Reportagem: o intruso da tenda 3009

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Todos se conhecem, todos se tratam por "companheiro" Foto: Enric Vives-Rubio

Entrei na recepção, tirei uma senha, e quando chegou a minha vez disse à jovem no guichê que queria acampar.

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Entrei na recepção, tirei uma senha, e quando chegou a minha vez disse à jovem no guichê que queria acampar.

“Só com carta de campista”, objectou ela. “É sócio do CCCA [Clube de Campismo do Concelho de Almada]?” Se não, teria de me fazer sócio de outro clube, o Benfi ca ou o Sporting, sugeriu, para requisitar a carta de campista.

“Por que não do próprio CCCA?”, alvitrei. Difícil. Só se um sócio me propusesse, e ele precisaria de me conhecer bem. Depois, a proposta seria afi xada 15 dias, durante os quais qualquer sócio teria oportunidade de aduzir objecções à minha entrada no clube. No caso de não haver nenhuma, o requerimento subiria à direcção. Quando houvesse oportunidade, o presidente do conselho director reunir-se-ia com o secretário do conselho, para apreciarem o pedido. A decisão dependeria então de factores como a antiguidade do sócio proponente, a idoneidade e o comportamento desse sócio, bem como de uma avaliação das características do candidato. Além de tudo isto, a admissão de sócios está interrompida, por decisão especial da direcção, de 1 de Julho a 12 de Agosto.

“Vejo que não me querem mesmo como sócio do clube”, concluí.

“O Benfi ca ou o Sporting”, voltou a aconselhar a funcionária, sem qualquer expressão.

Optei pelo Automóvel Clube de Portugal, através do qual obtive a carta de campista. Apresentei-me no Parque da Caparica com o prestigioso documento. Surpresa: não havia vagas. Também não era possível fazer reservas. Era chegar e confiar na sorte. Após várias tentativas, havia fi nalmente um lugar: o número 800. Fui autorizado a vê-lo, embora o motivo da gentileza da funcionária fosse óbvio: acreditava que eu odiaria o sítio e iria embora. Afi nal era pior: eu realmente odiei aquele cotovelo de areia suja atrofiado entre a casa de banho e três roulottes, mas quando regressei à recepção para dizer que o aceitava, já tinha sido ocupado.

A minha sorte foi ter percebido que um casal de franceses, na única zona realmente reservada a tendas (com capacidade para quatro), se preparava para partir. Falei com eles e fiquei à espera que desmontassem a tenda, em cujo lugar armei a minha, um pequeno iglô de 35 euros. Quando fui registar-me, o facto estava consumado. Atribuíram-me o número 3009, mediante o pagamento de duas noites em avanço: uma tenda e um campista, sete euros e dez cêntimos por noite. Se incluirmos o carro, estacionado à porta da tenda, custa mais quatro euros por noite. Nada mau, para uma residência em cima da praia.

(A REPORTAGEM FOTOGRÁFICA DE ENRIC VIVES-RUBIO: CLIQUE AQUI)

Antes de sair da recepção reparei num pormenor: havia vários impressos disponíveis num placard. Um para a proposta de novo sócio, outros para inscrição nos vários torneios e um para… pedido de autorização para obras! Obras numa tenda? Decidi não fazer mais perguntas e dirigi-me ao meu alvéolo.

O local, na chamada Zona Verde, fi cava junto à porta de saída para o areal, já em cima das dunas. O meu primeiro acto como campista foi sair pela porta, apresentando ao guarda o cartão de utente do parque, para ir dar um mergulho no mar. A água estava morna e transparente, e a multidão de banhistas dispersava-se pelo imenso areal.

Voltei, apresentando o cartão ao guarda, tomei um duche e sentei-me à porta do iglô a observar o parque. O recinto tem uma área de 12 hectares e é cercado por um muro alto, encimado por arame farpado. Ao centro, há uma larga avenida, com um parque de estacionamento em espinha entre duas filas com 25 enormes bungalows brancos e novos: as Unidades Complementares de Alojamento.

Para cada um dos lados da avenida (a que os locais chamam a “espinha”), estendem-se os dois mil alvéolos, constituídos por uma roulotte e um avançado. São todos idênticos e distam entre si, na maior parte das zonas, cerca de um metro, ou menos. A maioria dos alvéolos, ou “unidades de alojamento”, está cercada por outros alvéolos por todos os lados, ou tem a entrada voltada para um “carreiro”, uma espécie de rua com pouco mais de um metro de largura. Por esse motivo, quando um campista pretende retirar a sua roulotte (o que é raro acontecer), a operação tem de ser efectuada com uma grua.

No momento havia, segundo a direcção, cerca de sete mil pessoas no parque. Na sua esmagadora maioria, sócios do CCCA, uma vez que só eles têm acesso ao recinto, com excepção da Zona Verde, onde, na prática, como pude confi rmar, só há lugar para quatro tendas pequenas. O resto da Zona Verde está ocupado em permanência (durante meses ou anos) por tendas grandes pertencentes a sócios.

Do meu observatório foi desde logo evidente que os campistas cumprem rotinas muito semelhantes: de manhã vão à praia; entre as 12h e as 13h voltam para o almoço, que dura entre três e quatro horas e consiste em churrascos de peixe confeccionados no grelhador a carvão, que todos têm à porta do alvéolo; a seguir (geralmente), as mulheres vão lavar a loiça (os homens tiveram a cargo o barbecue); praia outra vez, não por muito tempo; às 17h30 é preciso regressar para lavar os caracóis do lanche; à noite, outra vez churrasco, mas agora de carne: febras, costeletas ou entrecosto; mais tarde, é a hora dos petiscos e das festas. Tanto ao almoço como ao jantar, é frequente ver dez ou vinte pessoas à mesa, pois os amigos ou familiares convidam-se uns aos outros.

Nos tempos intermédios, há jogos — vólei, básquete ou andebol para os mais novos, cartas, dominó ou malha para os homens mais velhos. As mulheres cuidam das plantas ou frequentam aulas de ginástica rítmica ou dança hip-hop.

Não faltam passatempos num parque que tem dois campos de jogos, um anfi teatro para “fogo de campo”, vários parques infantis, um salão de convívio, salas de bilhar, matrecos e pingue-pongue, aulas de ginástica e dança, teatro, bailes, campeonatos de BTT, torneios de sueca, aulas de informática para idosos, uma biblioteca, um centro de juventude, dois restaurantes, três cafés, três supermercados, um talho, uma peixaria e até uma roulotte de farturas. Tudo parece correr bem, todos andam felizes e todos se tratam por "companheiro".

Reparei, no entanto, que uma grande quantidade de homens com walkie-talkies circula pelo parque. Uns vestem a farda da empresa de segurança Vigiexpert, outros andam à paisana.

O tratamento por “companheiro” não me pareceu um gesto de hipocrisia. A afabilidade, a tolerância e o auxílio entre os campistas são evidentes. Na minha segunda noite resolvi sair, levando o carro. Quando voltei, pouco depois das 22h, havia uma fi la interminável à entrada. “Não há lugar para mais carros”, explicou-me um dos homens com walkie-talkie.

“Mas eu paguei por um lugar de carro”, protestei.

“Não importa. Quando o limite de carros é atingido [700, vim a saber], não entram mais. É preciso esperar até que saia algum.”

Esperei uma hora e consegui entrar, à tangente. Porque, à meia-noite em ponto, quem não entrou fi ca de fora. Os portões fecham-se e é preciso estacionar na estrada. “Companheiro, lamento, não entra mais ninguém.”

“OK, companheiro. Até amanhã.” Nem um protesto.

No dia seguinte, fui a Lisboa. Dormi em casa e regressei ao parque, não de carro, mas de bicicleta. Entrei alegremente, exibindo o cartão, “boa tarde, companheiro”, pedalei em direcção à minha tenda. Passavam cinco minutos das 20h. Ouvi alguém gritar atrás de mim. “Ei! Desmonte! Já passa das oito horas!” Olhei em redor, ostensivamente. Automóveis circulavam em todas as direcções, dentro do parque. Faziam-no permanentemente, até à meia-noite. “Os carros podem circular e as bicicletas não?”, balbuciei. “Ordens!”

Obedeci. Comportei-me sempre como um companheiro exemplar, e por isso não merecia o que me fizeram a seguir.

Como só tinha pago duas noites, ao terceiro dia fui à recepção para liquidar mais cinco. Que não, declarou o funcionário. Pagaria a totalidade no fim. Regressei descansado ao alvéolo, que estava um forno sob a torreira do sol.

“Boa tarde, companheiro”, cantarolei ao porteiro, quando saí para a praia.

“Tenha cuidado. Olhe que vieram aí para lhe desmontar o material”, disse ele. Mas só percebi que falava a sério quando, no regresso, declarou, agora num tom realmente dramático: “Tenho ordens para lhe apreender o cartão.” Deveria dirigir-me imediatamente à secretaria, onde a documentação me seria devolvida. Lá obedeci, como sempre. A meio do caminho, fiz um desvio para ir à casa de banho. Imediatamente surgiu atrás de mim um segurança de bicicleta, em pedalada de grande urgência: “É o senhor da tenda 3009? Tem de se dirigir imediatamente à recepção!”

“Estou a caminho, mas vou só à casa de banho…”

“Não pode. Há uma casa de banho na recepção. Aliás, o senhor [já não era um companheiro] nem devia estar no parque, porque não pagou. Tenho ordens para o levar imediatamente à recepção.”

“Por que me está a tratar dessa maneira? Quem deu essas ordens?”

“Não lhe posso dizer de onde vêm as ordens”, disse o segurança, assumindo um ar de agente secreto. “É que não lhe vou mesmo dizer de onde vêm as ordens”, sublinhou, dando a entender que nem sob tortura revelaria a fonte.

Na recepção, foi-me explicado que, como só tinha pago duas noites, não podia estar no parque. Que me tinham procurado, como não me encontraram, tinham dado ordens para desmontar o material. Que o material não podia ficar abandonado, sem o campista lá dentro.

Perguntei se podia abandonar o “material” para ir à praia. Que sim, “mas só se tiver pago todas as noites”. Argumentei que tentara pagar, mas só acreditaram quando o próprio funcionário responsável pela informação errada o veio confirmar.

Lá paguei e ouvi um pirrónico pedido de desculpas, mas se até então era olhado com desconfi ança, agora era visto como um intruso.

De início, não percebi qual era o meu crime. Mas aos poucos ia fi cando claro por que razão era considerado persona non grata: é que, entre as sete mil pessoas daquele parque de campismo, eu era o único campista.

A maior parte das famílias do Parque da Caparica é composta por três gerações, sendo que a do meio é a menos representada. Avós e netos constituem os aglomerados típicos, uns reformados e outros estudantes, porque as férias aqui são longas — cinco meses, pelo menos. No resto do ano, um campista admitiu que vem todos os fins-de-semana. Sendo que este começa na quinta-feira e termina na terça. “À quarta vou a casa para ver o correio.” dam felizes e todos se tratam por “companheiro”.

Há muita gente que fi ca mesmo aqui o ano inteiro. O carácter permanente da ocupação é visível nos pavimentos das tendas — de tijoleira, azulejos ou soalho flutuante —, nos arbustos, nas heras, e mesmo árvores de fruto que adornam muitos alvéolos, na mobília e nos electrodomésticos que os recheiam.

Todas as tendas têm fogão, forno, microondas, frigorífi co, televisão com serviço Meo ou Zon, com antena parabólica, computador com Internet wi-fi , aquecedores, ventoinhas, sofás, cómodas, mesas, camas, roupeiros. Nalgumas é possível ver mesas de sala de vidro, candeeiros arte-nova, lustres. Tudo atafulhado num espaço exíguo para uma vivenda de férias, ainda que enorme para uma tenda.

Na realidade, cada alvéolo é composto por uma roulotte e um avançado de lona, com uma cobertura de pano amarelo sobre o conjunto. Na roulotte fi cam os quartos, no avançado a sala, funcionando a cozinha numa pequena tenda à parte, sob a mesma cobertura. Mas é frequente haver mais um ou dois quartos no avançado, e na roulotte terem sido montados beliches. Aliás, diz-se que alguns campistas escavaram o chão por baixo da tenda, para abrirem mais um piso, reservado a adega, arrumações ou mesmo quarto de dormir. Não consegui confi rmar isto. Os directores garantiram-me que é uma lenda.

Nas unidades maiores, o proprietário pode dar-se ao luxo de abrir parte da lona do avançado, transformando esse espaço numa esplanada. Isto se tem a sorte (ou o privilégio) de ter um alvéolo voltado para uma das ruas. Se estiver encravado entre centenas de outros alvéolos, com uma distância de meio metro entre cada um, a esplanada daria para o quarto do vizinho.

Não obstante, é por vezes nestes “bairros” impenetráveis que a animação é maior. Veja-se a festa do Carreiro da Alegria.

No parque do CCCA há festas em todas as noites de Verão. Algumas realizam-se nos restaurantes, de súbito transformados em boîtes, no salão de convívio, nos campos de jogos ou no “fogo de campo”. É necessário pedir licença à direcção do parque, que a concede na condição de não haver duas festas na mesma noite, para evitar concorrência.

Se, por exemplo, há uma sessão das Noites Tropicais no Pérola do Oceano, o restaurante Parque, atribuído a outro concessionário, no extremo oposto do recinto, não pode dar festa nessa noite. Talvez para compensar os prejuízos resultantes desta política económica de “regulação de Estado”, o Pérola aposta forte no comércio informal. Para se conseguir um recibo é preciso chamar o patrão e ouvir uma descompostura.

Mas na organização da festa ficou de lado a poupança. A banda, constituída por vocalista, baixista e organista, não teme a incongruência do repertório. Salta do tango para o pimba, com um pé na bossa nova e outro num género inovador a que eu chamaria “slow espiritual”.

“Mãe de Deus, tende piedade de nós”, chiava o cantor, enquanto os pares evoluíam em amplexos românticos, barriga contra barriga, antes de saltarem de braços no ar, entoando em coro “Mas quem será o pai da criança? Sei lá, sei lá”.

Homens de manga cavada e fi o de ouro, rapazes de camisa justa lilás e brinco, gel e patilha fi ninha, dançando com raparigas de vestido preto justo e curto e saltos altos, entradões anafados, de calção e chinelo, boné branco de pala para trás, raparigas em grupo à espera nas mesas, crianças a correr, outras de trotinete: é uma autêntica festa de aldeia, que mobiliza a comunidade inteira até às tantas.

Nos bairros, as festas, de carácter esporádico ou regular, têm mais personalidade. É famosa a do Carreiro da Alegria. Trata-se de um desses “becos” onde não se pode abrir os braços sem tocar na tenda do vizinho. O espaço é diminuto, mas os organizadores, que habitam as seis tendas alinhadas de ambos os lados do carreiro, conseguiram montar um sistema de karaoke, colunas de som, duas mesas repletas de comida e um balcão de bebidas. Estavam todos aos saltos no carreiro. “The roof, the roof is on fire”, cantavam. “Somos uns 30, de cinco famílias, o mais velho tem 66 anos e a mais nova dois, que foi feita no parque”, disse Francelina Jacinto, de 53 anos, a “matriarca do carreiro”, envergando uma T-shirt e um boné com um smile, o símbolo do Carreiro da Alegria.

O parque de campismo do CCCA existe há 42 anos, e grande parte dos seus utentes está cá desde essa altura. É o caso das famílias Terras e Vargas. Já vão na terceira geração. Compraram tendas junto uns dos outros, e agora constituem um bairro. Os churrascos são feitos alternadamente em casa do casal Terras ou Vargas, ou dos filhos. Nenhum deles pensa alguma vez sair daqui. “Isto é um condomínio privado junto à praia”, explicou Jacinto Terras, de 80 anos. A mulher, Manuela, não gosta de praia, mas valoriza o convívio. São famílias que vivem juntas há décadas, como nas aldeias que já não existem. Todos se conhecem. Os mais velhos são compinchas da sueca ou do dominó, os jovens deram aqui os primeiros passos, brincam na rua, começam a namorar.

Jacinto Terras e o filho, João, tiveram uma vez uma conversa. “Se nos saísse o Euromilhões, abandonávamos o parque?” Concluíram que não.

É notório que a maioria da população do CCCA pertence à classe média baixa. É barato. Um alvéolo aqui custa, hoje, entre três mil e cinco mil euros. Mais o aluguer do terreno, que ronda os 50 euros por mês. O problema é que não se consegue comprar não se sendo sócio do CCCA. Mesmo para estes é difícil, porque o espaço não se multiplica, como eles.

Quando alguém pretende desistir do seu alvéolo, pode pôr o material à venda. Mas o comprador não fi ca com direito ao terreno, que é colocado numa espécie de concurso, no qual o critério de preferência é a antiguidade do sócio. Ou o grau de amizade com os directores, dizem as más línguas.

Quem pretende comprar é colocado numa lista de espera. Quando surgem as oportunidades, o primeiro da lista pode optar. Se não lhe agradar a unidade à venda, por estar por exemplo num aglomerado irrespirável, pode declinar. Tem um ano para escolher, após o que perde o direito.

São regras complicadas, que permitem muitas discussões e confl itos. David Carneiro, de 35 anos, e Cristina Dias, de 32, com uma filha de quatro meses, compraram agora um bonito alvéolo, depois de anos a “viver” no dos pais dele. Aproveitei para perguntar a Cristina como poderia eu comprar também um alvéolo.

“Isso não é possível”, disse ela. “Nós só conseguimos porque o David é da direcção e amigo de pessoas…”

David corrigiu logo: “Estou em lista de espera há dois anos. Aliás, inscrevi-me para que não dissessem que foi por cunha.”

A pressão para comprar os espaços é tão grande que a direcção não consegue fazer o que devia: dar baixa dos alvéolos que vão sendo abandonados, para fazer diminuir a densidade de tendas no parque.

Legalmente, a distância mínima entre as tendas seria de dois metros. Aqui, segundo o próprio presidente do conselho director, Luís Filipe Ramos, dois terços do parque não cumprem essa regra. A concentração de tendas e de materiais, aliada ao facto de todas terem um grelhador em funcionamento diário, leva o risco de incêndio a um nível extremo. Todos os anos, aliás, tem havido fogos no parque, e, apesar dos muitos extintores, vive-se à espera de uma catástrofe.

A desculpa que a direcção tem apresentado é a de que, como o parque poderá ter de sair deste local, instalando-se nuns terrenos designados por Pinhal do Inglês, longe da praia, não faz sentido iniciar as obras antes que uma decisão seja tomada.

Com efeito, segundo o projecto Polis para a zona, os três parques de campismo junto à praia terão de ser deslocalizados. Além dos danos causados à zona de dunas e à arriba fóssil da Caparica, multiplicam-se as queixas contra os privilégios dos mais de 11 mil sócios do CCCA sobre toda aquela zona de terrenos públicos à beira da praia.

João Terras e Luís Filipe Ramos, que pertencem a uma direcção eleita por quatro vezes seguidas, dizem ser um erro tirar dali os parques. “Nós fi zemos crescer a Costa de Caparica”, alegou Luís Filipe Ramos. “Isto não é uma região de hotéis. As pessoas ou têm cá casa, ou vêm e vão de Lisboa todos os dias. Não estamos em Miami Beach. Aqui a água é fria e os areais estão a diminuir”, desvalorizou ele, para concluir que, se afastarem os sócios do CCCA, mais ninguém viria para aqui.

“Sem os parques, muita gente não poderia fazer férias na praia”, explicou o presidente. A missão dele é defender esse direito, para os 11 mil sócios do clube. Pouco lhe importa que aquela área imensa fi que vedada ao resto da população. “Temos de defender os nossos sócios. São eles que pagam as quotas.”

Ou que a actividade do clube seja menos campismo do que proporcionar casas de praia a uma multidão de pessoas que não são ricas.

“Dantes era horrível, era uma trabalheira, ter de montar e desmontar as tendas”, recordou Francisco Mateus, outro dos membros do clã Vargas. “Não havia electricidade. Tínhamos de acender um Petromax.”

E que tal abrir mais algum espaço para verdadeiros campistas, perguntei ao presidente.

“O que temos é pouco para os nossos sócios.”

E criar regras para impedir que as tendas estejam vazias a maior parte do ano?

“Quanto mais tempo estiverem vazias, mais rentável é para o parque, que recebe a mensalidade e não tem gastos em electricidade, água e gás”, respondeu João Terras. Um sócio pode estar meses ou anos sem ocupar a tenda, que nunca é desalojado. Mesmo que deixe de pagar, é, segundo Terras, “muito difícil que lhe desmontem o material. Só depois de muitos avisos, muitas reuniões da direcção”.

Já a tenda 3009, pertencente ao único campista do parque, ia ser desmontada porque o utente se ausentou por umas horas.

Para os directores, “o campismo de tenda às costas não é um modelo de negócio viável para os parques”. Já “não há disso em lugar nenhum”. O modelo do parque do CCCA representa “o campismo do futuro”.