Eles não querem uma revolução, só querem expressar o seu ódio
“O meu ódio é a única coisa que me dá uma sensação de satisfação permanente. A minha fantasia é ver-vos num programa de televisão, os deputados em chamas: a vocês e aos vossos eleitores”
Frustração, ódio, e indignação percorrem “Um espectáculo para os meus compatriotas”, uma criação colectiva de Gonçalo Amorim, Rui Pina Coelho, Carlos Marques, Raquel Castro, Rita Abreu, Catarina Barros, Vânia Rovisco e Maria Joana Figueiredo, que está em cena a partir desta terça-feira e até 28 de Outubro no NEGÓCIO (Rua de O Século, n.º 9 porta 5), em Lisboa.
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Frustração, ódio, e indignação percorrem “Um espectáculo para os meus compatriotas”, uma criação colectiva de Gonçalo Amorim, Rui Pina Coelho, Carlos Marques, Raquel Castro, Rita Abreu, Catarina Barros, Vânia Rovisco e Maria Joana Figueiredo, que está em cena a partir desta terça-feira e até 28 de Outubro no NEGÓCIO (Rua de O Século, n.º 9 porta 5), em Lisboa.
“O meu ódio é a única coisa que me dá uma sensação de satisfação permanente. A minha fantasia é ver-vos num programa de televisão, os deputados em chamas: a vocês e aos vossos eleitores”. Não é uma revolução ou um manifesto, “é aquilo que sabemos fazer que são espectáculos”, disse o dramaturgo, Rui Pina Coelho. O texto original, em que se baseia a peça é “Uma carta para os meus compatriotas”, de John Osborne, dramaturgo britânico, publicado a 18 Agosto de 1961, no Tribune.
“Se o teatro servisse para alguma coisa, se importasse, se o teatro fosse importante, eu não poderia dizer isto”, assim começa e acaba o discurso de Paul Southman (Gonçalo Amorim), artista exilado e figura principal, personagem importada de “O dia do Santo” (2011). Casado com Alice (Raquel Castro), personagem de “Já passaram quantos anos, perguntou ele” (2011), Paul está frustrado com a falta de emprego, as medidas de austeridade, os governantes que levaram o país ao estado actual. Tem ódio a toda esta situação, aos que a criaram e aos que nada fazem para a reverter. “Nem à morte odeio mais do que odeio a vocês”, diz a personagem num paralelismo perfeito com as palavras da carta escrita por John Osborne.
Ao longo de toda a peça há uma figura, pouco perceptível, mas que ganha destaque com o crescer do ódio de Paul Southman. Esta figura é “um corpo, assexuado, uma espécie de contratempo de resistência mas uma resistência dentro destes corpos que estão aqui”, explicou ao PÚBLICO, Vânia Rovisco, actriz que interpreta esta personagem.
“Where is my mind”, dos Pixies, serve de mote e de banda sonora a vários momentos mais reflectivos da peça, que conta também com testemunhos de dois jovens que emigraram e que falam das vantagens dos seus actuais locais de residência e trabalho e do declínio de uma civilização sem artistas.
Embora seja um grito de revolta, e apesar de todo o ódio e da pesada carga presente ao longo da peça, há também uma réstia de esperança: “Temos que estar à frente, temos que estar a construir outra coisa, de outra maneira”, disse Gonçalo Amorim que, na personagem de Paul Southman, admite: “Talvez quando eu desaparecer, o meu ódio possa ser preservado, talvez façam um espectáculo sobre mim e sobre o meu ódio.”
Uma birra contra o capitalismo
As últimas peças de Gonçalo Amorim e de Rui Pina Coelho, como “A morte de um Caixeiro-Viajante” (2010), “Do Alto da Ponte” (2011) ou “O Dia do Santo” (2012) têm tentado responder a uma pergunta: “Como é que as pessoas vivem sendo diariamente agredidas pelo capitalismo, como é que conseguem viver e reagir a agressões que já nem sequer são visíveis”. Depois de “não sei quantos espectáculos em que diagnosticamos, apontamos caminhos, tentamos abanar”, disse Gonçalo Amorim, o encenador e o dramaturgo decidiram ir directos à questão: “Mas isto não serve para nada? São espectáculos que, normalmente, toda a gente diz que são murros no estômago. E? Uns dias depois está tudo igual”. Esta é, disse Gonçalo Amorim, uma espécie de birra contra o não-efeito que as peças anteriores têm criado nos espectadores.
Rui Pina Coelho explicou que este espectáculo “reflecte a falta de interlocutores que temos agora, não temos ninguém a quem nos podemos dirigir, que possa ouvir as nossas queixas, os nossos reparos e as nossas sugestões para que o mundo possa ser melhor. O teatro já teve essa função, já cumpriu esse papel, hoje não o cumpre”. De uma forma algo provocatória o dramaturgo disse ainda: “O teatro hoje não serve rigorosamente para nada ou serve para muito pouco.”
Gonçalo Amorim defende um novo fôlego para solucionar a situação: “As lutas na rua claro que são importantes, marcam posição mas ainda falta outro passo que é tomar o poder. Ou dilui-lo ou organizar o poder de outra forma.”
Vídeo de Maria Joana Figueiredo