Há uma mutação genética rara que triplica o risco de vir a ter Alzheimer

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A doenaç é caracterizada por perda de memória, desorientação, depressão e deterioração das funções corporais Foto: Daniel Rocha

Nos dias que correm, a notícia de um gene associado à doença de Alzheimer não parece nada de extraordinário. Ao longo das últimas décadas têm existido múltiplas histórias que associam genes ou mutações a esta doença.É o resultado de um investimento no estudo das ainda desconhecidas causas exactas desta patologia e também uma consequência dos avanços da tecnologia. Porém, desta vez é diferente e a descoberta merece destaque: afinal, identificou-se uma mutação genética que, apesar de ser muito rara na população, triplica o risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Um dado que pode ser precioso para novas terapias.

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Nos dias que correm, a notícia de um gene associado à doença de Alzheimer não parece nada de extraordinário. Ao longo das últimas décadas têm existido múltiplas histórias que associam genes ou mutações a esta doença.É o resultado de um investimento no estudo das ainda desconhecidas causas exactas desta patologia e também uma consequência dos avanços da tecnologia. Porém, desta vez é diferente e a descoberta merece destaque: afinal, identificou-se uma mutação genética que, apesar de ser muito rara na população, triplica o risco de desenvolver a doença de Alzheimer. Um dado que pode ser precioso para novas terapias.

"Esta é uma variante muito rara na população e, por isso, as pessoas não têm de ficar preocupadas com o facto de possuírem ou não a variante. Mas esta descoberta permite-nos colocar mais uma peça no puzzle da biologia da doença de Alzheimer", diz ao PÚBLICO Rita Guerreiro, principal autora do estudo desenvolvido no Instituto de Neurologia do University College de Londres (UCL).

O trabalho, que também envolveu como principal autor o investigador português José Miguel Brás e resulta de uma extensa colaboração internacional, foi publicado na quarta-feira na revista New England Journal of Medicine. A equipa de cientistas analisou dados de mais de 25 mil pessoas e conseguiu encontrar uma associação entre uma rara variação (presente em apenas 0,3% da população) de um gene chamado TREM2 – que desempenha uma função no sistema imunitário, na limpeza de detritos nas células do cérebro e nos processos inflamatórios – e um maior risco de vir a ter a doença de Alzheimer.

De acordo com o comunicado da Alzheimer's Research UK – a principal organização britânica dedicada à prevenção e tratamento desta demência –, estaremos perante a mais influente descoberta genética relacionada com a Alzheimer dos últimos 20 anos. Mas ainda estamos longe de saber as causas exactas da doença, caracterizada por perda de memória, desorientação, depressão e deterioração das funções corporais.

O caminho da ciência percorrido até agora permite-nos apenas perceber que ela resulta de uma complexa teia de factores genéticos e ambientais. Nos últimos anos, as avançadas tecnologias que permitem "ler" os genes de uma pessoa com uma rapidez impressionante conseguiram desvendar vários genes com um papel no desenvolvimento da doença, quer seja simplesmente por existirem no ADN de alguém ou porque têm uma variação (mutação). Todos são importantes, mas alguns poderão ser mais ou menos relevantes se analisarmos o risco que representam e também a sua frequência na população.

Neste caso, a variação R47H no gene TREM2 é rara. Mas, quando existe, representa um risco três vezes maior de desenvolver Alzheimer. Como é que se chegou à identificação desta mutação? Os cientistas do UCL sequenciaram os genes de 1092 pessoas com Alzheimer e de um grupo de controlo de 1107 pessoas saudáveis e foi nesta análise que encontraram uma presença mais marcada desta mutação no grupo dos doentes. A mutação aparecia em 2% dos doentes com Alzheimer e em apenas 0,5% do grupo saudável. Os resultados foram confirmados recorrendo ao estudo de dados genéticos de um total de 6775 doentes de Alzheimer e 16.242 pessoas sem a doença.

Gene "muito interessante"

"Usámos diferentes metodologias e replicámos os resultados em duas séries independentes de doentes e controlos. Biologicamente, este é um gene muito interessante e que no futuro pode eventualmente permitir o desenvolvimento de novas terapias", explica Rita Guerreiro.

Recordando os avanços dos últimos anos – e especificamente a associação feita ainda na década de 1990 entre variantes de três genes (APP, PSEN1 e PSEN2) e a manifestação precoce de Alzheimer –, a investigadora refere que desde há duas décadas "não se encontrava uma variante com um risco significativo para o desenvolvimento da doença".

A equipa do UCL fez ainda uma confirmação dos resultados recorrendo a animais. "As experiências com ratinhos foram desenvolvidas de forma a confirmarmos que existia realmente uma alteração deste gene na doença de Alzheimer. Foram usados ratinhos que são modelos da doença e estes, quando comparados com ratinhos de controlo, mostraram que a expressão [actividade] do gene se encontrava alterada", conta Rita Guerreiro.

Na sua versão normal e sem mutação, o gene TREM2 controla a proteína que está envolvida na regulação da resposta do sistema imunitário a um ferimento ou a uma doença, funcionando com um interruptor on/off para determinadas células (chamadas micróglia) do nosso cérebro. Quando a actividade deste gene se altera numa variante chamada R47H, há uma perda parcial desta função.