As cidades portuguesas renderam-se às cicloficinas
Acontecem em cidades diferentes mas as regras são semelhantes: quem quiser aprender ou ensinar sobre bicicletas só tem de se fazer acompanhar do veículo. As cicloficinas são sempre gratuitas
Não é uma ideia portuguesa, mas as nossas cidades souberam adaptá-la a uma realidade que nem sempre foi amiga das duas rodas. Começou em Lisboa, em 2008, ainda que com uma periodicidade errática e com moldes itinerantes, e espalhou-se quer para Norte, no Porto, quer para Sul, no Seixal, ainda que em circunstâncias distintas.
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Não é uma ideia portuguesa, mas as nossas cidades souberam adaptá-la a uma realidade que nem sempre foi amiga das duas rodas. Começou em Lisboa, em 2008, ainda que com uma periodicidade errática e com moldes itinerantes, e espalhou-se quer para Norte, no Porto, quer para Sul, no Seixal, ainda que em circunstâncias distintas.
“Através da Internet tornou-se fácil saber que existiam cicloficinas noutros locais do mundo, nomeadamente em Espanha e em Itália, e quando a cultura portuguesa se começou a adaptar mais ou menos à bicicleta, decidimos avançar”, conta Tiago Carvalho, 31 anos, da lisboeta Cicloficina dos Anjos. O que arrancou, há quatro anos, sem um local próprio onde guardar ferramentas ou peças, é hoje um evento semanal que vai, até, além das bicicletas: sempre gratuitamente, desde que as pessoas levem as suas biclas.
Mais regular desde Março de 2011, a Cicloficina dos Anjos realiza-se numa sala cedida, “a título gratuito”, pela associação Regueirão dos Anjos n.º69 (RDA 69) – uma estabilidade que as cicloficinas do Porto e do Seixal ainda não conseguiram atingir. Inicialmente reticentes em estabelecer uma periodicidade semanal, os dinamizadores viram as expectativas superadas. “Tem havido um crescimento que, naturalmente, obedece, em Lisboa, ao crescimento do uso da bicicleta”, considera o engenheiro do ambiente que usa as duas rodas como transporte diário.
Todas as quartas-feiras, entre as 19h00 e as 23h00, os Anjos recebem entre 10 a 15 pessoas que querem aprender a fazer a manutenção das suas bicicletas ou ajudar na recuperação de biclas antigas. Lojas dedicadas às duas rodas doam peças e ferramentas, o que ajuda nos arranjo semanais.
Cicloficinas não são bazares
“A ideia não é as pessoas estarem lá a vasculhar o material e levar para casa uma peça a que acham piada. A ideia é: se queres aquela peça, tens de provar que precisas dela e, para isso, tens de levar a tua bicicleta e arranjá-la”, explica Tiago Carvalho. Sérgio Moura, da cicloficina do Porto, subscreve: “Nós não damos, ensinamos a fazer a manutenção. Não é só pousar a bicla e esperar, é gostar do conhecimento.”
No Porto, a cicloficina já teve várias casas. Sérgio Moura, um dos pioneiros, a par de Hugo Cardoso e Daniel Carvalho, conta que a Casa Viva foi o primeiro espaço a acolher a cicloficina e a funcionar como ponto de encontro para ciclistas de toda a cidade. Apesar de “nunca ter sido um evento muito badalado”, foi-se mantendo nos últimos três anos.
Os ciclistas do Porto passaram, depois, “pelo coreto da Cordoaria e por uma feirinha de Aldoar”, até se instalarem na antiga escola da Fontinha, onde tinham espaço para guardar ferramentas e receber doações. Aí se mantiveram até o movimento Es.Col.A ter sido despejado pela Câmara Municipal do Porto.
Desde então que a cicloficina do Porto tem tido dificuldades em retomar a actividade com mais regularidade, algo que Sérgio Moura, sócio de uma loja de biclas em Matosinhos, espera vir a ficar resolvido depois deste sábado, 22 de Setembro. É que a Casa da Horta – Associação Cultural, na Ribeira do Porto, vai acolher os voluntários das biclas, a partir das 17h00.
Seixal também luta por espaço fixo
Ao contrário da Cicloficina dos Anjos, onde são promovidas angariações de fundos com direito a jantares e visionamento de filmes, no Porto e no Seixal isto ainda não é possível, apesar do desejo dos seus dinamizadores.
Na cidade da Margem Sul, a mais recente sessão da cicloficina aconteceu no último sábado, 15 de Setembro, no Clube de Canoagem da Amora, junto ao rio, inserida na Semana Europeia da Mobilidade. Tiago Santos, da organização, conta que repararam cerca de 15 bicicletas e receberam desde simples curiosos a ciclistas de todos os dias.
Foi, aliás, o Clube de Canoagem da Amora a receber a primeira edição da cicloficina do Seixal, há cerca de dois anos, onde apenas compareceram três pessoas. “Houve alturas em que não aconteceu, já mudámos algumas vezes de horário e de local”, explica Tiago Santos, 28 anos, engenheiro informático que também usa a bicla para ir para o trabalho.
Uma cicloficina é, para Tiago Santos, “algo que se consegue fazer com poucos custos e que atrai bastantes pessoas”, mas no Seixal ainda não conseguiram encontrar um espaço fixo e apropriado para a recuperação de biclas e armazenamento de peças. Talvez no futuro próximo, caso se concretize a criação de uma rede de bicicletas partilhadas no concelho do Seixal.