Receitas de Jamie Oliver e Nigella têm mais calorias do que as dos supermercados

Vamos ficar menos saudáveis se seguirmos as receitas dos mais mediáticos chefs britânicos? Um estudo publicado no British Medical Journal diz que sim: há mais gordura e mais calorias nos pratos de Jamie e Nigella do que nas refeições pré-cozinhadas.

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As receitas de Nigella têm muitas calorias, segundo o estudo Rui Gaudêncio

Uma refeição já pronta, comprada num supermercado e aquecida em casa no microondas, de acordo com este estudo, não respeita as recomendações da Organização Mundial de Saúde – mas, mesmo assim, tem menos calorias, gordura e gorduras saturadas (e mais fibras) do que os pratos de aparência deliciosa que Jamie e Nigella ensinam a fazer.

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Uma refeição já pronta, comprada num supermercado e aquecida em casa no microondas, de acordo com este estudo, não respeita as recomendações da Organização Mundial de Saúde – mas, mesmo assim, tem menos calorias, gordura e gorduras saturadas (e mais fibras) do que os pratos de aparência deliciosa que Jamie e Nigella ensinam a fazer.

Os responsáveis pelo estudo, Simon Howard, Jean Adams e Martin White, todos especialistas em saúde pública da Universidade de Newcastle, compararam 100 receitas dos cinco livros de cozinha mais vendidos no Reino Unido da autoria de chefs famosos (incluindo também Hugh Fearnley-Whittingstall e Lorraine Pascale) e 100 refeições prontas a comer de três das quatro grandes cadeias de distribuição britânicas: a Tesco (que detém 30,6% do mercado), a Asda (16,9%) e a Sainsbury (15,7%).

Alguns exemplos, citados pelo Guardian: no livro Refeições em 30 Minutos, Jamie Oliver apresenta uma receita de sanduíche de almôndegas com pickles de couve e salada que tem cerca de mil calorias. No Ministério da Comida propõe uma pasta com bacon fumado cremoso e molho de ervilhas que tem 125 gramas de gordura e 63 gramas de gordura saturada. Por seu lado, o prato mais calórico dos comprados no supermercado é a galinha tikka masala com arroz pilau, que corresponde a 870 calorias.

Azeite melhor do que manteiga
É preciso alguma atenção à leitura destes dados, diz Pedro Graça, director do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde. Em primeiro lugar, há a metodologia usada. O conteúdo nutricional foi calculado tendo como base os ingredientes crus. O ideal, para Pedro Graça, seria pegar numa porção de cada uma das refeições, triturá-la e analisar o conteúdo. “A análise foi feita ingrediente a ingrediente e isso tem muitos riscos. Além disso, os produtos cozinhados e em cru são muito diferentes”.

Uma refeição pode ter um nível de gordura relativamente elevado, mas pode ser gordura de grande qualidade. E é preciso ter em conta o procedimento culinário utilizado, explica. O azeite, por exemplo, degrada-se pouco com a temperatura, enquanto outro tipo de gordura se degrada mais e “isso não é visível na receita inicial”.

Os resultados levam Pedro Graça a concluir também que há uma variação maior nas refeições feitas pelos chefs, o que significa que tanto se pode encontrar uma muito equilibrada como uma pouco equilibrada, enquanto as de supermercado são muito semelhantes entre si. Além disso, sublinha, não foram incluídos na análise os micronutrientes (vitaminas e minerais), que, em princípio, deverão ser mais preservados quando se cozinha em casa do que numa refeição industrial, nem foram avaliados os níveis de conservantes, que poderão surgir mais facilmente numa refeição pré-cozinhada.

Isabel do Carmo, especialista em endocrinologia, alerta para o facto de que quando os portugueses recorrem a receitas de países do Norte da Europa (e não está a referir-se ao Reino Unido) têm de ter em conta que, sendo climas mais frios, utilizam mais gordura na confecção, e esses níveis não estão adaptados ao nosso clima. Quanto ao Reino Unido, lembra que “é dos países com mais obesidade da Europa”. O que se tem verificado em Portugal, sobretudo na última geração, é uma tendência para se usar, por exemplo, menos carne, mas mais natas ou azeite (ou parmesão, como Jamie Oliver tanto gosta). “Claro que o azeite é melhor do que a manteiga, mas não é nenhum medicamento”, avisa.  

Ementas saudáveis
Os resultados do estudo são particularmente embaraçosos para Jamie Oliver, que tem sido o grande promotor de uma “revolução alimentar” com a qual pretende alterar os hábitos de alimentação dos britânicos (e também dos americanos, já que a campanha se alargou, entretanto, aos EUA), e que passou já pela introdução de ementas saudáveis nas escolas britânicas. O combate à obesidade, sobretudo entre as crianças e os jovens, é um dos grandes objectivos de Jamie, que defende que, para se alimentarem melhor, as pessoas devem aprender a cozinhar e comer mais em casa.

Nos seus programas televisivos mostrou uma geração que não sabe cozinhar e que alimenta os filhos com junk food. Para os ajudar, Jamie criou uma série de receitas, que estão disponíveis no seu site, entre as quais “alguns clássicos americanos que foram adaptados para se reduzir o sal, a gordura e o total de calorias, sem perderem o sabor”.

Numa entrevista ao PÚBLICO em 2008, pouco depois de ter lançado o seu programa Ministério da Comida, explicava que os britânicos sofrem de obesidade por não saberem cozinhar. O problema, argumentava Jamie, não é a falta de dinheiro, mas a falta de conhecimento. O que os investigadores agora vêm dizer é que este defensor de uma alimentação saudável nos tem ensinado a fazer pratos muito pouco saudáveis.

O caso de Nigella é, apesar de tudo, diferente. Leia-se a contracapa do seu mais recente livro editado em Portugal pela Civilização, Prazeres Divinos – Comida reconfortante feita no seu forno: “Este livro de culinária animador e delicioso mostra-lhe que não é difícil fazer um tabuleiro de muffins ou um bolo recheado – mas é muito compensador.” Não há uma palavra sobre dietas. Aliás, um dos grandes trunfos dos programas de Nigella é a apologia dos “prazeres secretos” – basta pensar no assalto nocturno ao frigorífico que ela faz habitualmente no final do programa para, lambendo os dedos, comer as sobras.

O tema é preocupante no Reino Unido. Não é por acaso que o estudo é realizado por especialistas em saúde pública – calcula-se, lembra o The Guardian, que, em 2020, 70% dos adultos britânicos e americanos tenham excesso de peso, e doenças com ele relacionadas, dos diabetes aos problemas cardíacos ou ao cancro. Daí que sejam importantes as mensagens difundidas por líderes de opinião com programas televisivos em horário nobre como Nigella e Jamie Oliver.

Os autores do estudo admitem mesmo a possibilidade de os programas dos chefs passarem a ser transmitidos a uma hora mais tardia, argumentando que é o que se defende para a publicidade a alimentos poucos saudáveis, evitando-se assim que as crianças sejam expostas a imagens de comidas altamente calóricas.

“O nosso objectivo não é atacar os chefs”, disse ao Guardian Martin White, um dos autores do estudo. O que esperam é que estas conclusões levem estes líderes de opinião a reavaliar o valor nutricional das receitas que apresentam. Os representantes de Jamie Oliver responderam ao mesmo jornal que consideram “importante qualquer pesquisa que permita o debate sobre estas questões”, e declararam que o novo livro de Jamie, Refeições em 15 Minutos, inclui já informação sobre as calorias de cada prato, e o mesmo deverá acontecer em todos os seus futuros livros, assim como no site, que será relançado com informação sobre o conteúdo calórico de cada receita.