Holanda: A eurofobia de Wilders não o aproxima do poder
As sondagens dizem que o seu Partido da Liberdade deve passar de terceira para quarta força mais importante. Apresentou um programa eleitoral centrado não só numa eurofobia extrema, mas também em ideias que isolariam a Holanda no palco internacional, como deixar de contribuir para as Nações Unidas, "enquanto incluir países muçulmanos".
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As sondagens dizem que o seu Partido da Liberdade deve passar de terceira para quarta força mais importante. Apresentou um programa eleitoral centrado não só numa eurofobia extrema, mas também em ideias que isolariam a Holanda no palco internacional, como deixar de contribuir para as Nações Unidas, "enquanto incluir países muçulmanos".
"Face à crise económica, a Europa era um tema fácil. A retórica permaneceu a mesma, só o inimigo é que mudou", disse à AFP Claes de Vreese, professor na Universidade de Amesterdão, que acusa Wilders de "oportunismo."
O que em poucos anos tornou conhecido internacionalmente este político de 49 anos, que só em 2006 entrou para o Parlamento holandês, foi a virulência do seu discurso anti-islão, que ele considera uma ameaça para a cultura holandesa e para os valores ocidentais. Compara o Corão ao Mein Kampf, de Hitler, sem pestanejar, e é autor de um filme, Fitna, que lhe valeu um processo por insultar grupos étnicos e religiosos e incitar ao ódio e à discriminação. Numa decisão polémica, foi considerado que não extravasou os limites da liberdade de expressão, num processo em que a sua defesa, dizia ontem a Reuters, terá sido financiada por organizações norte-americanas anti-islão.
Mas Wilders assumiu um papel cada vez mais proeminente na vida política holandesa. Nas eleições de 2010, o seu partido obteve 24 assentos parlamentares, que lhe permitiram desempenhar o papel de "facilitador parlamentar": sem entrar na coligação de governo, concordou em não se opor às medidas do executivo. Isto até Abril passado, quando resolveu que não toleraria um acerto orçamental de 16 mil milhões de euros para que o país cumprisse o limite de 3% do défice imposto pela União Europeia. "As exigências de Bruxelas são uma estupidez. O desemprego subiria e não posso defendê-las perante os meus eleitores. Os reformados perderiam poder de compra", disse Wilders, batendo com a porta ao primeiro-ministro Mark Rutte.
"Wilders foi responsável por lançar a Holanda numa crise política no meio da crise do euro. Esta é umas principais razões pelas quais o seu partido não deve ter bons resultados", escreveu Rene Cuperus, investigador da Fundação Wiardi Beckman, um think tank ligado ao Partido Trabalhista, no site do projecto Extremis, de cientistas sociais especialistas em movimentos extremistas.
As projecções para estas eleições apontam para que Wilders não consiga mais do que 18 lugares no Parlamento. "Uma coisa parece clara, ninguém quererá colaborar com o Partido da Liberdade!", disse à AFP Andre Krouwel, politólogo da Universidade Livre de Amesterdão. "A decisão de retirar o apoio ao governo de Mark Rutte reintroduziu a relutância em governar com um partido populista entre os líderes dos outros partidos de direita", sublinha o cientista político holandês Cas Mudde, especialista em extremismos e populismos europeus, num artigo publicado também no site Extremis.
Breivik e as deserçõesMas há outros motivos para estar a descer eleitoralmente. As ideias radicais do seu manifesto fazem pensar duas vezes: não só quer sair da UE imediatamente - substituindo o mercado único europeu por acordos bilaterais - como quer deixar de contribuir para o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a ONU e reduzir a metade a ajuda ao desenvolvimento, a ajuda em caso de catástrofes naturais e o envolvimento em missões de paz. "O único país que não paga ao FMI, à ONU e ao Banco Mundial é o Vaticano. Onde quer chegar? Assim só arruinamos a nossa posição internacional", comentou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Uri Rosenthal, citado pelo jornal espanhol El País.
Por outro lado, o partido de Wilders foi agitado nos últimos meses pela deserção de vários deputados, queixando-se de que o seu líder é um ditador do estilo norte-coreano. É impossível entrar em contacto com ele, disseram Marcial Hernandez e Kim Kortenoeven, quando anunciaram a sua saída, em Julho.
Não é assim tão estranho: Wilders vive vigiado 24 horas por dia por seis seguranças, sempre a mudar de sítio, por ter recebido ameaças de morte de grupos radicais islâmicos, por causa do filme Fitna. Ele conta o seu problema num livro lançado em Maio, Marcado para a morte: a guerra do islão contra o Ocidente e contra mim.
Este lado de ideólogo anti-islão e de auto-intitulado defensor dos valores ocidentais, apresentando-se como "o melhor amigo de Israel" - à semelhança do que fazem vários intelectuais e grupos norte-americanos, com ligações à direita israelita - é outro dos possíveis empecilhos ao sucesso de Wilders nestas eleições. A questão, nota Rene Cuperus, é que o assassino norueguês Anders Breivik o citou abundantemente como inspirador no seu manifesto.
Mas então isto quer dizer que o furacão Wilders está a perder fôlego e em breve não será mais que uma recordação? "É demasiado cedo para saber", afirma Mudde. "A maior parte dos seus oponentes reconhece (a contragosto) que Wilders é um dos melhores políticos da Holanda. Apoiado na hipérbole e valendo-se da desatenção dos oponentes que o subestimavam, foi capaz de transformar ataques legais e políticos em sucessos políticos. Não há motivos para pensar que não poderá fazê-lo de novo."