Segredos pelo caminho
Este é o único livro escrito em prosa pelo poeta sueco Tomas Tranströmer (n. 1931) - Prémio Nobel de Literatura 2011. Não se trata de uma obra biográfica no sentido corrente do termo, mas antes de um conjunto de pequenas notas acerca de factos pessoais que parecem ter sido para o autor - apesar de isto não ser expresso de maneira clara - importantes para a génese da sua “personalidade literária”. São lembranças (“recordações de recordações, reconstituições que assentam na erupção súbita de um estado de espírito”) ordenadas de maneira cronológica desde a infância até aos primeiros despertares do “impulso poético”, por volta dos quinze anos (idade que coincide com o final do liceu); e tituladas de acordo com uma espécie de ciclos - uns que se fecham e outros que apenas se abrem para continuarem ao longo da vida. É assim que surgem (em jeito de títulos de capítulos): As Lembranças, Museus, Escola Primária, A Guerra, Bibliotecas, Liceu, Exorcismo e Latim. Tranströmer compara a vida a um cometa: “a extremidade mais luminosa, a cabeça, é a infância” e aquela parte mais densa, o núcleo, “é a primeira infância, quando são determinados os traços principais da nossa vida”, mas é difícil e perigoso movimentarmo-nos “nessas regiões muito condensadas” pois deixa-nos a sensação “de que chegaria muito perto da morte”.
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Este é o único livro escrito em prosa pelo poeta sueco Tomas Tranströmer (n. 1931) - Prémio Nobel de Literatura 2011. Não se trata de uma obra biográfica no sentido corrente do termo, mas antes de um conjunto de pequenas notas acerca de factos pessoais que parecem ter sido para o autor - apesar de isto não ser expresso de maneira clara - importantes para a génese da sua “personalidade literária”. São lembranças (“recordações de recordações, reconstituições que assentam na erupção súbita de um estado de espírito”) ordenadas de maneira cronológica desde a infância até aos primeiros despertares do “impulso poético”, por volta dos quinze anos (idade que coincide com o final do liceu); e tituladas de acordo com uma espécie de ciclos - uns que se fecham e outros que apenas se abrem para continuarem ao longo da vida. É assim que surgem (em jeito de títulos de capítulos): As Lembranças, Museus, Escola Primária, A Guerra, Bibliotecas, Liceu, Exorcismo e Latim. Tranströmer compara a vida a um cometa: “a extremidade mais luminosa, a cabeça, é a infância” e aquela parte mais densa, o núcleo, “é a primeira infância, quando são determinados os traços principais da nossa vida”, mas é difícil e perigoso movimentarmo-nos “nessas regiões muito condensadas” pois deixa-nos a sensação “de que chegaria muito perto da morte”.
O que rapidamente emana da leitura destas poucas dezenas de páginas é a personalidade discreta do autor, a sua recusa, desde novo, a estar no centro, a chamar a atenção dos colegas (mesmo aqueles que o desafiam pelas piores razões) - ainda hoje Tomas Tranströmer vive quase isolado numa pequena ilha do Báltico, longe do olhar do mundo. É notável, por exemplo, a maneira que o pequeno Tomas inventou (no primeiro ano da escola primária) para reagir à provocação de um rapaz “cinco vezes mais forte” do que ele e que tinha o hábito de o atirar ao chão em todos os intervalos: fazer-se de morto, um boneco que ele podia atirar ao chão à vontade - o outro acabou por se fartar e nunca mais o incomodar. “Penso no que este método, de uma pessoa se transformar num trapo sem vida, terá significado para mim ao longo da minha vida. A arte de ser pisado conservando a dignidade. Não terei recorrido a este método com demasiada frequência? Umas vezes resulta, outras não.” O ambiente escolar deste tempo (anos 40) era especialmente severo, e Tranströmer lembra que o ambiente do liceu que mais tarde viria a frequentar foi reproduzido no filme Tortura (vencedor do Grande Prémio do Júri, em Cannes, em 1946), do realizador Alf Sjöberg e com argumento de Ingmar Bergman (inspirado nos seus anos de adolescente).
Curioso é também o interesse - digamos precoce, aos cinco anos - pelos museus, e sobretudo pelo Museu de História Natural de Estocolmo e as suas caves “que cheiravam a ossos e tinham baleias presas ao teto”. Apesar de lhe ter surgido um terror pânico de esqueletos que, de um momento para o outro, o deixou impedido de visitar o museu e até de abrir um bloco onde desenhara os esqueletos dos dois elefantes que ladeavam a porta, o seu interesse pela natureza nunca esmoreceu - se há um “denominador comum” para os seus poemas é esse olhar atento e minucioso sobre a natureza, a sua linguagem e os seus fenómenos - levando a que ainda muito novo se tornasse num “zoólogo amador, sério, precoce” (talvez com onze ou doze anos): descobrir, coleccionar, examinar. Coleccionava insectos, sobretudo escaravelhos e borboletas, que montava numa prancheta. Rodeava-se de boiões de vidro com insectos mortos e do cheiro a éter (que o acompanhava para todo o lado pois levava sempre no bolso um frasco para matar os insectos).
Pelo meio surge a guerra mundial (e a dúbia posição da Suécia), viver com a possibilidade de evacuação em conjunto com as crianças da escola, as discussões políticas dos adultos, as emissões da BBC. Mas é o episódio que se inicia por um ataque de pânico, seguido do medo nocturno que o impede de fechar os olhos, o que mais impressiona em todo o livro. A depressão leva-o ao Inferno (ao terminar o livro Tranströmer diz que afinal aquilo foi só o Purgatório): “No Inverno dos meus quinze anos fui atingido por uma angústia profunda. Fui aprisionado por um holofote que emitia escuridão em vez de luz. (...) A dimensão mais importante da existência era a Doença. O mundo era um imenso hospital. Via diante de mim pessoas de corpo e alma desfigurados. O candeeiro aceso esforçava-se por afastar os seus rostos pavorosos, mas às vezes eu dormitava, as pálpebras caíam, e aquelas faces medonhas tomavam-me de assalto. (...) Agora tinha penetrado numa terra desconhecida, aonde nunca desejara ir.” É nesta altura, a par do começo dos seus estudos de Latim (“um fantasma que ia para a escola todas as manhãs e assistia às aulas”), que o impulso para a escrita de poesia - e também o piano, outras das vocações de Tranströmer - se manifesta.
O volume As Minhas Lembranças Observam-me inclui também Primeiros Poemas, uma dúzia de poemas que Tomas Tranströmer nunca quis incluir em nenhum livro.