Nadir Afonso, o pintor que se formou em arquitectura por “cobardia”
O título, o 82.º doutoramento honoris causa atribuído pela Universidade do Porto – e que em 2005 já tinha distinguido outro pintor-arquitecto, Fernando Lanhas –, visou reconhecer a obra de um homem “possuidor de uma lucidez e convicção ímpares”, que contribuiu, “de forma decisiva, para a recolocação das artes plásticas numa dimensão verdadeiramente inovadora”, salientou na sessão António Quadros Ferreira, a quem coube fazer o elogio do homenageado.
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O título, o 82.º doutoramento honoris causa atribuído pela Universidade do Porto – e que em 2005 já tinha distinguido outro pintor-arquitecto, Fernando Lanhas –, visou reconhecer a obra de um homem “possuidor de uma lucidez e convicção ímpares”, que contribuiu, “de forma decisiva, para a recolocação das artes plásticas numa dimensão verdadeiramente inovadora”, salientou na sessão António Quadros Ferreira, a quem coube fazer o elogio do homenageado.
Com 92 anos, Nadir Afonso revelou as limitações físicas próprias da idade, mas conseguiu, por várias vezes, arrancar gargalhadas da plateia durante o seu discurso de agradecimento, como quando lembrou como entrou na Escola de Belas Artes do Porto, em 1938, para ser pintor e acabou por sair arquitecto.
“A culpa não foi minha”, esclareceu Nadir Afonso. Lembrou que quando subiu a escadaria da faculdade, vindo de Chaves, deparou com um contínuo a quem entregou a sua inscrição.
O funcionário, lendo a documentação, não se conteve: “Então, oh homem, você tem o curso dos liceus e vai para pintor? Vá é para arquitectura, para ser pintor não precisava da instrução primária”.
“Eu, cobardemente, transigi”, lembrou o pintor, que se formaria em Arquitectura, nunca abandonando a pintura e antes estabelecendo pontes entre as duas artes. Uma ligação que passaria ainda pelo trabalho nos ateliers de dois dos maiores vultos da arquitectura mundial, o francês Le Corbusier e o brasileiro Óscar Niemeyer.
Outro momento bem-humorado para a plateia foi quando Nadir Afonso se referiu à sua divergência com o que designou por “estetas”: “Eles diziam que a arte é a linguagem da alma e a estética é a linguagem da arte. E eu revoltei-me: ‘qual linguagem da alma, qual carapuça?’”
Lembrou o pintor que foi aí que desatou a ler “aquilo que eles escreviam” e a pensar “qual seriam as leis que regiam a arte”, numa busca de 70 anos, para concluir que os “estetas com essa linguagem da alma estão errados!”
Para Nadir Afonso, “as leis que regem a arte são de uma exactidão matemática”, mas demoraria mais um dia a convencer os presentes da sua razão e só lhe tinham dado “três quartos de hora”.
Para ilustrar a sua convicção, o artista contou um episódio passado há mais de 50 anos com o pintor Victor Vasarely, que, em desacordo com Nadir sobre a existência de “leis”, aceitou tentar concluir uma pintura que o português considerava “errada”.
O húngaro acabaria por encontrar a forma certa que encaixava na composição e Nadir, sem ver a solução do colega, acabaria no estudo do quadro por chegar exactamente à mesma forma.
No discurso de elogio do doutorado, o professor António Quadros Ferreira afirmou que “o assumido pensamento teórico de Nadir existe porque existe um fazer prático”.
“Filósofo da arte, esteta e pensador, Nadir pensa o fazer da sua pintura, e da obra de arte em geral, como uma espécie de caminho ou de processo de um fazer meditando, e de um meditar fazendo, que mais não é que um fazer pensando, e de um pensar fazendo a obra, desse modo completando e complementando a teoria com a prática”, afirmou ainda o professor.
Para além das Belas-Artes do Porto, Nadir Afonso estudou também na escola parisiense de Beaux-Arts de Paris. Na capital francesa, manteve contactos com pintores como Pablo Picasso, Max Ernst, Cândido Portinari, Giorgio de Chirico, Max Jacob ou Fernand Léger.
Autor de diversa obra de reflexão estética, representou Portugal na Bienal de São Paulo em 1961 e, em 1967, recebeu o Prémio Nacional de Pintura.
A Fundação Calouste Gulbenkian dedicou-lhe uma retrospectiva em 1970 e, em 2010, o Museu Nacional Soares dos Reis fez uma grande exposição da sua obra.
Em Chaves está actualmente em construção a sede da Fundação Nadir Afonso, da autoria de Álvaro Siza, com inauguração prevista para o próximo ano, tendo o actual Governo retirado, recentemente, o estatuto de utilidade pública à instituição.