Porque te calas?!
A realidade ainda não lhes é insuportável, nem vislumbram alternativas ou modelos que lhes pareçam melhores. Até quando?
Em Espanha falam da geração dos “pre-parados”: na fila para o desemprego, ainda que mais qualificados e escolarizados do que em qualquer outra geração. Detentores de uma licenciatura, mestrado ou mesmo doutoramento, amantes da cultura, do lazer e da ecologia, navegantes exímios nos labirintos da net e das redes sociais, eis que vivem todavia num mundo precário. Quando trabalham é em “projectos” ou a “tempo parcial”, ainda que se sintam realizados por serem inovadores, por as culturas organizacionais valorizarem os “grupos autónomos”, por gostarem do “co-working” e dos “open spaces” ou por se representarem como pertencendo às “classes criativas”, manejando as”indústrias criativas”, vivendo em “bairros criativos” de “cidades criativas”, numa economia global “criativa”. Sabem, como ninguém, que a vida é uma constante performance e que se lhes exige “autonomia”, “flexibilidade”, “adaptação”.
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Em Espanha falam da geração dos “pre-parados”: na fila para o desemprego, ainda que mais qualificados e escolarizados do que em qualquer outra geração. Detentores de uma licenciatura, mestrado ou mesmo doutoramento, amantes da cultura, do lazer e da ecologia, navegantes exímios nos labirintos da net e das redes sociais, eis que vivem todavia num mundo precário. Quando trabalham é em “projectos” ou a “tempo parcial”, ainda que se sintam realizados por serem inovadores, por as culturas organizacionais valorizarem os “grupos autónomos”, por gostarem do “co-working” e dos “open spaces” ou por se representarem como pertencendo às “classes criativas”, manejando as”indústrias criativas”, vivendo em “bairros criativos” de “cidades criativas”, numa economia global “criativa”. Sabem, como ninguém, que a vida é uma constante performance e que se lhes exige “autonomia”, “flexibilidade”, “adaptação”.
Por isso, frequentam workshops, pedem bolsas, fazem-se uma espécie de híbridos: nem dentro nem fora do sistema, nem a estudar nem a trabalhar, nem excluídos nem integrados. Muitos são verdadeiros artistas do marketing pessoal, do curriculum europass e da cultura de portefólio. Ao contrário dos pais, não possuem propriedade: nem casa, nem carro, nem poupanças no banco. Se necessário, vendem o passe a meio do mês para, dois dias depois, se o vento sopra de feição, o voltarem a comprar; aproveitam os pontos Wi Fi gratuitos e as borlas nas iniciativas culturais. Num universo de aparente abundância, não lhes falta música, nem livros, nem informação, há sempre dinheiro para uma cerveja com os amigos e nada – mas nada – os faria trocar a vida que têm pelados progenitores, ainda que mal pagos, desempregados a maior parte do tempo e sem qualquer garantia de futuro.
A realidade ainda não lhes é insuportável, nem vislumbram alternativas ou modelos que lhes pareçam melhores. Uma rapariga disse-me há dias, perante a possibilidade de não poder pagar o passe, que melhor assim: passaria a andar de bicicleta, o que era gratuito, ecológico, desportivo e sexy.
Parece haver uma nuvem, densa e pesada, entre as vidas destes jovens adultos e a avidez de um sistema que destrói todos os obstáculos à acumulação de lucro (particularmente quando se trata de salários ou de estabilidade e protecção social). Sendo intensamente explorados, não se sentem nem se representam como tal. Todos os dias, o bombardeamento ideológico é atroz, ainda que difuso, suave e doce, como o ar que se respira. Sem o saberem, participam nas grilhetas que os aprisionam. Até quando?