Esta pintura é um Botticelli, mas foi também um Rockefeller
O leilão de pintura antiga da Christie's só acontece a 30 de Janeiro, em Nova Iorque, mas já está a ser antecipado por jornais e revistas de arte. Tudo porque Botticelli é famoso, mas os Rockefeller também.
A estrela do leilão consagrado às tradições artísticas que se desenvolveram por toda a Europa entre 1300 e 1600 é uma pintura de Sandro Botticelli (c.1450-1510) - o mestre italiano que é autor de obras tão icónicas como O Nascimento de Vénus e Primavera - que pertenceu a John D. Rockefeller (1839-1937), magnata do petróleo e filantropo, patriarca de uma das famílias mais poderosas dos Estados Unidos.
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A estrela do leilão consagrado às tradições artísticas que se desenvolveram por toda a Europa entre 1300 e 1600 é uma pintura de Sandro Botticelli (c.1450-1510) - o mestre italiano que é autor de obras tão icónicas como O Nascimento de Vénus e Primavera - que pertenceu a John D. Rockefeller (1839-1937), magnata do petróleo e filantropo, patriarca de uma das famílias mais poderosas dos Estados Unidos.
As grandes leiloeiras como a Christie’s e a Sotheby’s, lembrava há dias o diário norte-americano The New York Times (NYT), têm vindo a constatar, ao longo dos anos, que o nome Rockefeller pode ser uma ferramenta de marketing muito eficaz, capaz de aumentar o interesse em torno dos lotes e de fazer escalar os preços. Isto justifica o facto de a venda da obra de Botticelli (c.1493-95), representando a Virgem com o Menino ao colo e São João Baptista ainda criança, estar a ser promovida com o nome por que é mais conhecida no mercado – a “Madonna Rockefeller”.
A Sotheby’s fizera o mesmo em 2007 quando o actual patriarca, David, o único neto vivo do fundador da Standard Oil, vendeu um Mark Rothko de 1950 (Yellow, Pink and Lavender on Rose). Do “Rothko Rockefeller” a leiloeira passou, já este ano, ao “Raza Rockefeller”, quando um dos herdeiros, John D. Rockefeller III, decidiu levar à praça uma paisagem de 1958 assinada pelo pintor indiano Sayed Haider Raza.
“Esta venda dá-nos oportunidade de reunir um grupo significativo de peças de um período para o qual há um apetite extra”, disse ao NYT o responsável pelo departamento internacional de mestres da pintura antiga da Christie’s, Nicholas Hall. O “apetite extra” a que se refere decorre do interesse crescente que os coleccionadores dos “novos mercados”, como a Rússia, a China, o Médio Oriente e o México, têm vindo a demonstrar pela arte produzida entre o início do século XIV e o final do século XVI, explica Hall.
Para o especialista da Christie’s há uma explicação simples para este interesse redobrado – os coleccionadores percebem que as obras da renascença são um bom investimento. Se não, vejamos: a pintura devocional de Botticelli que vai ser leiloada em breve tem uma estimativa de venda entre os 3,8 e os 5,3 milhões de euros, ao passo que artistas como Andy Warhol (1928-1987) e Mark Rothko (1903-1970) estão a vender por dezenas de milhões (foi assim nas últimas semanas, com uma obra do ícone da pop art a ultrapassar os 30 milhões de euros e outra do pintor de origem russa a atingir os 57,7). As perspectivas de valorização de uma boa obra do Renascimento são altíssimas, sublinha Hall.
Para garantir que as pessoas certas (leia-se, os potenciais compradores) vão ter acesso às obras ao vivo, alguns dos 30 lotes a leiloar – pintura, escultura, desenho e gravura, de artistas como Fra Bartolommeo, Lucas Cranach (O Novo e O Velho) e, claro, Botticelli – vão estar expostos em Nova Iorque (no Centro Rockefeller, bem a propósito), Hong Kong, Londres e Moscovo.
Uma obra com pedigree
A obra de Botticelli, que em 2010 esteve à venda na Feira de Arte e Antiguidades de Maastricht, a mais importante do mundo, tem um tema comum à pintura devocional florentina – afinal, São João Baptista era o santo-patrono de Florença – e representa a Virgem com um delicado véu transparente a cobrir-lhe a cabeça e os ombros, algo comum entre as mulheres solteiras da cidade, segundo um comunicado da leiloeira.
O pedigree da obra é estabelecido pelas colecções a que pertenceu, pelas exposições que integrou (Botticelli e Filippino: Paixão e Graça Pintura Florentina do Século XV, Palazzo Strozzi, Florença, 2004) e pelos estudos que sobre ela foram feitos por especialistas de renome como Ronald Lightbown, autor de uma das monografias de referência do pintor.
De recordar, refere o documento da Christie’s, que na primeira edição do livro que dedicou a Botticelli (1979), Lightbown, que até então só tinha visto a pintura através de fotografias, punha em dúvida que o mestre italiano fosse o autor desta Virgem com o Menino e São João Baptista, opinião que corrigiu dez anos mais tarde, na reedição, depois de ter examinado detalhadamente o original. A cena representada, escreve Lightbown, “está banhada num suave pôr-do-sol, muito característico deste momento na arte de Botticelli, marcada por uma sensibilidade aguçada ao poder de sugestão emocional e dramático da luz e da sombra”.
Nicholas Hall resume: “A ‘Madonna Rockefeller’ é um exemplo raro e importante do estilo da fase madura de Botticelli.”
Esta obra com 48cmX38cm fez parte da colecção de Lord Duveen, um dos maiores negociantes de arte do século XX. Foi a Duveen que os Rockefeller a compraram nos anos 1930. A pintura manteve-se nesta família de filantropos durante meio século, tendo sido adquirida depois por um coleccionador nova-iorquino que se mantém anónimo. Se for arrematada no leilão de 30 de Janeiro – a Christie’s espera que as estimativas sejam largamente ultrapassadas - mudará de mãos, mas dificilmente mudará de nome.