Mil razões para fazer greve, uma para não fazer: o dinheiro
Trabalha a recibos verdes e nunca conseguiu um emprego na área em que se licenciou. Se pudesse fazia greve no dia 14 de Novembro. Mas o dinheiro é escasso e um dia faz a diferença
O melhor que Francisca Ribeiro de Carvalho pode fazer por ela mesma a 14 de Novembro, dia de Greve Geral, é ir trabalhar. Palavra da própria, licenciada em Ciência Política a trabalhar como comercial a recibos verdes há dois anos.
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O melhor que Francisca Ribeiro de Carvalho pode fazer por ela mesma a 14 de Novembro, dia de Greve Geral, é ir trabalhar. Palavra da própria, licenciada em Ciência Política a trabalhar como comercial a recibos verdes há dois anos.
Se pudesse, garante a jovem de 29 anos, parava na próxima quarta-feira. Mas o patrão marcou, estrategicamente, uma reunião para esse dia. "Não estou numa posição negocial para dizer não. E o dinheiro faz-me falta ao fim do mês", admite.
O trabalho que faz, como comercial numa editora em Lisboa, não foi aquele para o qual estudou. E essa mágoa não é só sua: vê-a no rosto do pai, médico reformado, que conseguiu uma vida melhor do que os pais dele e ambicionava o mesmo para a filha.
"Ele pôs grandes expectativas na minha formação e sente-se frustrado por eu não conseguir atingir o patamar de vida que ele conseguiu. Teme pelo meu futuro", conta Francisca Ribeiro de Carvalho.
"Uma ditadura num estado democrático"
A mãe da jovem "vive amargurada por perceber que aquilo por que lutou está a perder-se". Mulher de esquerda, lutou pelos direitos que 1974 viria a consagrar. Mas sente que "agora está a crescer uma ditadura num estado democrático".
Francisca retribui as preocupações. Se fizesse greve seria também pelos pais, "que descontaram 14 meses por ano para a segurança social e agora recebem o equivalente a menos de 12 meses de reforma".
Fá-lo-ia pelo homem de menos de 40 anos com que há dias se cruzou, a pedir, envergonhado. "Era alguém desesperado e que, não vendo outra forma de por comida na mesa, decidiu ir para a porta do supermercado", contou num email enviado ao P3, na sequência de um desafio que lançamos aos nossos seguidores do Facebook: vão ou não fazer greve? e porquê?
"Se pudesse fazer greve, fazia pelo velhote de casaco puído e cabelo ralo que vejo muitas vezes a vender bolacha americana nos semáforos da praça de Espanha. Pela senhora que costuma estar sentada nas escadas do metro da estação de Entre-Campos a vender pegas feitas em crochet. Pelo gato da senhora que estava duas pessoas à minha frente na fila da caixa do supermercado e que não levou as latas de comida porque a conta dava mais do que 10 euros e aquela nota era todo o dinheiro que tinha", escreveu.
Factor 'c' ou nada
Francisca ainda não desistiu de trabalhar na área para a qual estudou. Continua a enviar currículos, mas está consciente das dificuldades que tem pela frente: "Na minha área, os colegas que conseguiram emprego ou estavam filiados num partido político ou contaram com o factor 'c', não há saídas", disse mais tarde ao P3, em conversa telefónica.
Já experimentou viver fora do país — na Holanda e em Itália, enquanto estudava —, mas sentia que lhe "faltava sempre alguma coisa". "Acho que sentia falta da nossa hemogeneidade social, que está a perder-se cada vez mais, da segurança." Além disso, salienta, emigrar já não é a saída dourada que se quer pintar: "A zona euro está bastante fragilizada, sair sem um bom contrato e sem certezas é muito arriscado".
Para já, vai continuar com os recibos verdes e tentar encontrar uma forma de fazer emagrecer as contas. É que, até agora, com o período de isenção da Segurança Social (SS) e como não tinha atingido os 10 mil euros por ano, não descontava para a SS nem pagava IRS. "Agora vou ter uma redução substancial no meu vencimento," disse. A ajuda dos pais vai continuar a ser o bote salva-vidas.