Gaiteiros de Lisboa: Prova de vida superada

Foto
Carlos Guerreiro, um dos Gaiteiros de Lisboa Pedro Maia

Desde 2006, com Sátiro, que os Gaiteiros de Lisboa não editavam um álbum. Não quer isto dizer que o grupo tenha estado parado: para além de tocar regularmente ao vivo, há que sublinhar o facto de Avis Rara (lançado em Junho deste ano) ter sido gravado em Maio de 2009. Foram os constrangimentos do mercado português que adiaram o disco por três anos – seria a Eurídice, o braço editorial da d’Orfeu Associação Cultural, a editá-lo. Porém, após seis anos sem apresentar novidades, a banda considerou especiais os espectáculos de apresentação do novo longa-duração. “É uma espécie de prova de que estamos vivos”, referiu Carlos Guerreiro, logo no arranque do concerto.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Desde 2006, com Sátiro, que os Gaiteiros de Lisboa não editavam um álbum. Não quer isto dizer que o grupo tenha estado parado: para além de tocar regularmente ao vivo, há que sublinhar o facto de Avis Rara (lançado em Junho deste ano) ter sido gravado em Maio de 2009. Foram os constrangimentos do mercado português que adiaram o disco por três anos – seria a Eurídice, o braço editorial da d’Orfeu Associação Cultural, a editá-lo. Porém, após seis anos sem apresentar novidades, a banda considerou especiais os espectáculos de apresentação do novo longa-duração. “É uma espécie de prova de que estamos vivos”, referiu Carlos Guerreiro, logo no arranque do concerto.

A primeira conclusão a retirar é simples: a prova foi superada com distinção. O grupo lisboeta foi protagonista de um espectáculo enérgico, divertido e irónico q.b., centrando-se nas novas canções mas também em temas dos anteriores discos. Do primeiro (Invasões Bárbaras, de 1995) foi lembrado, logo a abrir, A ribeira do sol posto – uma composição popular do Baixo Alentejo que é um profundo lamento – e foram ainda recuperados temas como Velha bufelha, que há muito o grupo não interpretava.

Mesmo indo “pescar” grande parte dos temas ao cancioneiro popular, a abordagem dos Gaiteiros está longe de ser canónica. A presença das gaitas (transmontana e galega) oferece às composições uma conotação medieval (muitas vezes ampliada pelo recurso a velhas lendas, como no caso de Devota da Ermida), mas o futuro parece ser sempre o horizonte do grupo. A nível percussivo, por exemplo, muitos dos ritmos criados soam eminentemente modernos. A riqueza harmónica foi outra constante.

Para além disso, a diversidade que instrumentos que levam para o palco é impressionante, desde o crótalo (dois pequenos pratos de bronze) até à trompa e à sanfona; depois, há vários artefactos criados pela própria banda, sempre com o objectivo de servir as canções e não de mera exibição. Por exemplo, em Fez Sábado Quinta-Feira (tema que abre Avis Rara), destacou-se o “tubarões”, um instrumento com oito tubos percutidos por dois chinelos; o canarion surgiu como uma forma de reproduzir o efeito de quatro ou cinco flautas de pã em simultâneo; o túbaros de Orfeu chamou a atenção pelos vários tubos coloridos que o compõem e que reagem ao sopro.

Quer no caso dos temas oriundos da tradição popular quer nos originais, perpassa maioritariamente uma profunda ironia. Entre as novas composições, destaca-se o single Avejão, de Avis Rara, que Carlos Guerreiro definiu como uma “metáfora ornitológica sobre o poder” e cuja letra foi alterada, num dos versos finais, de “Esquadrão Falcão e Abutre” para “Esquadrão Relvas”. Proparoxitonias é um tema constituído como o máximo de palavras esdrúxulas possível, dando origem a versos tão incomuns como “Também os frades canónicos exploram recursos hídricos”. No cancioneiro popular, os Gaiteiros pescaram temas cómicos como Quando o Judas teve sarampo.

Após 90 minutos de espectáculo, já no encore, surgiram em palco as Vozes da Rádio, para interpretar Subir, subir e Lenga, lenga. Foi um final alegre, com a gaita em destaque, a percussão intensa e palmas a compasso. É caso para dizer que os Gaiteiros estão vivos e recomendam-se.