Quando o sexo comanda a vida

Fantasias e uma vontade fora do normal de ter relações sexuais de forma recorrente. Afectou personalidades como o jogador de golfe Tiger Woods e o actor David Duchovny e tem consequências adversas a nível psicológico e social

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Pode passar horas a fio na Internet a pesquisar conteúdos pornográficos, desligando-se da actividade profissional ou da família. Pensa constantemente em sexo e em formas de o conseguir. Para isso não olha a meios para atingir o seu fim e pode gastar muito dinheiro em sites pornográficos ou em prostituição. Tem pouca capacidade em gerir estados emocionais negativos e usa o sexo para gerir emoções. Tenderá a ter inúmeros parceiros sexuais e a masturbar-se com bastante frequência.

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Este é o perfil que descreve uma pessoa que é dependente do sexo, ou seja, um indivíduo hipersexual. O termo dependência, neste tema, não é consensual na comunidade científica e este problema não é considerado doença.

Como o podemos então definir? Trata-se de uma Perturbação da Hipersexualidade e foi proposta recentemente como uma nova perturbação psiquiátrica, segundo esclareceu ao Ciência 2.0 Joana Carvalho, investigadora Pós-Doc da Unidade Laboratorial de Investigação em Sexualidade Humana – Sex Lab.

“Esta condição clínica é caracterizada por fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos, que conduzem o indivíduo a consequências adversas, a sofrimento clínico e a alterações significativas na sua vida pessoal e ocupacional”, explica.

Apesar de não ser reconhecida como dependência, apresenta, de facto, algumas características semelhantes à dependência de drogas, visto que “indivíduos hipersexuais não conseguem controlar o comportamento sexual ou fantasias, descritas como preocupações sexuais de carácter obsessivo”, acrescenta a investigadora, formada em Psicologia Clínica.

Segundo avançou ao Ciência 2.0 Joana Carvalho, um estudo recente (Psychological adjustment and stress management as predictors of sexual compulsivity in male and female college students) de que é autora, em conjunto com investigadores do Sex Lab, avaliou a relação entre as dimensões do ajustamento emocional, estratégias para lidar com os problemas/stress, e a compulsividade sexual em ambos os sexos. A investigação concluiu que relativamente ao ajustamento emocional, a impulsividade nas mulheres pode estar associada à compulsividade no comportamento sexual, o que não acontece com os homens. Já o afecto negativo e a dificuldade em identificar emoções (alexitimia) estava associada à compulsividade sexual em ambos os sexos.

Sexo para regular o stress

Nos casos de hipersexualidade, o sexo tem como objectivo regular estados de stress e não o prazer sexual. No estudo realizado pelo Sex Lab concluiu-se ainda que, dentro das formas para lidar com o stress, o evitamento, isto é, a negação de situações problemáticas, está também associado a esta questão, o que corrobora várias investigações feitas a nível internacional.

O que não existem são estudos que avaliem, por exemplo, as estruturas neurológicas, ao contrário do que existe na dependência de estupefacientes.

Esta vontade compulsiva de ter relações sexuais pode estar associada, por outro lado, a valores sociais vigentes no que respeita principalmente a um maior liberalismo sexual que é característico das sociedades ditas ocidentais, segundo salienta Joana Carvalho. “O comportamento sexual é fortemente condicionado por aspectos culturais. Estes valores podem condicionar em grande parte esta síndrome, levando-nos a questionar se de facto se tratará de uma doença ”, sublinha.

No entanto, reconhece-se que existem várias consequências associadas a este comportamento hipersexual, como são os casos de comportamentos de risco, doenças sexualmente transmissíveis, agressão sexual, gravidezes indesejadas, problemas financeiros ou ainda à disrupção de vínculos familiares.

Actualmente, para se determinar se uma pessoa sofre desta condição clínica, de acordo com Joana Carvalho, atende-se a “ter durante um período de pelo menos seis meses, fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que devem estar associados a alguns critérios, como por exemplo, 1) o tempo consumido nesses comportamentos interfere com as outras actividades e obrigações do indivíduo, 2) recorrer ao uso de fantasias/comportamentos sexuais para gerir estados de stress, 3) incapacidade em controlar os comportamentos sexuais mesmo após várias tentativas, entre outros”. “Adicionalmente, estes sintomas devem ser vistos pelo indivíduo como fortemente disfuncionais e causadores de problemas pessoais e relacionais, e não devem estar associados ao uso de drogas ou medicação”, acrescenta.

A nível de abstinência, não existem dados concretos, apenas que existem sintomas semelhantes aos da abstinência das drogas, relativamente à irritabilidade e a alterações de humor. Para o tratamento desta condição, “são efectuados treinos de gestão de stress e é feita muitas vezes uma intervenção ao nível do casal para que este possa superar esta condição clínica”, refere a investigadora, que aconselha a quem tenha este tipo de problemas a procurar ajuda em consultas de sexologia clínica.

Maior “dependência” nos homens ou nas mulheres?

Quanto a este aspecto, a maioria dos estudos indica que são os homens quem mais sofre deste distúrbio. “Porém, consideramos que, por condicionalismos sócio-culturais, as mulheres possam referir ter menos indicadores de hipersexualidade do que aquilo que realmente têm/sentem”, descreve a investigadora.

Os vários estudos que têm sido realizados sobre este problema são consensuais em relação à ligação entre os sintomas de “dependência” sexual e as diversas características do foro psicopatológico, tais como depressão, psicoticismo, ansiedade, impulsividade ou sintomas obsessivos/compulsivos.

"É importante que haja a noção de que sexo a mais não é problemático, e que esta condição clínica só se coloca quando para a pessoa isso passa a ser sentido como um problema, pelas consequências pessoais, sociais, etc.", esclarece a investigadora.