A história de Argo aconteceu mesmo
As pessoas dão palpites e querem ajudar os outros a gerir as suas vidas – pelos vistos, os países fazem a mesma coisa
A frase mais importante sobre este filme é “based on a true story”. Esta é a premissa que dá nova cor a "Argo", mantendo no público um interesse curioso.
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A frase mais importante sobre este filme é “based on a true story”. Esta é a premissa que dá nova cor a "Argo", mantendo no público um interesse curioso.
O filme retrata a louca tentativa da organização CIA de salvar um grupo de seis diplomatas americanos que ficou preso em Teerão, no Irão, no meio de um mega conflito político: fingir que eles são uma produtora canadiana que vai gravar um filme e que precisa de um local para o fazer. O plano passa por Ben Affleck entrar no país sozinho e sair com os outros seis, enganando centenas de milícias armadas e sedentas de retaliação contra os Estados Unidos.
Além de alguns momentos em que ficamos expectantes, uns apontamentos de comédia e a sensação de que nos estão a deixar espreitar um segredo até agora guardado nos x-files, o filme faz, mais que tudo, pensar no que significa servir um país, no que é sentido de responsabilidade e, sobretudo, sobre as relações diplomáticas entre países.
Mas do princípio: as primeiras imagens do filme são de contexto e a narradora explica a situação política do Irão, apontando também as intervenções dos Estados Unidos na mesma. Logo desde esse momento, o espectador não pode deixar de se sentir no meio de uma discussão. O discurso da narradora é claramente enviesado para a culpa dos EUA mas, ao longo do filme, é transmitida a ideia de que eles são os bons da fita. Muitas vezes, em situações diplomáticas e em filmes que retratam situações diplomáticas complicadas, é difícil sentir que não temos de escolher um dos lados. Exactamente como nas nossas pequenas disputas pessoais. Alguém teve sempre culpa ou alguém é que começou e o outro teve de responder. As pessoas dão palpites e querem ajudar os outros a gerir as suas vidas – pelos vistos, os países fazem a mesma coisa.
Ben Affleck, como realizador, optou por imagens exactamente iguais às imagens recuperadas da altura em Teerão – algumas delas chocantes, como um homem enforcado numa grua no meio da cidade – e, simultaneamente, optou por mostrar diálogos entre operativos da CIA que mostram excesso de burocracia e fundamentalismo na organização. Existe um constante debate entre os dois países que acaba por fazer sobressair o romantismo do papel que Tony Mendez teve no resgate.
E isto leva-me ao segundo ponto de que falava há pouco: quem é que, na sua perfeita consciência e com um filho em casa, se mete numa missão suicida para salvar seis estranhos? O que é, então, este sentido de responsabilidade, este dever de servir o seu país e os seus compatriotas que Tony Mendez sentiu na altura e que o levou a ir numa missão com zero probabilidade de sucesso, sabendo que a pena em caso de falhanço era a morte imediata? É uma visão romântica – mas reiterando: real! – da nobreza de espírito e da vontade de fazer aquilo que está certo. Mais uma vez, o que aqui faz a diferença é o filme ser baseado numa história real visto que, se não fosse, esta seria apenas uma visão idealista do herói que vem salvar os indefesos.
Na minha opinião, o momento alto do filme dá-se quando os sete membros da suposta equipa de produção estão no aeroporto, no último controlo antes de entrarem no avião e são levados para uma sala de interrogatório. Têm, então, de explicar que são uma produtora e que vão fazer um filme chamado "Argo". É neste ponto que a encenação e a realidade colidem num explosivo momento em iraniano (sem legendas!) de explicação teatral do filme. As barreiras entre os dois lados parecem desvanecer por uns momentos e é aí que quem está no cinema fica mesmo esperançoso que eles consigam.
Adicionalmente, "Argo" vai deixar um gostinho de saudades em quem tiver vivido nos anos 70. As roupas, os óculos, os penteados, os telefones e tudo muito "Saturday Night Fever" vão despoletar na plateia os clássicos comentários “lembro-me tão bem disto!” e “eu tinha uns iguaizinhos!” que marcam, invariavelmente, um filme como sendo mais próximo e mais deles do que os outros, porque têm aquelas coisas que nós não vivemos.