Ex-provedora da Casa Pia diz que há outros casos de padres pedófilos
A população do Fundão e a hierarquia da Igreja Católica acordaram ontem surpreendidas e abaladas com a notícia da detenção, pela Polícia Judiciária (PJ), do vice-reitor do Seminário Menor local, um padre de 36 anos e professor de Educação Moral e Religiosa. Depois de alguns alunos alojados no seminário se terem queixado de abusos sexuais aos pais, estes decidiram denunciar o caso à polícia. Ouvido no Tribunal do Fundão, o sacerdote acabou por ficar em prisão domiciliária, um caso sem paralelo segundo os responsáveis da Conferência Episcopal Portuguesa.
"Isto caiu que nem uma bomba, principalmente aqui num meio mais pequeno", comentava ontem Nuno Maia, proprietário de um café que fica a cerca de um quilómetro do seminário. Localizada às portas da cidade, a instituição, que acolhe 16 rapazes entre os 11 e os 18 anos, é uma referência para quem ali vive. António Boavida disse ter ficado "arrasado" com o que ouviu. "Nem estou em mim. Conheço o padre, toca muito bem órgão e sempre foi uma pessoa gentil", desabafou. Destacando a personalidade "formidável" do sacerdote, admitiu ter "pena" que ele esteja envolvido em algo "tão estranho como o que se conta".
Apesar de se mostrar surpreso com a notícia, José Farinha, outro habitante do Fundão, disse-se menos incrédulo. "Admira-me que não tenham falado nada quando se começou a descobrir coisas sobre a Casa Pia. É um tema que tem vindo a assombrar a Igreja", comentou.
Natural de São Romão, uma aldeia do concelho de Seia, o suspeito foi ordenado padre em 2011, mas antes disso já colaborava com várias paróquias e chegou a dar aulas em escolas primárias. Foi ainda animador de grupos de jovens, ensaiador de coros e organista. Começou por ser colocado na paróquia de Celorico da Beira, mais tarde foi destacado para a equipa educadora do seminário do Fundão e desde há quatro anos era ele quem acompanhava os jovens até ao colégio que frequentavam em Tortosendo (Covilhã), onde dava aulas de Educação Moral e Religiosa Católica. Desde Setembro vice-reitor do seminário, continuava a ser professor e ainda era o orientador do pré-seminário da diocese da Guarda.
A diocese reagiu com a máxima rapidez, mostrando abertura para colaborar com a polícia. "O bispo da diocese deu imediatamente ordem para que fossem abertas as portas do seminário aos agentes da investigação que se apresentassem devidamente identificados e que se desse toda a colaboração para a máxima objectividade para a investigação", esclareceu a instituição, em comunicado.
A PJ apreendeu vários objectos, nomeadamente o computador pessoal, na residência do padre que está acusado de "vários crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes sobre os quais detinha funções de educação e protecção".
Foi um grupo restrito de alunos que decidiu avançar e apresentar uma queixa em conjunto na PJ da Guarda na quarta-feira. Alguns iam acompanhados dos pais. Estarão em causa actos sexuais com os menores, não havendo relatos de eventuais violações.
Será mesmo caso único?
Há quatro anos secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), Manuel Morujão garante que neste período nunca chegou ao seu conhecimento qualquer queixa de pedofilia. Neste caso em concreto, para além da investigação judicial, de acordo com regras que este ano entraram em vigor, o padre será objecto de um procedimento canónico e poderá, em última instância, ser "exonerado do estado sacerdotal". De resto, comenta o secretário da CEP, ele é "um cidadão como outro qualquer". Acresce que a Igreja não é obrigada a comunicar eventuais suspeitas à polícia.
Pouco surpreendidos com a notícia, o psiquiatra Álvaro Carvalho e a ex-provedora da Casa Pia de Lisboa Catalina Pestana, da Rede de Cuidadores (associação criada após o escândalo Casa Pia para apoiar crianças e jovens vítimas de abuso), lembram que avisaram a hierarquia da Igreja para este problema, há mais de um ano. Chegaram a enviar uma carta, depois de o actual cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, ter dado uma entrevista a um diário em que dizia não ter conhecimento de qualquer caso desta índole que envolvesse sacerdotes da diocese da capital. "Sei que há casos de pedofilia, só na diocese de Lisboa conheço cinco, e tinha-lhe dito a ele pessoalmente o que sabia", garantiu ontem ao PÚBLICO Catalina Pestana, indignada com o facto de ainda haver seminários para menores no país. "Todos os abusos em massa [no âmbito da Igreja Católica] aconteceram em colégios de freiras ou em seminários. Basta ler a Manhã Submersa de Vergílio Ferreira, que tem como cenário o seminário do Fundão." Mas por que não denunciam então os casos? "Não somos da polícia", retorque Catalina Pestana, que teve uma reunião formal no ano passado com Manuel Morujão e o anterior presidente da CEP D. Jorge Ortiga, para debater este problema. Mas o que acontece aos padres? "São transferidos de sítio", responde Catalina, destacando que há bispos, como o do Porto e, ao que parece agora, este bispo da Guarda, que assumem um comportamento diferente e são "exemplares". Resolvem as coisas de uma forma discreta, enviam os casos para a polícia ou arranjam uma solução em que os sacerdotes não tenham contacto com crianças. O que Catalina Pestana não aceita é que outros se limitem transferir os padres para outros locais. Por isso ela e Álvaro Carvalho vão voltar a escrever uma carta à CEP em breve.
No início deste ano, em entrevista à Antena 1, o antigo arcebispo de Braga D. Eurico Dias Nogueira admitiu que a a Igreja "esteve demasiado tempo calada" sobre casos de pedofilia.
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A população do Fundão e a hierarquia da Igreja Católica acordaram ontem surpreendidas e abaladas com a notícia da detenção, pela Polícia Judiciária (PJ), do vice-reitor do Seminário Menor local, um padre de 36 anos e professor de Educação Moral e Religiosa. Depois de alguns alunos alojados no seminário se terem queixado de abusos sexuais aos pais, estes decidiram denunciar o caso à polícia. Ouvido no Tribunal do Fundão, o sacerdote acabou por ficar em prisão domiciliária, um caso sem paralelo segundo os responsáveis da Conferência Episcopal Portuguesa.
"Isto caiu que nem uma bomba, principalmente aqui num meio mais pequeno", comentava ontem Nuno Maia, proprietário de um café que fica a cerca de um quilómetro do seminário. Localizada às portas da cidade, a instituição, que acolhe 16 rapazes entre os 11 e os 18 anos, é uma referência para quem ali vive. António Boavida disse ter ficado "arrasado" com o que ouviu. "Nem estou em mim. Conheço o padre, toca muito bem órgão e sempre foi uma pessoa gentil", desabafou. Destacando a personalidade "formidável" do sacerdote, admitiu ter "pena" que ele esteja envolvido em algo "tão estranho como o que se conta".
Apesar de se mostrar surpreso com a notícia, José Farinha, outro habitante do Fundão, disse-se menos incrédulo. "Admira-me que não tenham falado nada quando se começou a descobrir coisas sobre a Casa Pia. É um tema que tem vindo a assombrar a Igreja", comentou.
Natural de São Romão, uma aldeia do concelho de Seia, o suspeito foi ordenado padre em 2011, mas antes disso já colaborava com várias paróquias e chegou a dar aulas em escolas primárias. Foi ainda animador de grupos de jovens, ensaiador de coros e organista. Começou por ser colocado na paróquia de Celorico da Beira, mais tarde foi destacado para a equipa educadora do seminário do Fundão e desde há quatro anos era ele quem acompanhava os jovens até ao colégio que frequentavam em Tortosendo (Covilhã), onde dava aulas de Educação Moral e Religiosa Católica. Desde Setembro vice-reitor do seminário, continuava a ser professor e ainda era o orientador do pré-seminário da diocese da Guarda.
A diocese reagiu com a máxima rapidez, mostrando abertura para colaborar com a polícia. "O bispo da diocese deu imediatamente ordem para que fossem abertas as portas do seminário aos agentes da investigação que se apresentassem devidamente identificados e que se desse toda a colaboração para a máxima objectividade para a investigação", esclareceu a instituição, em comunicado.
A PJ apreendeu vários objectos, nomeadamente o computador pessoal, na residência do padre que está acusado de "vários crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes sobre os quais detinha funções de educação e protecção".
Foi um grupo restrito de alunos que decidiu avançar e apresentar uma queixa em conjunto na PJ da Guarda na quarta-feira. Alguns iam acompanhados dos pais. Estarão em causa actos sexuais com os menores, não havendo relatos de eventuais violações.
Será mesmo caso único?
Há quatro anos secretário e porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), Manuel Morujão garante que neste período nunca chegou ao seu conhecimento qualquer queixa de pedofilia. Neste caso em concreto, para além da investigação judicial, de acordo com regras que este ano entraram em vigor, o padre será objecto de um procedimento canónico e poderá, em última instância, ser "exonerado do estado sacerdotal". De resto, comenta o secretário da CEP, ele é "um cidadão como outro qualquer". Acresce que a Igreja não é obrigada a comunicar eventuais suspeitas à polícia.
Pouco surpreendidos com a notícia, o psiquiatra Álvaro Carvalho e a ex-provedora da Casa Pia de Lisboa Catalina Pestana, da Rede de Cuidadores (associação criada após o escândalo Casa Pia para apoiar crianças e jovens vítimas de abuso), lembram que avisaram a hierarquia da Igreja para este problema, há mais de um ano. Chegaram a enviar uma carta, depois de o actual cardeal-patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, ter dado uma entrevista a um diário em que dizia não ter conhecimento de qualquer caso desta índole que envolvesse sacerdotes da diocese da capital. "Sei que há casos de pedofilia, só na diocese de Lisboa conheço cinco, e tinha-lhe dito a ele pessoalmente o que sabia", garantiu ontem ao PÚBLICO Catalina Pestana, indignada com o facto de ainda haver seminários para menores no país. "Todos os abusos em massa [no âmbito da Igreja Católica] aconteceram em colégios de freiras ou em seminários. Basta ler a Manhã Submersa de Vergílio Ferreira, que tem como cenário o seminário do Fundão." Mas por que não denunciam então os casos? "Não somos da polícia", retorque Catalina Pestana, que teve uma reunião formal no ano passado com Manuel Morujão e o anterior presidente da CEP D. Jorge Ortiga, para debater este problema. Mas o que acontece aos padres? "São transferidos de sítio", responde Catalina, destacando que há bispos, como o do Porto e, ao que parece agora, este bispo da Guarda, que assumem um comportamento diferente e são "exemplares". Resolvem as coisas de uma forma discreta, enviam os casos para a polícia ou arranjam uma solução em que os sacerdotes não tenham contacto com crianças. O que Catalina Pestana não aceita é que outros se limitem transferir os padres para outros locais. Por isso ela e Álvaro Carvalho vão voltar a escrever uma carta à CEP em breve.
No início deste ano, em entrevista à Antena 1, o antigo arcebispo de Braga D. Eurico Dias Nogueira admitiu que a a Igreja "esteve demasiado tempo calada" sobre casos de pedofilia.