A longa e polémica história da Fundação do PSD-Madeira que o Governo não extinguiu
O processo foi desencadeado por queixa do PND contra o presidente da instituição e líder regional do PSD, Alberto João Jardim, por suspeita de prática de crime de peculato, corrupção passiva e abuso de poder.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O processo foi desencadeado por queixa do PND contra o presidente da instituição e líder regional do PSD, Alberto João Jardim, por suspeita de prática de crime de peculato, corrupção passiva e abuso de poder.
O inquérito está parado há dois anos, pelo facto da Assembleia Legislativa da Madeira não ter autorizado, como tem solicitado o Tribunal Judicial do Funchal desde 2008, o levantamento da imunidade a Jardim. Uma prerrogativa específica dos deputados mas que o PSD alargou aos membros do governo regional na única revisão do Estatuto da Madeira, efectuada em 1991.
Na denúncia ao MP, o PND afirma que a fundação, criada por Jardim com outros governantes e deputados do PSD, não cumpre as condições gerais da declaração de utilidade pública atribuída pelo governo, chefiado pelo líder do PSD-M. E alega ainda que, apesar de ter fins não lucrativos, tem, fazendo uso desse estatuto e dos respectivos benefícios fiscais, adquirido ao longo dos anos um vastíssimo património, obedecendo a sua gestão a estritos critérios de interesse partidário.
Avaliada pelo Ministério de Finanças com nota positiva de 62,9%, a fundação comunicou, no âmbito do censo realizado por imposição da troika, que não recebeu qualquer apoio financeiro público directo entre 2008 e 2010.
Segundos tais dados, a fundação tem um valor patrimonial tributário isento no valor de 3,825 milhões, correspondente a cerca de 30% do total da riqueza declarada. Criada em 1992 com um capital de 50 mil euros, o seu património passou a mais de 12 milhões em 2010, de acordo com o referido relatório, ou seja, registou um crescimento patrimonial de 25.325% nesses19 anos.
O património da fundação integra 32 prédios, a herdade onde realiza a festa anual e uma vasta frota automóvel que inclui um Rolls Royce.
Esses prédios estão arrendados ao PSD-M, que neles instalou mais de metade das suas 54 sedes locais. Mas o Tribunal de Contas não confirma o pagamento de rendas pelo partido para cuja conta bancária a assembleia regional transfere anualmente 2,9 milhões, proveniente da subvenção parlamentar.
Tecnicamente falido, com o capital negativo em 3,4 milhões, o PSD-Madeira tinha em 2008 uma dívida de 4,5 milhões à fundação, a bancos e a fornecedores, apurou a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) na última apreciação das contas deste partido.
“Sendo o PSD nacional o titular da personalidade jurídica, dada a norma constitucional que proíbe “partidos regionais”, todo e qualquer património do PSD/Madeira pertence àquele, podendo de tudo dispor a seu belo prazer. E como não se pode adivinhar o futuro, susceptível de qualquer comprometimento que não fosse do interesse dos autonomistas sociais-democratas desta Região Autónoma, foi entendido criar uma Fundação madeirense, para que um património criteriosamente construído na Região não viesse a ser lesado por razões exteriores à Madeira”. É assim que Jardim justifica a fundação, em recente edição do jornal do PSD-M, “Madeira Livre”.
Há quase duas décadas colocada sob suspeita pela oposição regional, a FSDM, acusada de “burla fiscal e legal”, tinha sido antes objecto de uma acção judicial (inconclusiva) requerida ao Ministério Público pelo CDS/PP em 1992.
Três anos depois também a UDP apresentou idêntica queixa, mas o processo acabou por ser arquivado. Uma investigação à fundação presidida pelo Jardim voltou a ser pedida pelo PS à Procuradoria-Geral da República, no dossier sobre corrupção na Madeira entregue a Pinto Monteiro em 2007.
Negócios polémicosEntre outros negócios polémicos, está a venda da herdade do Chão da Lagoa, onde no domingo se realizou a festa anual do PSD-Madeira, no final da década de 90 à Fundação Social-Democrata pela Fundação Berardo.
Na compra por esta efectuada em 1992 o conjunto de quatro parcelas, com um total de 726 mil metros quadrados, tinha ficado registado pelo valor patrimonial de 4.933 euros, ou seja, de 0,6 cêntimos por cada metro quadrado. Antes designada por herdade da Achada Grande, e situada entre a ribeira das Cales e o Poiso, na zona limítrofe a norte do concelho do Funchal, pertencia aos herdeiros de Gomes Loja, tendo, por dificuldades financeiras deste grupo empresarial, sido transacionada para a extinta Caixa Económica do Funchal e posteriormente para o sucessor BANIF. Adquirida pela Fundação do empresário José Berardo, accionista daquele banco, desenvolveu um projecto de reflorestação, financiado pelo Plano de Acção Florestal.
O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por denúncia particular feita em 2007 contra o depósito de terras e alteração morfológica do prédio, está a investigar se houve violações ao licenciamento nas terraplanagens executadas para acolher as amplas zonas de comício e estacionamento na festa do PSD.
Também não foi pacífico o processo de aquisição de alguns prédios pela FSDM, como a construção da sede na rua dos Netos. Foi o caso dos terrenos em Santo Amaro, no Funchal, onde foi construído o Centro de Conferências e Exposições da Madeira (CEMA), também propriedade da FSDM avaliada em 1,5 milhões de euros e local dos congressos e reuniões magnas do PSD-M.
O prédio anexo ao Madeira Shopping, com 4,5 mil metros quadrados, custou 15 mil euros (75 mil euros), considerado muito abaixo ao preço de mercado. Segundo o Diário de Notícias funchalense, o negócio envolveu isenção de sisa, decidido por Paulo Fontes, então secretário das Finanças e simultaneamente membro do conselho fiscal da fundação, e implicou o realojamento pelo governo regional em bairros social de famílias que habitavam esta propriedade.
Controvérsia também motivou o negócio imobiliário feito numa zona nobre de Santa Cruz. Segundo o referido diário, aquela a fundação de utilidade pública, sem fins lucrativos, comprou em finais de 2002 a Quinta Escuna por 448 mil euros (valor escriturado) e vendeu a propriedade com seis mil metros quadrados a um empresário ligado ao PSD pelo triplo (1,25 milhão de euros), numa operação isenta de impostos ao fisco para ambas as partes. Foi ventilada a hipótese de a câmara municipal instalar serviços no projectado empreendimento.
Uma das últimas aquisições da FSDM foi a casa onde Jardim residiu durante 30 anos, no Quebra-Costas, para aí instalar um museu dedicado ao líder madeirense, com exposição das placas, medalhas e outros objectos oferecidos ao governante. A transacção por 140 mil euros ficou igualmente isenta de IMI e outros impostos.