“Anjo ou Demónio” (“Fallen Angel”), de Otto Preminger (1945)

Apesar do primeiro nome no cartaz ser o de Alice Faye, o que se explica pelo seu título de rainha da “song and dance”, título, aliás, de muitas pretendentes e de alta rotatividade, parece-me que, por ordem de mérito, se trata, primeiro, de um filme de Otto Preminger

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Começámos com “Laura” a descoberta, nesta rubrica, dos filmes de Otto Preminger, e quem viu o filme decerto não se arrependeu. Recentemente, recomendámos “Angel Face” (“Vidas Inquietas”) e vamos ocupar-nos de “Fallen Angel” (“Anjo ou Demónio”), uma escolha menos óbvia do que “Anatomia de um Crime” ou mesmo de “O Castigo da Justiça”, mas há muito de bom a recuperar de material menos conhecido, e esperemos que seja o caso para os leitores que quiserem e puderem acompanhar-me.

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Começámos com “Laura” a descoberta, nesta rubrica, dos filmes de Otto Preminger, e quem viu o filme decerto não se arrependeu. Recentemente, recomendámos “Angel Face” (“Vidas Inquietas”) e vamos ocupar-nos de “Fallen Angel” (“Anjo ou Demónio”), uma escolha menos óbvia do que “Anatomia de um Crime” ou mesmo de “O Castigo da Justiça”, mas há muito de bom a recuperar de material menos conhecido, e esperemos que seja o caso para os leitores que quiserem e puderem acompanhar-me.

 

Apesar do primeiro nome no cartaz ser o de Alice Faye, o que se explica pelo seu título de então de rainha da “song and dance”, título, aliás, de muitas pretendentes e de alta rotatividade, parece-me que, por ordem de mérito, se trata, primeiro, de um filme de Otto Preminger, pelas opções e resistência que nos deram mais um brilhante resultado final, em ambiente de filme negro, de conjugação de todos os esforços envolvidos, incluindo o director de fotografia Joseph LaShelle e o compositor David Raksin, com quem tinha trabalhado em “Laura” no ano anterior. Em segundo lugar, é um filme de Dana Andrews, actor simbólico de um tipo particular de desenvoltura na acção, sob uma máscara de impassividade que deixa transparecer sorrisos apenas convencionais e uma ideia de riso ainda menos convincente. No papel de Eric Stanton, falta-lhe ainda o descaso do polícia de “Laura” e a integridade do militar regressado do Inferno da Segunda Guerra Mundial de “Os Melhores Anos das Nossas Vidas”, mas a arte de que sempre dá provas mantém-nos interessados em saber até onde irá este falido herói do antigo espírito de iniciativa e do moderno empreendedorismo que, recorrendo a rocambolescos expedientes, descobre o caminho para um renascimento económico numa vila onde ficou encalhado por falta de verbas para progredir até S. Francisco (observação muito útil e quase obrigatória, em época em que rocambolescos expedientes poderão tornar-se nos únicos capazes de nos fazer resistir ao presente estado de coisas e ao presente Governo, sendo cada vez mais difícil distinguir quem engendrou quem ou o quê).

 

 

Segue-se Linda Darnell, no papel de Stella, a “mola real” desta história, o “sine qua non”, a razão erótica para tanta atracção, tanto excesso, tanta asneira. Empregada de café que mal entra em cena aproveita logo para mostrar as pernas, ou seja, os trunfos do jogo que vai jogar contra quatro parceiros, como se fossem partidas simultâneas de xadrez mas apenas com uma rainha e quatro peões – o sonhador dono do café, o polícia duro regressado de Nova Iorque, um namorado de ocasião e o turista pelintra mas fura-bolos –, pretende apenas um prémio, em três jogadas rápidas: um anel no dedo, uma casa equipada, uma proposta de casamento. O vencedor leva tudo, incluindo os trunfos.

 

Finalmente, Alice Faye fornece a personagem de contraponto ao jogo sujo a que se dedica Eric Stanton. É sua a dedicação, é seu o compromisso, é sua a abnegação, é seu o amor genuíno com que persiste na sua resistência à descoberta de sucessivos logros e humilhações. Sua é a virtude que no final vence, ao contrário do que acontece na vida. É cinema. Penso que é bom cinema.