Idosos são vítimas de fraudes porque o seu "alarme cerebral" não dispara

Quando envelhecemos, deixamos de prestar atenção aos sinais manifestos da desonestidade alheia e tornamo-nos mais vulneráveis às vigarices de todo o tipo. Este fenómeno tem uma base biológica.

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As pessoas mais velhas têm tendência para reparar mais nas coisas positivas do que nas negativas Adriano Miranda

Os resultados de dois estudos realizados pela sua equipa da Universidade da Califórnia ­- e publicados na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences - revelam que o cérebro dos adultos mais velhos não percebe tão bem os sinais suspeitos de desonestidade como o dos mais novos.

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Os resultados de dois estudos realizados pela sua equipa da Universidade da Califórnia ­- e publicados na última edição da revista Proceedings of the National Academy of Sciences - revelam que o cérebro dos adultos mais velhos não percebe tão bem os sinais suspeitos de desonestidade como o dos mais novos.

"O meu pai [na altura com cerca de 75 anos] foi ao banco acompanhado por uma pessoa que descreveu como sendo "um homem muito simpático", conta a cientista em comunicado. "Era um sem-abrigo e qualquer pessoa que olhasse para ele teria percebido logo que não devia dar 6000 dólares a esse homem." A tia, quanto a ela, comprou uns brincos de "diamante" pelo correio. "São de vidro. Uso-os sempre que dou uma conferência sobre este trabalho", comenta.

As consequências desta confiança excessiva em desconhecidos estão à vista: "Segundo um estudo recente", explica ainda Shelley Taylor, "estima-se que, nos EUA, em 2010, os adultos de mais de 60 anos perderam 2900 milhões de dólares devido à exploração financeira, que pode ir de esquemas para fazer arranjos em casa a complexas fraudes monetárias."

Num primeiro estudo, 199 adultos com 55 a 84 anos e 24 adultos mais novos (com 23 anos em média) avaliaram 300 fotos de rostos que tinham sido deliberadamente seleccionados para parecerem ou claramente dignos de confiança, ou neutros ou a merecer desconfiança. E constataram que, embora os dois grupos avaliassem de forma semelhante os rostos honestos e neutros, o mesmo já não se verificava com os rostos que denotavam manifesta falsidade. Enquanto os mais novos reagiam fortemente a esses sinais de alarme, os mais idosos não os conseguiam distinguir. "Os adultos mais velhos ignoravam expressões faciais [suspeitas], apesar de serem fáceis de detectar", diz Shelley Taylor.

Intuição deficiente
No segundo estudo, os cientistas quiseram ver o que se passava no cérebro dos participantes quando olhavam para as fotos, recorrendo, para isso, à técnica de ressonância magnética funcional. Desta vez, os participantes foram 44 - 23 adultos mais velhos (em média, com 66 anos) e 21 mais novos (em média, com 33 anos). E foi aí que descobriram a diferença, ao nível de uma estrutura chamada ínsula anterior. Esta região cerebral, que se activava fortemente nas pessoas mais novas mesmo quando elas estavam a avaliar uma face manifestamente cândida, quase não se activava nos mais velhos. A ínsula anterior está associada às reacções de repulsa e, portanto, influencia, em particular, a nossa capacidade de distinguir entre pessoas sinceras e pessoas que estão a tentar enganar-nos.

"Nos adultos mais novos, o próprio acto de avaliar se uma pessoa é digna de confiança activa a ínsula anterior. É como se estivessem a pensar que têm de ser prudentes no seu juízo", frisa Shelley Taylor. E isso, acrescenta, não tem nada que ver com o facto de os jovens serem melhores avaliadores da qualidade de um investimento - até porque as típicas vítimas de vigarices costumam ser homens com 55 anos e com experiência na área dos investimentos financeiros. Tem que ver, isso sim, com a maior capacidade dos jovens em detectar as dicas visuais relacionadas com as intenções alheias.

A ínsula anterior funciona como um "sensor" da nossa paisagem corporal interna, das nossas reacções viscerais, e o "mapa" que produz do nosso estado fisiológico a cada instante serve de base para gerar aquilo a que chamamos palpites ou intuições, explica, por seu lado, Elizabeth Castle, co-autora do trabalho. "Isto leva-nos a pensar que os palpites que alertam para o facto de alguém não ser de confiança se encontram atenuados nas pessoas mais velhas." O que não significa que a situação seja patológica: pelo contrário, é possível, escrevem os autores, que a tendência para reparar e lembrar-se mais facilmente das coisas positivas do que das negativas contribua para o bem-estar na velhice.

Shelley Taylor tem um conselho para as vítimas potenciais: "Não falem com quem vos tenta vender qualquer coisa, desliguem-lhe o telefone, respondam simplesmente: 'Não.'" Nem sempre é fraude, conclui, mas quando o cérebro não ajuda, mais vale evitar essas pessoas.