqui, sucessos acolá e um número relevante de acontecimentos positivos que se registaram neste ano que está a findar.

2012 foi um ano de calendário eleitoral significativo — na Rússia, em Myanmar, França, no Egipto e Estados Unidos, para citar apenas alguns exemplos de peso. Ano também de renovação da liderança na China. O impacto daquelas eleições no destino dos povos e para o governo do mundo tornar-se-á certamente mais claro no ano que entra. Também no plano político, parece-me que 2012 continuou a ser da estação árabe, nas diversas variações em que esta se tem declinado, entre perplexidades, incertezas, sofrimentos e esperança.

Do ponto de vista económico, no plano global, 2012 foi marcado por fraco desempenho económico, aumento do desemprego e continuação da crise da dívida soberana na Europa. Neste quadro moroso, África, em contrapartida, contrasta positivamente, registando um bom ritmo de crescimento económico logo a seguir à Ásia.

Do ponto de vista social, os movimentos de protesto de configurações várias, inspiração múltipla e motivados por reivindicações diversas foram uma constante deste ano nos quatro cantos do mundo, mas todos em nome do direito à dignidade.

2012 produziu um número importante de catástrofes e tragédias — umas naturais, pela força das alterações climáticas que os governos teimam em não tomar a sério, adiando medidas necessárias que, por obrigarem a mudanças de comportamento colectivo, quase civilizacional, não são nem simples, nem de fácil contento do eleitorado; outras provocadas pelos homens, quer se trate de naufrágios, de ataques terroristas ou de conflitos armados. Há imagens de desolação persistentes que ao longo deste ano se não apagaram nunca da fita do tempo — a guerra às nossas portas perante a indiferença generalizada, na Síria, o entranhado conflito entre Israel e a Palestina e o mais recente episódio bélico com Gaza, bem como os assassínios de Benghasi, a violência no Mali, as carnificinas cegas nos Estados Unidas e outros incontáveis actos de terror que se multiplicaram em várias partes do mundo.

2012 foi ainda um ano pontuado por descobertas científicas e avanços tecnológicos em vários domínios — progressos na física subatómica, com a identificação do bosão de Higgs; progressos no âmbito das ciências espaciais e astronáuticas; progressos na medicina; progressos na tecnologia das comunicações com novos produtos lançados no mercado em áspera competição, bem como a expansão do Facebook a raiar os mil milhões de utentes.

No âmbito das artes e do desporto, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres foram, sem dúvida, os acontecimentos marcantes do Verão, sem esquecer, claro, o Europeu de Futebol 2012; a atribuição do Óscar do Melhor Filme ao O Artista, um agradável convite à nostalgia; A Separação, do iraniano Asghar Farhadi, e a dupla de amigos improváveis Fred Testot e Omar Sy nos Intouchables foram, sem dúvida, dois momentos altos do cinema em 2012, juntamente com Rafa e Tabu, duas excepcionais produções nacionais de João Salaviza e Miguel Gomes, respectivamente. Do lado dos desaparecimentos, 2012 levou-nos Etta Jones, Antonio Tabucchi, Gore Vidal, Oscar Niemeyer e Ravi Shankar.

Portugal e 2012, uma relação complexa, difícil, cheia de perplexidades e incertezas. Não foi um ano bom para os portugueses como nação, nem para Portugal como um todo. A destruição do emprego, a queda do nível de vida e os desconcertos vários da governação nas suas diversas declinações são preocupantes. Salvam-nos as exportações e o nosso bom desempenho como membro não permanente do Conselho de Segurança. Segura-nos o exemplo bem sucedido de muitos portugueses que, individualmente, somaram êxitos e sucessos — no mundo das empresas, do empreendedorismo e da inovação, da investigação científica, das artes. Guimarães Capital Europeia da Cultura foi também um notável triunfo, para a cidade, para a região, para o país.

Camões, no conhecido e nostálgico soneto sobre os tempos e as mudanças, lembra que “continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança: do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve) as saudades”. Não sendo o caso de 2012, pensando no ano que aí vem, pois sou mesmo tentado a resumir, desejando que possa 2013 dar razão a Camões e deixar muita saudade!