Efromovich, o predador de oportunidades
O milionário colombiano-brasileiro Germán Efromovich é um negociador exímio. Se há característica que lhe apontam, é o faro. Gosta de investir em empresas falidas e de comprar barato. No Brasil, ainda é lembrado pelo acidente com uma plataforma petrolífera, que provocou 11 vítimas mortais.
A primeira companhia de aviação em que investiu foi a Ocean Air (hoje Avianca Brasil), no final da década de 1990. O rastilho foi o pagamento de uma dívida. Em vez de dinheiro, entregaram-lhe um pequeno avião, com o qual começou a transportar os gestores da Marítima, uma das empresas que criou no sector petrolífero. Não tardou até que surgissem outros interessados em requisitar os seus serviços. À medida que o negócio ia crescendo, Efromovich foi-se enamorando pela indústria. No seu escritório de São Paulo, com vista para o aeroporto de Congonhas, tem hoje mais de 20 modelos de aviões expostos.
A compra da TAP joga bem com as ambições e perfil deste milionário, pela urgência que o Governo tem em vender, por causa dos compromissos assumidos com a troika, e pelo facto de a companhia de aviação portuguesa enfrentar sérias dificuldades financeiras. No primeiro semestre, os prejuízos subiram para 140 milhões de euros e a dívida ronda os 1,2 mil milhões.
“Gosto de negócios quebrados. Estou a exagerar um pouco, mas atrai-me comprar barato”, admitiu o empresário numa entrevista à publicação colombiana Cromos em 2011. Os que conhecem Efromovich garantem que é capaz de negociar ao cêntimo. “Ele é conhecido por comprar bom, bonito e barato”, disse à revista 2 um jornalista brasileiro, que não quis ser identificado. “É um negociador exímio, para o qual é preciso que haja um negociador à altura” do lado do Estado, acrescentou, também em anonimato, um empresário português.
TAP e Efromovich já se tinham cruzado antes, quando a Varig faliu e entraram na corrida para comprar o gigante brasileiro da aviação. Nenhum foi bem-sucedido, mas a transportadora portuguesa acabou por ficar com um braço do negócio: a VEM, empresa de manutenção de aviões que pertencia à Varig. Esta unidade, desde sempre deficitária, é agora uma peça crucial na privatização da companhia nacional. Ao contrário de muitos investidores e do próprio Estado português, o milionário colombiano-brasileiro tem interesse em ficar com a empresa, sendo já um dos seus maiores clientes.
Desde que se referiu à “noiva” TAP, em Bogotá, Efromovich, que não quis falar com a revista 2 por estar a decorrer o processo de privatização, foi-se rapidamente posicionando como o mais provável comprador da transportadora. “Ninguém tem grandes dúvidas de que será o vencedor da privatização. Mesmo ele tem consciência de que tem a melhor proposta”, disse um gestor português que mantém contacto com Efromovich desde o início do Verão, mas que também não quis ser identificado.
Com este negócio, o império que o milionário montou na aviação dá um gigantesco passo. Depois da estreia na Ocean Air, comprou a Avianca, uma companhia colombiana que estava na falência, em 2004. Fundiu-se com a Taca, de El Salvador, cinco anos mais tarde. Hoje, o grupo Avianca Taca, que engloba outra meia dúzia de companhias regionais e que é detido em 67% por Efromovich, gera receitas superiores a três mil milhões de euros e transporta mais de 20 milhões de passageiros por ano. Mas falta-lhe uma ponte para a Europa, onde ainda só tem duas paragens, em Madrid e Barcelona. E a TAP pode mostrar-lhe mais caminhos.
Por causa das normas comunitárias, que impedem que investidores de fora da Europa detenham mais de 49,9% da TAP, o empresário está na corrida à transportadora aérea através do Synergy Group, uma holding que serve de chapéu a todas as empresas que controla, e provavelmente em parceria com outros grupos europeus. O site do grupo de Efromovich está indisponível, e não é fácil descortinar em quantos negócios está envolvido, afinal. “Temporariamente fora do ar”, lê-se na mensagem escrita na página inicial do site. Sabe-se apenas que tem interesses tão vastos como o petróleo, o turismo e a agricultura.
A única certeza é que a aviação tem vindo a ganhar protagonismo no império de Efromovich, embora não tenha sido esse o tiro de partida. Muito longe disso.
Os pais, judeus, fugiram da Polónia para a Bolívia durante a II Guerra Mundial e foi lá que nasceu, em 1948. Chegou ao Brasil na adolescência e começou como vendedor de enciclopédias. “Há pessoas que dizem que seria capaz de vender gelo a um esquimó”, respondeu noutra entrevista. Fez legendagem, graças à fluência em espanhol e, mais tarde, formou-se em Engenharia Mecânica e abriu uma escola para adultos.
Era ele mesmo quem dava as aulas, perante uma plateia de apenas seis pessoas. Quando vendeu o projecto, a escola tinha 60 professores e 1500 alunos. Um deles, Lula da Silva, viria a tornar-se Presidente do Brasil e uma das suas relações mais próximas e poderosas. “É um homem com bons amigos, mas também tem uma boa dose de inimigos”, disse outro empresário português que o conheceu na Colômbia. Um dos mais reconhecidos, até pelo próprio Efromovich, é o milionário brasileiro Nélson Tanure. “Não tenho uma relação com esse senhor, não disputo nada com esse senhor e não conheço os negócios desse senhor. E também não o respeito”, disse acerca do rival.
Outro grande inimigo no percurso do empresário colombiano-brasileiro é a Petrobras. No final da década de 90, uma das empresas de Efromovich, a Marítima, começou a ganhar grande parte dos concursos lançados pelo grupo estatal brasileiro para construção e manutenção de plataformas de extracção de petróleo. Muitos questionaram os motivos que estariam por detrás desta ligação. A Marítima era, naquela altura, um negócio pequeno, que prometia cumprir contratos cujos prazos os restantes concorrentes garantiam ser irrealistas.
A rampa de lançamento que conseguiu ganhar com a Petrobras viria a tornar-se na maior mancha no percurso do milionário. A 15 de Março de 2001, a plataforma P-36, que tinha sido entregue à Marítima, registou duas explosões. Estavam 175 pessoas no local e 11 morreram. Seis dias depois do acidente, a infra-estrutura acabou por se afundar na Bacia de Campos (Rio de Janeiro), com 1500 toneladas de óleo a bordo.
As autoridades brasileiras concluíram que o acidente se ficou a dever a irregularidades no projecto e manutenção. E, em 2011, o Superior Tribunal de Justiça do Reino Unido, para o qual tinham recorrido após a condenação no Brasil, homologou as sentenças que condenaram a Marítima e a Petrobras pelo afundamento da P-36. Entre as duas empresas, as disputas judiciais prolongaram-se durante vários anos.
“No Brasil, Efromovich tem uma reputação mista. Não é amado como na Colômbia”, onde se naturalizou mais tarde fruto dos investimentos que fez no país, disse-nos uma jornalista de um dos principais diários brasileiros, que tem acompanhado o percurso do empresário. Além do caso da plataforma, a sua imagem tem sido minada por “promessas que nunca cumpre”. A jornalista, que preferiu manter-se no anonimato, conta que o milionário “estava sempre a exigir mais espaço no aeroporto de Congonhas para crescer, mas depois nada acontecia, não saía do lugar”.
Junto dos representantes dos trabalhadores, Efromovich também não é consensual em território brasileiro. Selma Balbino, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas e a única pessoa que aceitou ser identificada neste trabalho, afirmou que “é um dos que pagam pior no mercado” e “precariza a relação de trabalho”. A responsável foi mais longe, garantindo que o empresário é “anti-sindical” e que a antiga Ocean Air “é uma das empresas mais problemáticas” no sector da aviação.
Já em solo colombiano, onde hoje passa a maior parte do tempo, a opinião sobre Efromovich é diferente. “Muito do que ele conseguiu fazer com a Avianca foi à custa do envolvimento dos trabalhadores no projecto da empresa”, disse à revista 2 um gestor do país. O empresário tem sido elogiado ao mais alto nível. O antigo Presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, chegou a afirmar que “tem sido uma bênção contar com ele”, porque é “um exemplo a seguir pelas novas gerações”. Conta-se que foi Uribe quem lhe sugeriu a naturalização.
O milionário nunca escondeu as origens. “A minha família era pobre. Sempre tive de buscar o meu próprio dinheiro”, disse numa entrevista. Viveu cerca de um ano dentro de um contentor prefabricado, com os pais e um primo. Quando começou a negociar com clientes, ficava hospedado em hotéis baratos, onde por vezes lavava pratos, mas recebia-os de manhã no Sheraton ou no Hilton. “A minha grande riqueza é relacionar-me com pessoas”, afirmou.
Em Portugal, o milionário, casado e com três filhas, tem uma ligação próxima com o embaixador da Colômbia, Germán Santamaría Barragán. No processo de privatização da TAP, rodeou-se de um amigo de longa data, Vasco Duarte Silva, que lhe está a prestar assessoria financeira através da 3 angle capital. Para gerir a comunicação, contratou a agência de Paulo Fidalgo, antigo porta-voz do BCP. A venda da TAP deverá ser fechada muito em breve e a proposta não-vinculativa feita pela Synergy parece ser a mais atractiva para o Governo. Depois é só aplicar a fórmula que Efromovich garante dar sempre resultado: “Persistência, paixão e trabalho, trabalho, trabalho.”
Texto publicado na Revista 2 a 30 de Setembro de 2012
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A primeira companhia de aviação em que investiu foi a Ocean Air (hoje Avianca Brasil), no final da década de 1990. O rastilho foi o pagamento de uma dívida. Em vez de dinheiro, entregaram-lhe um pequeno avião, com o qual começou a transportar os gestores da Marítima, uma das empresas que criou no sector petrolífero. Não tardou até que surgissem outros interessados em requisitar os seus serviços. À medida que o negócio ia crescendo, Efromovich foi-se enamorando pela indústria. No seu escritório de São Paulo, com vista para o aeroporto de Congonhas, tem hoje mais de 20 modelos de aviões expostos.
A compra da TAP joga bem com as ambições e perfil deste milionário, pela urgência que o Governo tem em vender, por causa dos compromissos assumidos com a troika, e pelo facto de a companhia de aviação portuguesa enfrentar sérias dificuldades financeiras. No primeiro semestre, os prejuízos subiram para 140 milhões de euros e a dívida ronda os 1,2 mil milhões.
“Gosto de negócios quebrados. Estou a exagerar um pouco, mas atrai-me comprar barato”, admitiu o empresário numa entrevista à publicação colombiana Cromos em 2011. Os que conhecem Efromovich garantem que é capaz de negociar ao cêntimo. “Ele é conhecido por comprar bom, bonito e barato”, disse à revista 2 um jornalista brasileiro, que não quis ser identificado. “É um negociador exímio, para o qual é preciso que haja um negociador à altura” do lado do Estado, acrescentou, também em anonimato, um empresário português.
TAP e Efromovich já se tinham cruzado antes, quando a Varig faliu e entraram na corrida para comprar o gigante brasileiro da aviação. Nenhum foi bem-sucedido, mas a transportadora portuguesa acabou por ficar com um braço do negócio: a VEM, empresa de manutenção de aviões que pertencia à Varig. Esta unidade, desde sempre deficitária, é agora uma peça crucial na privatização da companhia nacional. Ao contrário de muitos investidores e do próprio Estado português, o milionário colombiano-brasileiro tem interesse em ficar com a empresa, sendo já um dos seus maiores clientes.
Desde que se referiu à “noiva” TAP, em Bogotá, Efromovich, que não quis falar com a revista 2 por estar a decorrer o processo de privatização, foi-se rapidamente posicionando como o mais provável comprador da transportadora. “Ninguém tem grandes dúvidas de que será o vencedor da privatização. Mesmo ele tem consciência de que tem a melhor proposta”, disse um gestor português que mantém contacto com Efromovich desde o início do Verão, mas que também não quis ser identificado.
Com este negócio, o império que o milionário montou na aviação dá um gigantesco passo. Depois da estreia na Ocean Air, comprou a Avianca, uma companhia colombiana que estava na falência, em 2004. Fundiu-se com a Taca, de El Salvador, cinco anos mais tarde. Hoje, o grupo Avianca Taca, que engloba outra meia dúzia de companhias regionais e que é detido em 67% por Efromovich, gera receitas superiores a três mil milhões de euros e transporta mais de 20 milhões de passageiros por ano. Mas falta-lhe uma ponte para a Europa, onde ainda só tem duas paragens, em Madrid e Barcelona. E a TAP pode mostrar-lhe mais caminhos.
Por causa das normas comunitárias, que impedem que investidores de fora da Europa detenham mais de 49,9% da TAP, o empresário está na corrida à transportadora aérea através do Synergy Group, uma holding que serve de chapéu a todas as empresas que controla, e provavelmente em parceria com outros grupos europeus. O site do grupo de Efromovich está indisponível, e não é fácil descortinar em quantos negócios está envolvido, afinal. “Temporariamente fora do ar”, lê-se na mensagem escrita na página inicial do site. Sabe-se apenas que tem interesses tão vastos como o petróleo, o turismo e a agricultura.
A única certeza é que a aviação tem vindo a ganhar protagonismo no império de Efromovich, embora não tenha sido esse o tiro de partida. Muito longe disso.
Os pais, judeus, fugiram da Polónia para a Bolívia durante a II Guerra Mundial e foi lá que nasceu, em 1948. Chegou ao Brasil na adolescência e começou como vendedor de enciclopédias. “Há pessoas que dizem que seria capaz de vender gelo a um esquimó”, respondeu noutra entrevista. Fez legendagem, graças à fluência em espanhol e, mais tarde, formou-se em Engenharia Mecânica e abriu uma escola para adultos.
Era ele mesmo quem dava as aulas, perante uma plateia de apenas seis pessoas. Quando vendeu o projecto, a escola tinha 60 professores e 1500 alunos. Um deles, Lula da Silva, viria a tornar-se Presidente do Brasil e uma das suas relações mais próximas e poderosas. “É um homem com bons amigos, mas também tem uma boa dose de inimigos”, disse outro empresário português que o conheceu na Colômbia. Um dos mais reconhecidos, até pelo próprio Efromovich, é o milionário brasileiro Nélson Tanure. “Não tenho uma relação com esse senhor, não disputo nada com esse senhor e não conheço os negócios desse senhor. E também não o respeito”, disse acerca do rival.
Outro grande inimigo no percurso do empresário colombiano-brasileiro é a Petrobras. No final da década de 90, uma das empresas de Efromovich, a Marítima, começou a ganhar grande parte dos concursos lançados pelo grupo estatal brasileiro para construção e manutenção de plataformas de extracção de petróleo. Muitos questionaram os motivos que estariam por detrás desta ligação. A Marítima era, naquela altura, um negócio pequeno, que prometia cumprir contratos cujos prazos os restantes concorrentes garantiam ser irrealistas.
A rampa de lançamento que conseguiu ganhar com a Petrobras viria a tornar-se na maior mancha no percurso do milionário. A 15 de Março de 2001, a plataforma P-36, que tinha sido entregue à Marítima, registou duas explosões. Estavam 175 pessoas no local e 11 morreram. Seis dias depois do acidente, a infra-estrutura acabou por se afundar na Bacia de Campos (Rio de Janeiro), com 1500 toneladas de óleo a bordo.
As autoridades brasileiras concluíram que o acidente se ficou a dever a irregularidades no projecto e manutenção. E, em 2011, o Superior Tribunal de Justiça do Reino Unido, para o qual tinham recorrido após a condenação no Brasil, homologou as sentenças que condenaram a Marítima e a Petrobras pelo afundamento da P-36. Entre as duas empresas, as disputas judiciais prolongaram-se durante vários anos.
“No Brasil, Efromovich tem uma reputação mista. Não é amado como na Colômbia”, onde se naturalizou mais tarde fruto dos investimentos que fez no país, disse-nos uma jornalista de um dos principais diários brasileiros, que tem acompanhado o percurso do empresário. Além do caso da plataforma, a sua imagem tem sido minada por “promessas que nunca cumpre”. A jornalista, que preferiu manter-se no anonimato, conta que o milionário “estava sempre a exigir mais espaço no aeroporto de Congonhas para crescer, mas depois nada acontecia, não saía do lugar”.
Junto dos representantes dos trabalhadores, Efromovich também não é consensual em território brasileiro. Selma Balbino, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas e a única pessoa que aceitou ser identificada neste trabalho, afirmou que “é um dos que pagam pior no mercado” e “precariza a relação de trabalho”. A responsável foi mais longe, garantindo que o empresário é “anti-sindical” e que a antiga Ocean Air “é uma das empresas mais problemáticas” no sector da aviação.
Já em solo colombiano, onde hoje passa a maior parte do tempo, a opinião sobre Efromovich é diferente. “Muito do que ele conseguiu fazer com a Avianca foi à custa do envolvimento dos trabalhadores no projecto da empresa”, disse à revista 2 um gestor do país. O empresário tem sido elogiado ao mais alto nível. O antigo Presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, chegou a afirmar que “tem sido uma bênção contar com ele”, porque é “um exemplo a seguir pelas novas gerações”. Conta-se que foi Uribe quem lhe sugeriu a naturalização.
O milionário nunca escondeu as origens. “A minha família era pobre. Sempre tive de buscar o meu próprio dinheiro”, disse numa entrevista. Viveu cerca de um ano dentro de um contentor prefabricado, com os pais e um primo. Quando começou a negociar com clientes, ficava hospedado em hotéis baratos, onde por vezes lavava pratos, mas recebia-os de manhã no Sheraton ou no Hilton. “A minha grande riqueza é relacionar-me com pessoas”, afirmou.
Em Portugal, o milionário, casado e com três filhas, tem uma ligação próxima com o embaixador da Colômbia, Germán Santamaría Barragán. No processo de privatização da TAP, rodeou-se de um amigo de longa data, Vasco Duarte Silva, que lhe está a prestar assessoria financeira através da 3 angle capital. Para gerir a comunicação, contratou a agência de Paulo Fidalgo, antigo porta-voz do BCP. A venda da TAP deverá ser fechada muito em breve e a proposta não-vinculativa feita pela Synergy parece ser a mais atractiva para o Governo. Depois é só aplicar a fórmula que Efromovich garante dar sempre resultado: “Persistência, paixão e trabalho, trabalho, trabalho.”
Texto publicado na Revista 2 a 30 de Setembro de 2012