Música para lasers e máquinas de fumo

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Não será certamente sugestão ou ilusão óptica se alguém jurar ver chispas de electricidade a saltarem de uma agulha no prato do gira-discos ou mesmo da entrada do leitor de CD ou até de um leitor de MP3 quando se põe a tocar White Light/White Heat, o segundo álbum dos Velvet Underground, o primeiro depois de se livrarem de Andy Warhol e de Nico. É um disco que cospe energia em estado virgem como poucos outros. Segundo conta Peter Hogan, em The Complete Guide to the Music of the Velvet Underground, o engenheiro de som Gary Kellgren terá inclusivamente manifestado repetidamente a sua preocupação com o excessivo volume no estúdio: "Não podem fazer isto - todos os ponteiros estão no vermelho". "Ouve", responderam os Velvet, "nós não queremos saber o que se passa aí dentro e não queremos ouvir-te falar disso. Faz o melhor que conseguires". Pelo chão do estúdio, abundavam pedais e compressores, e o ar estava saturado com ruído e distorção no limite do suportável. É precisamente esse ambiente quase em curto-circuito e essa energia não domesticada que salta da gravação.

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Não será certamente sugestão ou ilusão óptica se alguém jurar ver chispas de electricidade a saltarem de uma agulha no prato do gira-discos ou mesmo da entrada do leitor de CD ou até de um leitor de MP3 quando se põe a tocar White Light/White Heat, o segundo álbum dos Velvet Underground, o primeiro depois de se livrarem de Andy Warhol e de Nico. É um disco que cospe energia em estado virgem como poucos outros. Segundo conta Peter Hogan, em The Complete Guide to the Music of the Velvet Underground, o engenheiro de som Gary Kellgren terá inclusivamente manifestado repetidamente a sua preocupação com o excessivo volume no estúdio: "Não podem fazer isto - todos os ponteiros estão no vermelho". "Ouve", responderam os Velvet, "nós não queremos saber o que se passa aí dentro e não queremos ouvir-te falar disso. Faz o melhor que conseguires". Pelo chão do estúdio, abundavam pedais e compressores, e o ar estava saturado com ruído e distorção no limite do suportável. É precisamente esse ambiente quase em curto-circuito e essa energia não domesticada que salta da gravação.

"Com os Velvet Underground sente-se sempre a energia e a excitação de estarem a tocar", diz-nos o baixista dos Toy, Maxim "Panda" Barron, justificando as escolhas na abordagem ao registo do disco homónimo do quinteto inglês. A urgência do seu cruzamento entre as guitarras incandescentes em febris devaneios shoegazing, um cerrado andamento motorik e uma voz macia a pairar acima de tudo isto ouve-se em cada segundo de Toy precisamente pela perspicaz opção em vestir o estúdio de um ambiente propenso à evasão de que a música do grupo necessita. Daí que tenha passado pela cabeça do produtor Dan Carey que não bastava recorrer à velha fórmula de pôr a gravar e deixar a música correr livremente.

Para que o efeito de evasão e de queda livre no reino da vertigem se fizesse com total fidelidade, Carey lembrou-se de comprar um laser e instalou-o no estúdio. "Depois eu comprei outro", conta Barron, "e à medida que o disco avançava comprámos ainda mais lasers, máquinas de fumo e coisas assim". Depois desligavam as luzes, a sala enchia-se de fumo recortado pelos lasers de várias cores e só então a gravação arrancava. Nessa altura, já estava encontrado um centro em torno do qual a música dos Toy pudesse rodopiar sem se obrigar a uma recriação artificial da sua tendência alucinogénica. "Criámos a oportunidade de sairmos de nós mesmos e da sala enquanto tocávamos e deixámo-nos envolver como se estivéssemos a tocar ao vivo. Isso levou-nos a tocar de forma diferente. É um processo que vamos repetir no próximo disco porque sentimos que funciona connosco".

Jing Jang Jong

A questão da autenticidade era fundamental para Panda (baixo), Dom O'Dair (guitarra) e Tom Dougall (voz e guitarra). Não enquanto discurso pré-formatado e em defesa fervorosa de uma sonoridade cujas referências mais proeminentes são fáceis de apontar, mas como intransigência no desejo de não repetição de erros passados. Apesar dos curtos vinte e poucos anos de cada elemento do grupo, o trio fundador - a que se juntaram Charlie Salvidge e Alejandra Diez - criou os Toy escaldado com uma anterior e decepcionante experiência.

Em 2006, ainda a contas com a adolescência, os três juntaram-se ao actor de televisão Joe van Moyland, mais conhecido como Joe Lean, numa banda chamada Joe Lean and the Jing Jang Jong. A banda foi prontamente levada em ombros pela imprensa britânica que lhes augurou um brilhante futuro de, pelo menos, dois meses. Mas apesar de a indústria salivar pela sua estreia, os três Toy - que mais não eram do que a banda sobre a qual a fama de Moyland devia assentar e brilhar - assustaram-se com o rumo que as coisas tomaram, afastaram-se acidentalmente dos heróis musicais que os tinham inspirado e perceberam que precisavam de emancipar-se e livrar-se de Joe Lean. "Para além de que 13 meses depois de gravarmos o álbum a editora continuava a empatar, não planeava lançá-lo e chegámos a um ponto em que já não queríamos continuar. Não estávamos nada seguros do que estávamos a fazer e o primeiro single levou-nos num caminho diferente, que não resultava. A música que fazíamos não era bem o nosso estilo, era uma coisa alegre e muito indie pop/rock. Foi então que abandonámos a editora". O álbum, surpresa das surpresas, nunca encontrou a saída da gaveta.

Voltaram atrás, ao rastilho mais elementar para formar uma banda: começaram a juntar-se para ouvir discos - num grupo alargado, de que também faziam parte membros dos Horrors - e descobrirem música que os impelisse a pegar nos instrumentos e cujo rasto os conduzisse a novas paragens. A par do confesso amor antigo pelos Jesus and Mary Chain, pelos Television ou pelos Stooges, esse período ofereceu-lhes um segundo alicerce essencial ao caírem na rede do krautrock: "Isso acabou por ser uma influência directa no que fazemos. Sentimos que a batida motorik do krautrock servia muito bem as nossas canções e incorporámo-la na nossa música". Mais explicitamente em Motoring e em Kopter - o K, diz Panda, está lá apenas para efeitos de homenagem. "Mas também somos grandes fãs de artistas folk como Fairport Convention e Nick Drake, ou bandas como os Sonic Youth".

No entanto, a repetição que tanto atrai os Toy vem também de nomes menos audíveis na sua música, como Philip Glass, ou até, em termos de arquitectura sonora, John Cage. "São abordagens à composição muito interessantes e queremos poder retirar algo daí da mesma forma que retiramos de uma canção pop ou de uma canção krautrock". Esta sede de alargar cada vez mais o rol de fontes para a música que fazem tem um próximo capítulo marcado para breve, através do lançamento de dois EP que os Toy vão usar para "reeducar a forma de fazer música". O que deverá manter-se intocado é a capacidade de sugerir a alteração dos sentidos até quase à sua perda. Sempre acompanhada, no entanto, por um cordão de segurança, a puxar quando o desmaio estiver à espreita, de forma a ser atirado de novo para o epicentro hipnótico.