Portugueses descobrem moléculas para lutar contra a fibrose quística

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A fibrose quística aparece à nascença. A doença torna o líquido dos pulmões muito viscoso, o que dificulta a respiração e propicia infecções, que danificam este órgão. Também afecta o pâncreas, que deixa de excretar enzimas para a digestão. "A doença provoca um stress crónico, que se vai agravando. A pessoa é exposta a infecções bacterianas e a insuficiência pancreática tende a resultar na subnutrição", diz outro elemento da equipa da FCUL, Carlos Farinha, que recebeu o Prémio Romain Pauwels 2012 da Sociedade Respiratória Humana pelo seu trabalho. 

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A fibrose quística aparece à nascença. A doença torna o líquido dos pulmões muito viscoso, o que dificulta a respiração e propicia infecções, que danificam este órgão. Também afecta o pâncreas, que deixa de excretar enzimas para a digestão. "A doença provoca um stress crónico, que se vai agravando. A pessoa é exposta a infecções bacterianas e a insuficiência pancreática tende a resultar na subnutrição", diz outro elemento da equipa da FCUL, Carlos Farinha, que recebeu o Prémio Romain Pauwels 2012 da Sociedade Respiratória Humana pelo seu trabalho. 

As pessoas com fibrose quística têm mutações no gene que comanda o fabrico da proteína CFTR. Em condições normais, a CFTR está nas membranas das células dos pulmões, pâncreas e fígado. Funciona como um canal que transporta iões de cloro. Nos pulmões, faz com que a água saia das células e hidrata o muco. 

O cientista estudou a mutação F508del - a mutação que é preponderante entre as 1200 que causam a doença. Com esta mutação, a CFTR tem menos um tijolo (aminoácido) e fica diferente. "A proteína fica retida na célula e é degradada, sem chegar à membrana", explica. Sem a CFTR na membrana, a passagem de iões altera-se, o muco pulmonar desidrata-se e a doença surge.

A equipa descobriu quais os sinais da proteína defeituosa que são identificados pela célula e que a levam a degradar a proteína. O trabalho de Carlos Farinha passou por compreender o "defeito básico que a mutação F508del cria, tentar corrigir esse defeito e investigar a ligação com outras proteínas que se relacionam com a CFTR e podem ser relevantes para uma abordagem terapêutica", diz.


Durante o projecto que a equipa levou a cabo, a partir de certa altura, com a Sygnature Discovery, uma empresa do Reino Unido que desenvolve fármacos, foram testadas em computador 13 milhões de pequenas moléculas, existentes em várias bases de dados farmacêuticas, para ver se tinham capacidade de corrigir a forma da proteína CFTR mutada. Encontraram-se quatro moléculas com potencial terapêutico, que vão continuar a ser testadas em células humanas, caso haja financiamento.

Outra potencial terapia, que também está dependente do dinheiro europeu, envolve a inibição de outra proteína. Através de análise de 7000 genes humanos, a equipa descobriu esta proteína, que poderá evitar os efeitos da fibrose quística. Ela regula o funcionamento de um canal de iões nas membranas, o ENaC. Quando a CFTR não funciona, este canal também fica muito activado, o que impede a hidratação do muco. Se a proteína descoberta for inibida, ela pode regular a actividade do ENaC. 

O financiamento europeu vai permitir à Sygnature Discovery fazer um modelo virtual da nova proteína, e depois testar virtualmente o efeito inibidor de uma série de moléculas sobre ela. A partir daqui deverão ser testados 200 a 300 compostos até ser encontrado o melhor - o mais específico e que actue em menores concentrações. Só depois se passa para células humanas de doentes de fibrose quística. Se tudo correr bem, poderá testar-se depois a substância química em doentes. Na melhor das hipóteses, um fármaco no mercado, só daqui a "10 ou 15 anos", diz-nos Margarida Amaral. Mas uma terapia dessas poderá tratar doentes com todas as mutações na CFTR, já que contornaria estes defeitos e iria diminuir a gravidade dos sintomas.

Primeiro fármaco nos EUA
Na década de 1950, a esperança média de vida de uma pessoa com fibrose quística era de dez anos. Hoje, com o controlo dos sintomas, esta idade subiu para lá dos 30 anos.

Só em 1989 é que se descobriu que o gene CFTR era o responsável pela doença. "Conhece-se exactamente o gene. Podemos seguir as consequências a nível molecular e celular e partir para o tecido, o órgão e o organismo", diz Margarida Amaral.

Tal como a fibrose quística, há muitas outras doenças raras causadas pelo defeito de um gene, que atinge uma proteína e o efeito disso amplia-se para o organismo. Por isso, a fibrose quística "é considerada como paradigmática", refere Margarida Amaral. "Se se conseguirem fortes avanços [na sua compreensão], poderá servir como modelo de muitas outras doenças raras."

Este ano foi aprovado nos EUA o primeiro fármaco para tratar a fibrose quística (custa por ano 231 mil euros), mas centra-se numa mutação que afecta poucos doentes. Há uma outra terapia em ensaios clínicos, também nos EUA, para a mutação mais comum (a F508del). "Talvez haja resultados em meados do próximo ano", diz Carlos Farinha. Mesmo que as notícias sejam boas, o cientista defende que a investigação da sua equipa continue. "Novos alvos terapêuticos poderão sempre ser úteis para melhorar a terapia", diz Farinha, que falou da sua investigação no XXVIII Congresso de Pneumologia, que terminou ontem em Tróia. 

Um doente de fibrose quística continua a enfrentar um dia-a-dia pesado: faz massagens para expelir excreções pulmonares, toma comprimidos para a nutrição e antibióticos contra as infecções. O objectivo deste tratamento, que custa em média 2000 euros por mês ao Estado, é a prevenção das infecções pulmonares, explica Herculano Rocha, do conselho científico da Associação Portuguesa de Fibrose Quística. "Mas a crise financeira está a dificultar a prevenção", alerta o médico. As novas taxas moderadoras podem afastar os doentes das consultas e acelerar a degradação da sua saúde.