Administração da Casa da Música demite-se em bloco
Protesto contra cortes orçamentais anunciados pelo secretário de Estado da Cultura.
Em comunicado, o conselho de administração escreveu esta terça-feira não estarem reunidas as condições “que, até hoje, garantiram o sucesso da fundação”.
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Em comunicado, o conselho de administração escreveu esta terça-feira não estarem reunidas as condições “que, até hoje, garantiram o sucesso da fundação”.
“Em primeiro lugar, porque o Estado se revelou incapaz de reconhecer que não só existe um acordo fundacional, como também que, já em Abril deste ano, em sede de conselho de fundadores, se chegou a um novo acordo para, face à actual conjuntura, acomodar uma redução não prevista e suplementar de 20% sobre o financiamento inicialmente assegurado de dez milhões de euros”, explicam os responsáveis.
O conselho de administração mantém-se, no entanto, em funções até à designação dos novos membros, que acontecerá na "próxima reunião de Conselho de Fundadores, a ter lugar, nos termos estatutários, no próximo mês de Março de 2013".
Ao PÚBLICO, o gabinete do secretário de Estado da Cultura reagiu, lamentando a decisão da administração. "Manifestamos o nosso empenho na continuação do projecto da Casa da Música”, acrescentou.
O conselho de administração, que foi reconduzido pelo Conselho de Fundadores da Casa da Música (quase) integralmente em Abril deste ano para o triénio 2012/2014, era constituído por Maria Amélia Cupertino de Miranda, Rui Amorim de Sousa (vice-presidentes não executivos), Nuno Azevedo (administrador-delegado), José Luís Borges Coelho e Cristina Amorim de Sousa (vogais não executivos). Nessa altura, o conselho de fundadores alegou que a estabilidade da Casa da Música, num momento de crise, passava pela manutenção do actual conselho de administração.
Esta terça-feira, na sequência da demissão, os fundadores emitiram também um comunicado em que explicam terem tomado "conhecimento com mágoa da renúncia" dos administradores, "motivada pelo incumprimento das perspectivas que lhe foram criadas para o exercício da sua actividade".
Cenário de redução
Na prática, a verba atribuída anualmente pelo Estado à Casa da Música, segundo o acordo firmado em 2006, é de dez milhões de euros. Com o corte de 20% acordado com Francisco José Viegas, anterior secretário de Estado da Cultura, a tranche estatal para 2012 (e para 2013) corresponderia a oito milhões de euros. Mas o novo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, já avançara que o Orçamento do Estado para 2013 previa que a Casa da Música fosse abrangida pelo corte de 30% nos apoios do Estado às fundações, o que implica a perda de mais um milhão de euros para a instituição portuense. E a 30 de Novembro, Barreto Xavier reuniu-se com o conselho de fundadores da Casa da Música para reiterar a intenção de operar este mesmo corte. "Para surpresa nossa, ele veio dizer que não havia acordo nenhum! E que o corte para este ano e o próximo era de 30%, inegociáveis", disse na semana passada à Visão o administrador-delegado da Fundação, Nuno Azevedo.
Perante este cenário de uma redução adicional de um milhão de euros para 2012 e 2013, Nuno Azevedo, disse na mesma entrevista que com uma dotação estatal de sete milhões de euros a Casa da Música poderia continuar a funcionar ao "recorrer aos fundos da Fundação, para financiar o incumprimento [do Estado] em 2012 e em 2013. Mas seria altamente prejudicial, porque os fundos ficariam quase esgotados”.
O conselho de fundadores, presidido por Luís Valente de Oliveira, reuniu-se esta terça-feira para aprovar o Plano de Actividades de 2013 e o plano estratégico a três anos da instituição. Mas como fez saber o organismo esta terça-feira em comunicado, "diante da confirmação pelo secretário de Estado da Cultura actual, de um quadro diferente em um milhão de euros daquele que tinha sido definido em Abril passado pelo secretário de Estado anterior, o Conselho de Fundadores, dada a impossibilidade de alterar o Plano de Actividades para 2013, deu parecer favorável à proposta de mobilizar fundos disponíveis para o cabal cumprimento do referido Plano" – ou seja, aprovou o plano de actividades mas não pôde tomar decisões quanto ao outro plano 2013/2015 para a Fundação Casa da Música.
Sobre a decisão de manter o corte de 30%, o conselho de administração lembra ainda o recente Censo às Fundações, no qual a Casa da Música foi avaliada negativamente. “Ou seja, o Estado, não satisfeito com uma redução de 50% na despesa que tem actualmente com a Casa da Música e Orquestra Sinfónica, por comparação com o ano 2005, insiste na inevitabilidade de uma redução suplementar que vai para além do que é economicamente sustentável, refugiando-se neste incidente administrativo e legal para justificar o incumprimento do acordo de Abril deste ano, quer em relação ao valor do financiamento para o exercício 2012, que agora termina, quer em relação a 2013, e, mesmo, para os anos futuros.”
“Em terceiro lugar e por último, o Estado deu a entender, na reunião do Conselho de Fundadores no final do mês passado, que o Conselho de Administração não teria sido prudente em avançar com a execução do plano de actividades em 2012 e com a preparação do ano de 2013 apenas com base na palavra do anterior Secretário de Estado da Cultura, mesmo tendo sido proferida em sede de Conselho de Fundadores”, conclui a nota dos administradores.
A Casa da Música apresentou a 21 de Novembro a sua programação para 2013 (que tem um peso de 60% no orçamento da temporada do próximo ano) num cenário em que o corte orçamental acordado em Abril entre a Secretaria de Estado da Cultura e o Conselho de Fundadores era de 20% (regime também aplicado ao Centro Cultural de Belém) e em que não existia “nenhuma indicação” de que o corte seria superior, segundo o administrador-delegado da Fundação, Nuno Azevedo. Sendo que a programação foi pensada em função das restrições orçamentais, Nuno Azevedo garantiu na altura que qualquer alteração que pudesse ser anunciada não colocaria em causa a programação delineada.
Em 2011, o orçamento geral da Casa da Música foi de 15,4 milhões de euros, para os quais concorrem receitas de bilheteira ou dotações de mecenas e 8,5 milhões de euros do Estado, nesse ano.