Auditoria Cidadã à Dívida Pública quer moratória sobre o pagamento aos credores
A IAC reconhece que “as consequências de um passo como este não são leves”, mas recusa que isso leve à impossibilidade de pagar salários e pensões por parte do Estado, porque, “uma vez suspenso o serviço da dívida, as receitas públicas podem cobrir as despesas correntes do Estado enquanto a negociação [com os credores] decorre”.
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A IAC reconhece que “as consequências de um passo como este não são leves”, mas recusa que isso leve à impossibilidade de pagar salários e pensões por parte do Estado, porque, “uma vez suspenso o serviço da dívida, as receitas públicas podem cobrir as despesas correntes do Estado enquanto a negociação [com os credores] decorre”.
E defende como “urgente a reestruturação da dívida pública liderada pelo Estado soberano [português], estendendo a maturidade dos empréstimos, reduzindo as suas taxas de juro, ou mesmo reduzindo o capital em dívida”. Ressalva contudo que o início de negociações com a troika, na sua qualidade de representante dos credores, pressupõe “uma grande determinação” e “forte apoio social”, mas considera que esse apoio “começa a existir”, em resultado de uma “clara consciência da gravidade da situação”.
Estas são ideias fortes de uma nota de imprensa que a Comissão da IAC divulgou hoje por ocasião da sua actividade, que está próxima de completar um ano. A recusa da austeridade já vem de trás, quando em Dezembro do ano passado a Convenção de Lisboa que deu origem a esta organização declarou que “a austeridade, o nome dado a todos os cortes e confiscos, não resolve nenhum problema, nem sequer os da dívida e do défice público. Pelo contrário: conduz ao declínio económico, à regressão social, e depois disso à bancarrota”.
O que é novo é que, face à evolução do país, a IAC conclui que não se enganou. “Apesar de todos os cortes, o Governo falhou nas metas do défice de 2011 e 2012”, e simultaneamente “a dívida pública não parou de crescer”. E lembra que “antes do memorando”, entre o primeiro trimestre de 2010 e o mesmo trimestre de 2011, “a dívida aumentou 20.7 mil milhões de euros”, e “depois do memorando, também num só ano (do primeiro trimestre de 2011 ao mesmo trimestre de 2012) aumentou ainda mais: 26.6 mil milhões de euros”.
A Comissão da Auditoria à Dívida Pública avisa que “por este caminho a dívida continuará a aumentar no futuro”. No memorando da troika previa-se que passasse de 106,4% do PIB, em 2011, para 112,9%, em 2015. Mas segundo o Eurostat, no primeiro trimestre do ano em curso já havia chegado aos 111,6%. “De ‘revisão em alta’ em ‘revisão em alta’ a realidade vai fazendo explodir metas do memorando”, lê-se na mesma nota de imprensa.
A IAC levanta ainda algumas outras questões, como se a auditoria deve dirigir-se em exclusivo à dívida pública, que “é apenas uma parte de um problema mais vasto: o endividamento externo”, ou ainda se é possível identificar “parcelas” legítimas e ilegítimas da dívida.
Isto porque “a dívida bancária, pela ligação umbilical estabelecida entre Estado e finança privada, é ainda mais ameaçadora do que a dívida pública”. Por outro lado, considera-se que quando o serviço da dívida “é feito à custa da ruptura de compromissos do Estado como aqueles que o Estado contraiu junto de pensionistas, reformados e desempregados”, a prioridade aos compromissos contraídos junto dos credores “é de facto ilegítima”.
A Iniciativa para a Auditoria Cidadã à Dívida Pública foi criada numa convenção de mais de 700 pessoas, onde foi instituída uma Comissão de Auditoria com 44 personalidades, onde se incluem os economistas José Reis e José Castro Caldas (da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra) e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos. O ex-dirigente da CGTP Carvalho da Silva e activistas sociais como João Camargo e João Labrincha (envolvidos na convocação da manifestação de dia 15 deste mês e de Março do ano passado) também fazem parte da comissão.