Mais umas eleições que todos sabem que Lukachenko vai ganhar

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Assistência muito pouco entusiasmada num acto de campanha de Alexandre Lukachenko Vasily Fedosenko/AFP

A Bielorrússia, a última ditadura da Europa, dirigida por um saudosista do estalinismo, vai hoje a votos, para eleger um novo Parlamento. Mas estas são umas eleições legislativas sem suspense, pois os dois principais partidos da oposição apelaram ao boicote, depois de os candidatos com mais hipóteses de serem eleitos terem sido impedidos de se registarem. "Vão pescar, ou vão visitar a família", aconselharam os líderes do Partido Cívico Unido e da Frente Popular da Bielorrússia.

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A Bielorrússia, a última ditadura da Europa, dirigida por um saudosista do estalinismo, vai hoje a votos, para eleger um novo Parlamento. Mas estas são umas eleições legislativas sem suspense, pois os dois principais partidos da oposição apelaram ao boicote, depois de os candidatos com mais hipóteses de serem eleitos terem sido impedidos de se registarem. "Vão pescar, ou vão visitar a família", aconselharam os líderes do Partido Cívico Unido e da Frente Popular da Bielorrússia.

"Eu sei que não seria eleito. E não é porque as pessoas não votariam em mim", disse Grigori Kostusev, a segunda figura da Frente Popular. "Pessoas honestas não podem participar em pseudoeleições para um falso Parlamento", disse Anatoli Lebedko, líder da União Cívica. Seja como for, já não havia uma única voz discordante do Presidente Alexandre Lukachenko no actual Parlamento de Minsk, e nada faz suspeitar que as coisas se alterem nestas eleições.

"Em quatro anos, os deputados adoptaram apenas três leis. De resto, não fizeram mais do que avalizar tudo o que emanou da administração presidencial", declarou Lebedko à AFP.

Pequenos partidos da oposição vão participar nas eleições, embora as hipóteses de serem eleitos sejam muito remotas. Segundo a AFP, 20% dos eleitores podem boicotar o voto. Ainda assim, metade dos eleitores recenseados poderá ir às urnas - o mínimo para que sejam consideradas válidas, disse à agência francesa o sociólogo independente Oleg Manaiev.

O boicote, no entanto, está a enervar Lukachenko. "Se fossem mesmo oposição, lutariam até ao fim pelo poder, pelos interesses da nação. Mas é uma quinta-coluna, agem em benefício de certos poderes, alguns deles exteriores ao nosso país", reagiu o Presidente, retomando um tema que lhe é costumeiro: o dos traidores internos que agem em nome de inimigos externos.

Lukachenko é um ditador que governa a Bielorrússia há 18 anos com mão de ferro e em crescente isolamento, e com sinais de paranóia cada vez mais claros. Vai para todo o lado com o seu filho mais novo, Kolya, de sete anos, que se diz que está a formar para lhe suceder, "daqui a 20 ou 25 anos", quando o pai, um antigo apparatchik que sonhava com o Kremlin, deixar o poder.

Oitenta por cento dos votos

Kolya, um menino de cabelos louros e que tem uma pistola dourada que mostrou ao então Presidente russo Dmitri Medvedev há quatro anos, vai com o Presidente para todo o lado. "Se não estou em casa, não come nem dorme. Está ligado a mim como uma cauda. Por isso sou forçado a levá-lo comigo até nas visitas ao estrangeiro", disse Lukachenko. Por isso também levou a criança consigo quando foi votar nas eleições presidenciais de Dezembro de 2010 - que ganhou com 80% dos votos e amplas denúncias de fraude.

Pelo menos 20 mil pessoas vieram para a rua, em protestos reprimidos com violência. Sete dos nove políticos que se candidataram contra Lukachenko foram detidos, e alguns ainda estão presos - juntamente com criminosos de delito comum. Outros políticos e activistas fugiram do país.

Depois da explosão de uma bomba na estação de metro de Oktiabrskaia, em Minsk, a 11 de Abril de 2011, em que morreram 15 pessoas, o torniquete securitário foi ainda mais apertado. Lukachenko visitou o local, ainda com sangue no chão, com o seu filho preferido, o pequeno Kolya. Em Março de 2012, duas pessoas foram executadas, consideradas culpadas do atentado, embora muitos bielorrussos não acreditem que tivessem alguma coisa a ver com o atentado: o julgamento recordou os tempos estalinistas, às confissões alegadamente arrancadas à força de tortura a Vladislav Kovaliov e Dmitri Konovalov faltava o motivo, dizia a The Economist.

Neste momento, há, pelo menos, 13 presos políticos no país - mas 2200 pessoas foram presas nos últimos dois anos, escreveu o jornalista Andrej Dinko num artigo de opinião no New York Times, em Julho. "Lukachenko transformou a Bielorrússia numa espécie de colónia prisional. A possibilidade de ir parar à prisão é um risco constante para milhões de pessoas, e um travão até para as tarefas diárias mais corriqueiras."

Em consequência dessa repressão, a União Europeia impôs sanções contra Lukachenko e cerca de outras 200 figuras do regime, que incluem o impedimento da entrada nos países da UE, e o encerramento das embaixadas dos países dos Vinte e Sete em Minsk.

Lukachenko foi impedido de ir a Londres, aos Jogos Olímpicos, por causa destas sanções, mas em resposta elaborou uma lista negra de uma centena de bielorrussos que estão impedidos de deixar o país - na qual se inclui o primeiro Presidente do país após a decomposição da União Soviética, em 1991, Stanislav Chuchkevitch.

A Internet é o inimigo

Após as presidenciais de 2010, houve uma clara intenção de esmagar a oposição, e depois das Primaveras Árabes, o furor em torno da Internet como uma forma de organizar a resistência levou Lukachenko a virar as suas atenções também para a Web. "Os jovens, cujas acções se inspiram nas experiências das revoluções das Primaveras Árabes, são consideradas o perigo principal para o regime", disse à AFP o analista político Alexei Korol

No início do ano, entrou em vigor uma nova lei, que exige que todas as empresas usem apenas os domínios de Internet nacionais para fornecer serviços em linha, vender ou comprar, ou até para enviar emails. E os fornecedores de acesso bielorrussos são obrigados a detalhar ao Governo todas as especificidades técnicas da sua rede e preservar a identificação de todas as máquinas que usam os seus serviços, explica o Libération. Mesmo um cidadão normal é responsabilizado pelo uso que outra pessoa faça do seu computador, se navegar em domínios que não sejam bielorrussos. "É a privatização da censura estatal: exige-se que toda a gente seja um espião para o Estado", escreveu Mike Harris, da organização Index on Censorship no Guardian.

Houve protestos imaginativos e pacíficos que muito irritaram o regime: não só o "bombardeamento" de ursinhos de peluche com mensagens contra o regime, organizado por criativos de publicidade suecos (que levaram à expulsão do embaixador sueco de Minsk), como o bater de palmas quando Lukachenko falava, ou um grupo no Facebook chamado "Criminosos Procurados com Roupas à Civil", que expunha fotografias de agentes do KGB (que prendem e espancam pessoas, actuando com roupas normais).

Por isso, dinamizadores de grupos na Web social, em sites como VKontakte - o maior rival do Facebook na Rússia e na Bielorrússia - têm sido alvos preferidos do KGB, uma organização em tudo semelhante à sua extinta congénere soviética, já extinta.

As detenções e agressões de contestatários ao regime de Lukachenko que se exprimem na Internet multiplicaram-se com o aproximar das legislativas, dizem os militantes da oposição - até de menores. Esse foi o caso de Roman Protassevitch, que foi preso e espancado no fim de Agosto por agentes em roupas civis, embora tenha apenas 17 anos, conta a AFP. O seu "crime" era dirigir na rede social VKontakte dois sítios contestatários, um deles chamado Estamos Fartos de Lukachenko, que apela ao boicote nas eleições.

"Os polícias bateram-me nos rins e no fígado. Fiquei a urinar sangue durante três dias. Ameaçaram-me de que iriam acusar-me de homicídios não resolvidos", contou o adolescente Protassevitch à AFP, que nasceu um ano depois de Lukachenko ter chegado ao poder.

Intimidação e detenção de jornalistas - nacionais e estrangeiros - e negação de vistos a observadores da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) fazem parte do cenário destas eleições legislativas. Lukachenko nunca as iria perder, mas faz parte da sua filosofia nunca dar nem uma migalha de oportunidade, como explicou aos atletas da Bielorrússia, antes de partirem para os Jogos Olímpicos de Londres, num discurso muito parco em espírito olímpico: "Só interessa a vitória. O mais importante não é participar - é ganhar."