O Marquês já respira melhor, mas a Avenida ainda precisa de mais terapia
Ao completarem-se, hoje, 15 dias após o início da fase experimental do novo esquema de circulação e mobilidade no Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade, principal eixo viário de Lisboa, há indícios positivos de melhoria da situação global, mesmo que alguns dos sinais sejam mais claros que outros. Acima de tudo, respirar-se-á melhor em toda a zona - o objectivo nuclear do pacote de medidas de melhoria da qualidade do ar. Todavia, uma radical alteração de hábitos dos automobilistas e as deficientes informação e sinalização podem condicionar o sucesso do plano ou criar vícios de difícil resolução.
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Ao completarem-se, hoje, 15 dias após o início da fase experimental do novo esquema de circulação e mobilidade no Marquês de Pombal e Avenida da Liberdade, principal eixo viário de Lisboa, há indícios positivos de melhoria da situação global, mesmo que alguns dos sinais sejam mais claros que outros. Acima de tudo, respirar-se-á melhor em toda a zona - o objectivo nuclear do pacote de medidas de melhoria da qualidade do ar. Todavia, uma radical alteração de hábitos dos automobilistas e as deficientes informação e sinalização podem condicionar o sucesso do plano ou criar vícios de difícil resolução.
O grande problema sempre foi a Avenida da Liberdade, onde a concentração de poluentes há anos que vai disparando alarmes, em especial no que respeita às partículas, em parte geradas pelo tráfego automóvel e que concorrem em prejuízo do sistema respiratório. As ultrapassagens aos valores-limite (e mesmo às margens de tolerância) são sancionáveis pela legislação europeia (já transposta para o edifício jurídico português), razão pela qual Portugal foi alertado para o seu incumprimento em sede da Justiça comunitária.
Um plano de medidas foi adoptado internamente, juntando organismos estatais e do poder local para um compromisso comum na aplicação de medidas de mitigação da poluição. No caso da Avenida da Liberdade, para onde foi criada uma Zona de Emissões Reduzidas - uma daquelas medidas -, já se verificou, desde Janeiro deste ano, 59 dias em que a concentração de partículas ultrapassou o máximo de 35 excedências autorizadas em todo o ano. Todavia, aqueles valores carecem ainda de ponderação, ou não estão validados, uma vez que terão que ser considerados factores exógenos ao local das medições, que podem ir desde a ocorrência de ventos que transportem os poluentes aos efeitos de incêndios.
Porém, os dados mais recentes registados pela estação da Avenida da Liberdade, e disponibilizados diariamente na base de dados da Agência Portuguesa do Ambiente (www.qualar.org), revelam uma ligeira progressão positiva desde 16 de Setembro, dia do início do período experimental (que vigorará até Dezembro). Ainda sem ponderação ou validação científica.
Onde pára o trânsito?"Isto para nós está melhor, mas se houvesse mais uma faixa de rodagem na rotunda exterior seria óptimo", conta André Figueira, taxista, com 30 anos de experiência na praça de Lisboa. O motorista profissional explicou então o seu ponto de vista: "Quando sigo pela rotunda interior, noto que há muito menos trânsito, roda-se melhor e não há tantos problemas na altura de sair, o que também acontecia devido à azelhice de muitos e pela presença dos autocarros. E a verdade é que se sai bem para a Avenida da Liberdade. O problema é rotunda exterior, pois há muita gente que pára para a entrada ou saída de passageiros e logo aí isto pára tudo."
André Figueira admite que os demais automobilistas não têm a vida muito facilitada, mas que ainda haverá falta de informação. "Foi mau nos primeiros dias, pelas filas criadas na descida da Joaquim António de Aguiar, e ainda poderia estar melhor o cruzamento com a Barata Salgueiro, onde já se pode virar à esquerda", sublinha o taxista.
Também o Automóvel Clube de Portugal, desde o início muito crítico relativamente ao modelo de alterações - no período de consulta pública apresentou mesmo sugestões alternativas -, classicando-o de "experimentalismo", acabou por aplaudir a alteração pontual que minimizou os efeitos dos engarrafamentos. Porém, o modelo de distribuição do trânsito através do final do acesso vindo das Amoreiras está longe de corresponder às expectativas. Apesar de existirem painéis de informação espalhados pelo Marquês e Avenida, mas de difícil leitura, e de haver agentes da Polícia Municipal (PM) no local, as dúvidas estão longe de estar suprimidas. São muito poucos os que, oriundos da A5, sabem como melhor aceder à Duque de Loulé.
A agente da PM colocada perto da saída da boca do túnel explica ao PÚBLICO: "Desce-se o primeiro troço da Avenida e sobe-se pela lateral que dá acesso à rotunda exterior."
Há automobilistas que hesitam. Percorrido todo o túnel das Amoreiras, e sem informação prévia, uma vez chegados ao Marquês tentam meter pela rotunda exterior, o que não é permitido. "Há outra forma, simples, de se aceder à Duque de Loulé, que é utilizar a saída do túnel pela Fontes Pereira de Melo e virar na primeira à direita, a Martens Ferrão, novamente à direita, para a Sousa Martins e depois para a Luciano Cordeiro, que cruza a meio da Duque de Loulé", descreve o vereador para a mobilidade, Fernando Nunes da Silva.
Redução e acalmia"Ainda temos afinações a fazer, mas há sinais claramente positivos, e, sem errarmos muito, correspondem ao que desejávamos, pois a rotunda funciona com melhor escoamento do trânsito e deixou de haver conflitos no cruzamento da Alexandre Herculano. Dali para norte percorre-se toda a Avenida e Marquês e só se pára no primeiro semáforo a chegar a Picoas. Também temos notado que a circulação de peões na zona do Marquês está muito mais facilitada, com trânsito muito mais sossegado nas laterais, também virtude da introdução das zonas 30 [velocidade máxima permitida]. Com tudo isto, temos já a certeza que há diminuição de tráfego na Baixa", diz o autarca.
O responsável pela mobilidade anunciou igualmente que vão ser criadas minipraças de táxis em várias secções dos corredores laterais. Diz não ter ainda uma reacção dos comerciantes locais às alterações introduzidas, mas da parte da transportadora Carris afirmou ter recebido uma resposta positiva, pois o tempo de passagem do Marquês (agora unicamente pela rotunda exterior) aumentou apenas em um minuto. "Para tal deverão também contribuir alguns conflitos resultantes de paragens de autocarros para tomada e largada de passageiros na zona dos hotéis, algo que teremos de resolver", esclareceu.
Há outros problemas de difícil resolução, caso do cruzamento com a Rua das Pretas e a Praça da Alegria, via muito procurada pela manhã, com acesso, na parte superior, ao Príncipe Real, através da Calçada da Patriarcal, criando ali alguns constrangimentos. O mesmo se passa na Castilho e Braancamp, que passou a ter dois sentidos para todo o tipo de veículos.
"Há uma grande procura e alguma acumulação de tráfego na confluência da Rua das Pretas, pelo que estamos a estudar alternativas. Poderemos mesmo, em horas mais difíceis, criar uma zona de intermitência no corredor Bus, permitindo que a ele acedam as viaturas particulares, mas também nos regozijamos que um dos eixos que apontámos como alternativa aos condutores - a circular das colinas - esteja a ser mais utilizado, através da Infante Santo, Alexandre Herculano e Conde Redondo.
Com um túnel sob a Estrela ainda seria melhor", defende o vereador. Aquela circular, uma ideia com décadas, teve um novo impulso com a aprovação do Plano de Urbanização do Vale de Santo António, que contempla um túnel sob a Penha de França, para a ligação entre a Mouzinho de Albuquerque e os Anjos.
Luta contra a suspensão de partículas no arUma das medidas contempladas no Plano de Melhoria da Qualidade do Ar, talvez a de mais simples aplicação, pressupõe a frequente lavagem das ruas de maior circulação automóvel, que no caso de Lisboa é a Avenida da Liberdade. A Câmara de Lisboa há muito que o faz, e com regularidade.
Aquele expediente mais não serve que para fixar as partículas inaláveis geradas pelos gases de combustão automóvel e que após suspensão ficam depositadas no solo. A varredura de água e o escoamento para o sistema de drenagem eliminá-las-á, evitando que voltem a ficar em suspensão por acção do vento ou da simples deslocação de ar.
Se assim é feito, e o PÚBLICO comprovou-o quarta-feira, a meio da manhã, na Avenida da Liberdade, também é verdade que outros factores de limpeza poderão estar a comprometer a bondade de tal medida. Paralelamente à passagem da viatura de lavagem de rua, equipas de limpeza dos jardins da Avenida, munidos com maquinaria sopradora de folhas, levantam nuvens à sua passagem, e naquelas, inevitavelmente, as tais partículas, leves como cabelos, voltam a ficar em suspensão, novamente inaláveis, e como tal prejudiciais à população.
O PÚBLICO questionou o gabinete do vereador responsável pelo espaço público e limpeza urbana, José Sá Fernandes, para saber o propósito de tais medidas e a regularidade com que são aplicadas. No entanto, não obteve qualquer resposta.