Os peritos que afinal não o eram
Como a BBC, o New York Times e a ABC foram enganados por pessoas com carreiras inventadas no mundo da finança ou dos assuntos militares.
Os casos de falsos peritos que enganaram meios de comunicação social respeitados não são assim tão raros.
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Os casos de falsos peritos que enganaram meios de comunicação social respeitados não são assim tão raros.
No ano passado, um “perito financeiro” entrevistado pela BBC tornou-se um sucesso. O editor de economia da emissora britânica, Robert Peston, recomendou os comentários de Alessio Rastani, “obrigatórios para quem quer perceber a crise do euro e como funcionam os mercados”.
Com frases como “os governos não mandam no mundo, quem manda é a Goldman Sachs”, “vou deitar-me todos os dias a sonhar com outra recessão – é uma oportunidade”, ou ainda “na City não se importam se vão salvar a economia, o nosso trabalho é fazer dinheiro com ela”, a entrevista de Rastani tornou-se um sucesso.
Mas rapidamente começaram a levantar-se dúvidas quanto à experiência de Rastani – não havia provas de que alguma vez tivesse trabalhado num banco ou numa corretora, vivia numa casa que a namorada estava a pagar ao banco, e as suas acções resumiam-se a uma acção de 99 cêntimos numa empresa de comunicação.
A BBC continuou a defender Rastani, dizendo que este era “uma das muitas vozes” ouvidas a propósito da crise. Falando depois ao Telegraph, Rastani reapresentou-se, dizendo que o mercado bolsista era um hobby e que do que ele gostava era de “falar” – “Adoro a ideia de falar em público.”
Coronel, mas pouco
Outro perito cujo currículo se revelou afinal mais curto foi o de Joseph Cafasso. Em 2002, o coronel apareceu durante cerca de quatro meses nos ecrãs da cadeia norte-americana Fox News, ajudando a explicar aos americanos o que se passava no terreno no Afeganistão graças à sua rede de contactos. Um dia desapareceu.
Pouco depois, descobriu-se que afinal não tinha ganho medalhas por coragem no campo de batalha, não tinha estado no Vietname nem na missão secreta (e falhada) de resgate de reféns em 1980 no Irão. Não tinha a rede de contactos que lhe teriam permitido garantir que Bin Laden, apesar de cercado, tinha muitas rotas de fuga (e o chefe da Al-Qaeda tinha mesmo fugido) ou que o corpo do jornalista Daniel Pearl não tinha sido encontrado (desmentindo informações de facto erradas). De facto, Cafasso parecia ter contactos, tendo construído uma persona que lhe permitiu entrar num círculo de militares.
No entanto, a sua passagem pelo exército parece ter-se resumido a 44 dias em Fort Dix, New Jersey, de onde saiu como… soldado.
A Fox tem ainda outro episódio com um impostor, desta vez, com uma fonte. Uma figura ligada à campanha de John McCain em 2008 dizia que a sua "vice", Sarah Palin, não sabia que África era um continente. A sua concorrente, MSNBC, não tardou a identificar a fonte: Martin Eisenstadt, consultor da campanha de McCain.
Mas Martin Eisenstadt não era um consultor de campanha de McCain, nem sequer, vá, uma pessoa: era uma fachada para um “perito”. As provas de que existiam eram a sua página pessoal na Internet e a menção na página da Internet do instituto onde era investigador principal, o Instituto Harding para a Liberdade e Democracia. Ambas eram falsas.
No entanto, aparentemente, Eisenstadt (criado, segundo o New York Times, por dois realizadores obscuros) apenas apareceu erradamente como fonte da notícia. A Fox mantém que houve uma figura da campanha de McCain que disse que Palin não sabia que África era um continente.
Os jornais escrevem "qualquer coisa"
Na história dos falsos peritos há, no entanto, um que se destaca: Ryan Holiday. Aos 25 anos, o responsável de marketing da marca de roupa norte-americana American Apparel resolveu testar a sua teoria de que os jornais escrevem “qualquer coisa”.
Inscreveu-se num site chamado Help a Reporter Out (que pretende juntar possíveis fontes para jornalistas) e em semanas estava a ser contactado tanto por pequenos sites especializados em barcos (a quem deu dicas sobre como preparar um barco para o mau tempo) como por gigantes como a CBS (onde partilhou uma história embaraçosa no local de trabalho). Apareceu como perito em vinil no New York Times, na MSNBC fingiu ter sido empregado no Burger King.
Holiday descreve-se como “manipulador de media” e escreveu um livro chamado Trust me, I’m Lying (qualquer coisa como "Acredita em mim, estou a mentir"), em que defende que os “manipuladores dos media” devem tomar partido da velocidade da informação para distorcer notícias.
O "manipulador" é por seu lado acusado de fazer a sua acção com os grandes jornais para dar publicidade ao seu livro. Ryan Holiday nega, mas como diz um artigo no site do Poynter Institute, é difícil acreditar em alguém que se apresenta como "manipulador de media".