O caso Depardieu e a miragem da harmonização fiscal europeia

Discussão sobre fuga de capital de França à custa do imposto de François Hollande sobre ricos ilumina desarmonia fiscal em que UE permanece. Assunto passa, porém, ao lado da agenda de consolidação europeia.

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Gerard Depardieu protesta sobretudo contra o imposto sobre as grandes riquezas Benoit Tessier/Reuters (arquivo)

Para além do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, que acusou o actor francês de ser “patético” e pouco “patriótico” também o ministro francês da Cultura, Bernard Cazeneuve, e o ministro dos assuntos europeus, Aurélie Filippetti, vieram a público repreender a acção de Depardieu. O primeiro afirmou estar “totalmente escandalizado” com o caso; o segundo, por sua vez, argumentou que “quando um país dá muito a alguém, há momentos em que se deve dar um pouco de volta. O presidente francês ficou de fora das acusações públicas, optando por apenas afirmar que “todos se têm de comportar de forma ética”.

A invulgar reacção política à decisão de Gerard Depardieu reavivou a discussão sobre os apelidados “paraísos fiscais europeus”: países como o Mónaco ou a Suíça, conhecidos por terem regimes de tributação directa mais simpáticos para as grandes fortunas. A riqueza Depardieu não foi a primeira a querer saltar a fronteira para evitar contribuições fiscais mais pesadas. Se o actor protesta sobretudo contra o imposto sobre as grandes riquezas de Hollande, que estará em vigor durante dois anos e incide com uma taxa de 75% sobre os rendimentos acima de um milhão de euros, muitas e outras grandes fortunas trocaram de nacionalidade no passado por impostos menos pesados e sem este ruído.

Apesar da resposta política à opção do actor francês, a discussão em torno de uma harmonização fiscal na Europa não está na agenda política europeia, asseguram dois antigos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques (governo de José Sócrates) e António Carlos Santos (de António Guterres) e o economista Pedro Lains. Isto porque, afirma Sérgio Vasques, “a tributação directa nunca foi encarada como uma área de harmonização fiscal”, e, mesmo no campo da tributação indirecta, essa sim, encarada como uma área de possível tributação comum, “não se conseguiu ainda passar para um regime de transição”.

“A política fiscal ainda é o último instrumento de que os Estados dispõem”, afirmou Sérgio Vasques, que aponta em seguida para a impossibilidade de haver uma decisão conjunta sobre um imposto directo, como é o imposto sobre o rendimento de François Hollande contra o qual Gerard Depardieu se insurgiu na semana passada. Imagine-se, sugere Vasques, que seria aplicada na Alemanha a reorganização dos escalões do IRS, que vai entrar a partir de Janeiro, acompanhada da sobretaxa de 3,5% decidida para o Orçamento do Estado para 2013. “É impossível”, afirmou ao PÚBLICO, mesmo que fosse entre os países mais próximos, como Espanha ou Itália, acrescentou.  

Competitividade ou dumping 

Pedro Lains diz que “alguma competitividade e concorrência fiscal em alguns países na europa não é necessariamente negativo” e aponta ainda para uma “margem” que existe em Portugal para essa competitividade fiscal.

Um regime de tributação menos pesado pode ser uma forma dos países europeus com dificuldades financeiras, focados hoje sobretudo na necessidade harmonização orçamental, conseguirem atrair investimento estrangeiro, diz o economista. Lains faz referência ao caso da Irlanda, que beneficiou de um sistema fiscal diferente quando entrou para a Comunidade Económica Europeia, algo de que Portugal não partilhou porque “havia fundos estruturais para o lado das despesas e não para o lado das receitas”. “Mesmo que seja contra algumas normas”, diz Lains, “Portugal deve fazer alguma pressão para Bruxelas ter isso em cima da mesa”.

António Carlos Santos, afirma, por seu lado, que é necessário haver limites, de forma a evitar “os dumpings fiscais”, algo que acontece, afirma, na maior parte dos casos de deslocação da residência fiscal.

Depardieu respondeu às acusações do primeiro-ministro francês, dizendo que não cabia a Ayrault criticá-lo. “Todos os que saíram da França não foram insultados como eu”, escreveu o actor numa carta aberta no Le Journal du Dimanche. O actor que deu corpo ao gaulês Obélix e é um conhecido apoiante do ex-presidente francês, Nicholas Sarkozy, acrescentou que com a saída para a Bélgica, deixaria de “pagar 85% de imposto sobre o rendimento”. Em contas feitas pelo próprio, afirma que pagou já 145 milhões de euros em impostos ao longo dos últimos 45 anos.
 

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Para além do primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, que acusou o actor francês de ser “patético” e pouco “patriótico” também o ministro francês da Cultura, Bernard Cazeneuve, e o ministro dos assuntos europeus, Aurélie Filippetti, vieram a público repreender a acção de Depardieu. O primeiro afirmou estar “totalmente escandalizado” com o caso; o segundo, por sua vez, argumentou que “quando um país dá muito a alguém, há momentos em que se deve dar um pouco de volta. O presidente francês ficou de fora das acusações públicas, optando por apenas afirmar que “todos se têm de comportar de forma ética”.

A invulgar reacção política à decisão de Gerard Depardieu reavivou a discussão sobre os apelidados “paraísos fiscais europeus”: países como o Mónaco ou a Suíça, conhecidos por terem regimes de tributação directa mais simpáticos para as grandes fortunas. A riqueza Depardieu não foi a primeira a querer saltar a fronteira para evitar contribuições fiscais mais pesadas. Se o actor protesta sobretudo contra o imposto sobre as grandes riquezas de Hollande, que estará em vigor durante dois anos e incide com uma taxa de 75% sobre os rendimentos acima de um milhão de euros, muitas e outras grandes fortunas trocaram de nacionalidade no passado por impostos menos pesados e sem este ruído.

Apesar da resposta política à opção do actor francês, a discussão em torno de uma harmonização fiscal na Europa não está na agenda política europeia, asseguram dois antigos secretários de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques (governo de José Sócrates) e António Carlos Santos (de António Guterres) e o economista Pedro Lains. Isto porque, afirma Sérgio Vasques, “a tributação directa nunca foi encarada como uma área de harmonização fiscal”, e, mesmo no campo da tributação indirecta, essa sim, encarada como uma área de possível tributação comum, “não se conseguiu ainda passar para um regime de transição”.

“A política fiscal ainda é o último instrumento de que os Estados dispõem”, afirmou Sérgio Vasques, que aponta em seguida para a impossibilidade de haver uma decisão conjunta sobre um imposto directo, como é o imposto sobre o rendimento de François Hollande contra o qual Gerard Depardieu se insurgiu na semana passada. Imagine-se, sugere Vasques, que seria aplicada na Alemanha a reorganização dos escalões do IRS, que vai entrar a partir de Janeiro, acompanhada da sobretaxa de 3,5% decidida para o Orçamento do Estado para 2013. “É impossível”, afirmou ao PÚBLICO, mesmo que fosse entre os países mais próximos, como Espanha ou Itália, acrescentou.  

Competitividade ou dumping 

Pedro Lains diz que “alguma competitividade e concorrência fiscal em alguns países na europa não é necessariamente negativo” e aponta ainda para uma “margem” que existe em Portugal para essa competitividade fiscal.

Um regime de tributação menos pesado pode ser uma forma dos países europeus com dificuldades financeiras, focados hoje sobretudo na necessidade harmonização orçamental, conseguirem atrair investimento estrangeiro, diz o economista. Lains faz referência ao caso da Irlanda, que beneficiou de um sistema fiscal diferente quando entrou para a Comunidade Económica Europeia, algo de que Portugal não partilhou porque “havia fundos estruturais para o lado das despesas e não para o lado das receitas”. “Mesmo que seja contra algumas normas”, diz Lains, “Portugal deve fazer alguma pressão para Bruxelas ter isso em cima da mesa”.

António Carlos Santos, afirma, por seu lado, que é necessário haver limites, de forma a evitar “os dumpings fiscais”, algo que acontece, afirma, na maior parte dos casos de deslocação da residência fiscal.

Depardieu respondeu às acusações do primeiro-ministro francês, dizendo que não cabia a Ayrault criticá-lo. “Todos os que saíram da França não foram insultados como eu”, escreveu o actor numa carta aberta no Le Journal du Dimanche. O actor que deu corpo ao gaulês Obélix e é um conhecido apoiante do ex-presidente francês, Nicholas Sarkozy, acrescentou que com a saída para a Bélgica, deixaria de “pagar 85% de imposto sobre o rendimento”. Em contas feitas pelo próprio, afirma que pagou já 145 milhões de euros em impostos ao longo dos últimos 45 anos.