O teclado do futuro... da visão de Salazar à actual
O “velhinho QWERT” mantem-se na liderança, até que os fabricantes de software e hardware decidam que é hora de vender uma alternativa
Estamos no Verão de 1937, mas precisamente a 21 de Julho e em plena Ditadura Nacional, quando o primeiro-ministro e ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, decreta oficialmente a introdução do teclado de escrita “HCESAR”, apresentando-o como o “Teclado Nacional”.
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Estamos no Verão de 1937, mas precisamente a 21 de Julho e em plena Ditadura Nacional, quando o primeiro-ministro e ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, decreta oficialmente a introdução do teclado de escrita “HCESAR”, apresentando-o como o “Teclado Nacional”.
A postura do Estado Novo era a de “orgulhosamente sós” e obrigava repetidas vezes a que se desafiasse a hegemonia dos standards internacionais, no caso concreto, o “AZERT” (ou “AZERTY”), em voga na Europa, e o “QWERT” (ou “QWERTY”), o layout mais usado nos Estados Unidos da América, formatos implementados ainda no séc. XIX.
O teclado português não era uma mera variante, era uma quebra absoluta com o que no estrangeiro existia. Para além da distribuição única de letras, que contemplava o K, W e Y, o “HCESAR” obrigava à utilização de combinações de teclas para a obtenção de certos símbolos:
- o ponto de exclamação era obtido pelo uso do apóstrofe e do ponto final,
- o asterisco era obtido por justaposição do X minúsculo com o sinal de subtracção ou adição (conforme se quisessem 6 ou 8 pontas),
- o sinal de diferente era obtido por via sinal de igual e de uma barra e,
- por último, o uso do caracter cardinal obrigava ao uso do sinal de igual e de duas barras que eram tipografadas enquanto cautelosa e progressivamente se premia a tecla de apagar (voltar atrás).
Para completar as singularidades, não havia o zero no teclado. O seu uso fazia-se recorrendo ao O maiúsculo.
Em organismos públicos, usava-se exclusivamente o “HCESAR” mas, mesmo muitos anos depois da instituição do “teclado nacional”, ainda havia quem mantivesse o uso do “AZERT” e do “QWERT”, evitando o esforço de adaptação. Havia inclusive indicações dadas a importadores para trocarem as teclas antes do envio para Portugal, porque a verificação alfandegária existia, mas era habitualmente visual e não ao ponto de testar o teclado; depois, o comprador só tinha de trocar as teclas.
Quis a história que o advento dos computadores (em detrimento das máquinas de escrever) ditasse a morte do “HCESAR” e mesmo do “AZERT”, preteridos face à massiva produção americana. Recorde-se que o "layout" de teclado foi implementado pelo americano Christopher Scholes, com o intuito de evitar o bloqueio das teclas e martelos respectivos nas máquinas de escrever, colocando afastadas as letras que tipicamente são usadas consecutivamente nas palavras (de origem anglo-saxónica, naturalmente).
Mas, de facto, sabe-se actualmente que o “QWERT” não é o "layout" de teclado mais eficiente.
Precisamente um ano antes de Salazar implmentar o “HCESAR”, em 1936, surge a primeira variante “Anti-QWERT”, proposta por August Dvorak e William Dealey (designada simplesmente por “Dvorak”), que colocava todas as vogais e as consoantes mais usadas na linha central, permitindo que o escritor se centrasse nessa linha e, com menor regularidade, usasse a superior e a inferior. Como termo de comparação, podem escrever-se cerca de 400 palavras em Inglês com apenas uma linha de teclas do “Dvorak” contra apenas 100 do “QWERT”.
Já em 2006, Shai Coleman desenvolveu o “Colemak” (este K é em homenagem a Dvorak), com o objectivo de diminuir drasticamente a distância percorrida pelos dedos (redução superior a 50%) e, como no “Dvorak”, permitindo escrever muito mais palavras recorrendo apenas à linha central de teclas.
Depois de, entre 2004 e 2005, Michael Capewell ter desenvolvido um upgrade ao “Dvorak” (quase 50% mais eficaz que o “QWERT” e 10% mais eficaz que o “Dvorak” em termos de movimento dos dedos), começou também a desenvolver uma versão 100% sua, onde a curiosidade é manter o Z, X, C, e V nos lugares exactos onde estão no “QWERT”, dado o uso comum das funções de “undo”, “cut”, “copy” e “paste” em computadores.
Existem outros formatos menos usados, como o Chubon, desenvolvido por um professor da Universidade de Pittsburg, Robert Chubon, que ao ter um acidente com um trampolim e ficar com lesões na espinal medula, quis desenvolver um layout que facilitasse a escrita a pessoas com mobilidade reduzida (fonte).
Existe já software capaz de optimizar o layout de um teclado baseando-se na Língua em que o mesmo é mais usado e tendo em conta todo o seu léxico e modelo probabilístico do uso das palavras (todas as palavras são usadas com uma probabilidade distinta). Para o Inglês, o “QGMLWB” é considerado (informaticamente) o mais optimizado.
Existem muitos estudos detalhados sobre várias vertentes de optimização e mesmo aproximações distintas não apenas baseadas em optimização , mas o “velhinho QWERT” mantem-se na liderança, até que os fabricantes de software e hardware “decidam” que é hora de vender uma alternativa.
Será que isso acontecerá em breve?