Felicidade Interna Bruta

Nem tudo é feito de números, e há mais num país do que a tristeza de uma economia fraca

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Desmond Boylan/Reuters

Em 1972, o Rei do Butão, Jigme Wangchuck, criou o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB), em resposta às críticas de que o país era alvo, por alegadamente ter um crescimento económico miserável.

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Em 1972, o Rei do Butão, Jigme Wangchuck, criou o conceito de Felicidade Interna Bruta (FIB), em resposta às críticas de que o país era alvo, por alegadamente ter um crescimento económico miserável.

Desatendendo às origens espirituais e religiosas da ideia, é, pelo menos, interessante atentar no princípio fundamental que norteou a sua criação: enquanto os modelos tradicionais de desenvolvimento têm como primordial objectivo a criação de riqueza e o crescimento económico, a FIB é um indicador que mede a qualidade de vida e o progresso social. Assenta nos princípios da preservação e da promoção dos valores culturais, da promoção de um desenvolvimento justo e sustentado, da conservação do meio ambiente e do estabelecimento de regras de boa governação.

A abordagem é – quiçá – demasiado esotérica aos olhos de quem vive iluminado pelo singelo indicador do PIB (Produto Interno Bruto). Mas a verdade é que a FIB, não sendo directamente mensurável, decorre da avaliação de parâmetros tão objectivos como a taxa de mortalidade infantil. E, enquanto critério medidor alternativo do nível de desenvolvimento, tem vindo a ser depurada e trabalhada, inclusivamente ao nível das Nações Unidas (ONU).

Com efeito, desde 1990, no âmbito do Programa para o Desenvolvimento (Pnud), a ONU calcula e publica anualmente um Índice de Desenvolvimento Humano, o qual agrega, entre outros, a esperança média de vida e o nível educacional, revelando muitas similaridades face ao indicador FIB.

E a verdade é que a Felicidade entrou no debate da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio +20, sendo a criação de uma alternativa ao PIB considerado "o assunto da hora”.

É evidente que, em tempos de austeridade, parece quase um paradoxo falar-se de Felicidade.

Os meios noticiosos enchem-se de sobrolhos franzidos e ares circunspectos, o tom de voz é grave e as palavras pouco auspiciosas.

O nosso País é um dos gravemente afectados pela crise internacional que vem fazendo sentir-se de há uns anos a esta parte, e não são parcas as análises políticas, económico-financeiras e sociais acerca da situação em que nos encontramos.

É por chegarmos a este ponto – abstraindo de qualquer opção por um determinado governo ou política partidária – que há quem tenha também já chamado a atenção para a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre o modelo de “desenvolvimento” que, durante anos, se seguiu, e que aparentemente se revelou um logro.

O actual “monstro” da crise teve, por muito tempo, a face do simpático Dr. Jekyll. Alimentámos-lhe os vícios, permitimos que crescesse selvagem e desregrado.

Por isso, urge reflectir detalhadamente sobre a necessidade de regular o sistema económico-financeiro, jamais permitindo que se volte a acentuar o seu lado negro de Mr. Hyde.

Neste contexto, propostas como a que está subjacente à criação da “FIB” não são tão estranhas como podem parecer à primeira vista.

É essencial promover um desenvolvimento socioeconómico sustentável, baseado na dignidade da pessoa humana e para ela vocacionado. É essencial estabelecer mecanismos eficazes de controlo da governação e dos governantes.

Se a voracidade dos mercados acabou por nos consumir, então já não há razão para nos escudarmos nas grilhetas de conceitos eventualmente anacrónicos perante a riqueza da realidade.

Nem tudo é feito de números, e há mais num país do que a tristeza de uma economia fraca.