Em Lisboa há um parque agrícola só para deficientes
Os talhões de terra estão ao nível da cintura para que possam ser trabalhados por pessoas em cadeiras de rodas. Quanto aos canteiros têm uma largura estreita a pensar nos braços de quem tem mobilidade reduzida.
Agora planta alfaces, couves, tomates e outros produtos na primeira horta adaptada a pessoas portadoras de deficiência da Alta de Lisboa. “Na minha zona não há nada que seja acessível, esta é a primeira que eu conheço”.
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Agora planta alfaces, couves, tomates e outros produtos na primeira horta adaptada a pessoas portadoras de deficiência da Alta de Lisboa. “Na minha zona não há nada que seja acessível, esta é a primeira que eu conheço”.
Inaugurada em Maio pela Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (AVAAL), a horta tem como objectivo “garantir que cidadãos com menor mobilidade possam ter acesso às mesmas actividades que os [cidadãos] com mobilidade normal”. “Quer seja para os cidadãos sem dificuldades de mobilidade, quer seja para os cidadãos com mais dificuldade de mobilidade ou outras limitações, o gosto pela produção dos seus próprios alimentos, o gosto do contacto com as plantas e a terra, o gosto de sentir ligado ao ciclo da natureza são fundamentais”, defende Jorge Cancela, presidente da associação promotora do futuro Parque Agrícola da Alta de Lisboa, onde já se integra a horta acessível e que deverá estar terminado “em meados de 2013”. “Sempre quisemos que [o parque agrícola] fosse para todos”.
O terreno do parque agrícola, com cerca de 17 mil metros quadrados, situado na Quinta dos Cântaros, foi cedido pelo município à associação através de um protocolo assinado em Dezembro de 2011, por uma quantia simbólica anual de 427 euros. Por um período de seis anos, renovável, a AVAAL compromete-se a utilizá-lo para promover a sensibilização e educação ambiental, a dinamização social daquela comunidade e a produção alimentar.
Concebida para cidadãos portadores de deficiência física ou mental, a horta tem talhões elevados ao nível da cintura, de modo a puder ser trabalhada tanto em pé como por pessoas em cadeiras de rodas. Além disso, os canteiros têm uma largura estreita, que não ultrapassa “o tamanho dos braços” e permite “trabalhar lateralmente” a terra, explica Jorge Cancela. Já os corredores são largos, onde cabem duas cadeiras de rodas lado a lado, e há guias no chão para auxiliar os invisuais. Numa ponta existem ainda canteiros mais baixos, para as crianças.
Actualmente a horta tem quatro utilizadores, três adultos e uma criança. Mas “outros quatro estão a chegar”, avança o responsável, referindo que o limite será “entre oito a 12 pessoas” e “eventualmente quatro crianças”. Dinis Almeida confessa que “é um bocado raro” encontrar as outras duas horticultoras inscritas e “gostava que houvesse mais pessoas”. “Quanto mais pessoas houver melhor, até mais para o convívio [e] porque depois podemos trocar os produtos”.
Mesmo que muitas vezes não tenha a companhia de outros horticultores, Dinis Almeida “gosta de estar” na horta, “ver as plantas” e o ciclo de crescimento e amadurecimento dos frutos, “mexer na terra e depois comer as coisas” que cultiva. “Até ofereço às outras pessoas e digo ‘isto fui eu que plantei’”. Também Célia Gaspar, com paralisia cerebral, “adora isto”, conta Cristina Morais, coordenadora dos projectos da AVAAL. “Às vezes já não tem nada para plantar nem para regar e está só aqui picando a terra”.
Projecto está a ser bem acolhido pela comunidade
Dinis Almeida costuma ir acompanhado da mulher ou de um dos irmãos, que o ajudam nas várias tarefas agrícolas, e até já levou primos e sobrinhos. “Um dia juntámos aqui oito pessoas”. Quando não podem ir acompanhados de familiares ou de amigos, Cristina Morais vai dar uma ajuda. “Trago as plantas, ajudo-os a remexer a terra, que por vezes não têm força suficiente, ajudo a regar, a carregar a água”.
O espaço está equipado com dois armazenadores de água, um contentor para a compostagem e um abrigo em madeira onde são guardadas as ferramentas e os materiais. No início houve uma casa de banho para deficientes, mas como “não era usada” e “custava algum dinheiro” foi retirada. Só quando o parque agrícola estiver concluído é que “haverá todo esse tipo de apoio em situação permanente”, adiantou o presidente da AVAAL.
A utilização da horta tem um custo de cinco euros por mês por cada dois metros de talhão e os utilizadores têm de se fazer sócios da AVAAL (não tem um valor de quota fixo). A água e a maioria das plantas são fornecidas pela associação, mas o transporte é neste momento assegurado pelos utentes. “Os transportes públicos aqui não são fáceis e portanto [os atuais utilizadores] são pessoas que têm já os seus meios de locomoção própria”, afirma Jorge Cancela.
“Nós sentimos que algumas pessoas que gostavam se calhar de utilizar este espaço não têm forma autónoma de cá chegar”, admite. Mas mesmo entre os atuais utilizadores, há também quem vá menos à horta por indisponibilidade da família. “A Madalena Brandão está em cadeiras de rodas e é a que vem menos vezes porque precisa de acompanhamento para sair do carro”, conta Cristina Morais. Contudo, a AVAAL já fez “uma candidatura para, com outras associações, pudermos ter um veículo adaptado para pudermos ter um meio de irmos buscar essas pessoas”, avançou o responsável da associação, adiantando que o resultado da candidatura deverá ser conhecido dentro de um mês.
Sendo um colectivo de cidadãos e sem fontes de rendimento, a AVAAL vive de apoios, donativos e de candidaturas a programas de financiamento. Grande parte da verba para a construção da horta acessível veio do Programa EDP Solidária 2011 e do projecto Entre Gerações da Fundação Calouste Gulbenkian. “O resto tem vindo de apoio de empresas, de um grande envolvimento de cidadãos e de voluntários”.
O projecto, dizem os elementos da associação, está a ser bem acolhido pela comunidade envolvente. “Nós tínhamos um certo receio de que, estando este espaço sempre aberto, que pudesse haver algum vandalismo”, confessa Jorge Cancela. Mas as pessoas “adoptaram muito bem a horta acessível, então sabemos de muitos casos em que as pessoas vêm aqui sem lhes pedirem nada, vêm regar, no outro dia vieram aqui arrancar as folhas secas”, conta Cristina Morais. “É muito curioso esta dimensão num bairro que se diz que é complicado, onde este espaço está completamente disponível, qualquer pessoa pode cá entrar, e ninguém mexe. Julgo que é um bom indicador de aceitação que a comunidade acaba por dar a este espaço”, conclui Jorge Cancela.
Notícia actualizada com informação sobre cedência do terreno por parte da Câmara de Lisboa