“Nós que trabalhamos com os animais prestamos mais atenção à parte animal nos humanos”

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Maria e os seus "filhos" José Fernandes

Maria Manuela tem 44 anos e 20 destes foram passados “dentro de água” a treinar mamíferos marinhos. Quando começou a exercer a sua profissão não existia em Portugal nenhuma formação académica para isso. Portanto, sente-se segura para afirmar que foi” provavelmente a primeira portuguesa a ser treinadora de mamíferos marinhos. Pelo menos em Portugal.”

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Maria Manuela tem 44 anos e 20 destes foram passados “dentro de água” a treinar mamíferos marinhos. Quando começou a exercer a sua profissão não existia em Portugal nenhuma formação académica para isso. Portanto, sente-se segura para afirmar que foi” provavelmente a primeira portuguesa a ser treinadora de mamíferos marinhos. Pelo menos em Portugal.”

“Gostava de trabalhar com animais, mas a parte de veterinária nunca me atraiu muito. O que me agradava mesmo era a relação com o animal”, sublinhou Maria Manuela. A treinadora e tratadora tem pouco mais de metro e meio de altura, cabelo castanho “esgadelhado” já com alguns intrusos brancos, pele bronzeada e um rosto de feições joviais.

Nas suas costas podia-se ver os golfinhos a nadar pelo tanque, antes do início do primeiro espectáculo do dia, emitindo chamamentos em tom grave. Vinham à tona da água, com meio focinho de fora, para bisbilhotar o indivíduo estranho ao seu “habitat”. Já os leões-marinhos tinham ficado responsáveis pelos agudos da banda sonora.

Este trabalho, como qualquer carreira profissional, é “uma progressão ao longo do tempo.” Nos primeiros dois anos, os “formandos” começam sempre por aprender as pequenas tarefas como a higiene e a alimentação – por exemplo, na preparação do peixe: lavá-lo, tirar a escama e ainda acrescentar as vitaminas.

“Para ter uma ideia, são precisos dois anos de formação para pôr os pés no tanque. As apresentações que se fazem diariamente são apenas 10% do nosso trabalho”, explicou a treinadora. O dia-a-dia tem muitas tarefas. Só a dieta de cada animal pode ser uma “dor de cabeça”. Cada um recebe uma porção de alimentos diferente consoante a idade, estação do ano, entre outros factores.

Passados 20 anos de trabalho, a sua experiência laboral está transformada num registo maternal – explícito quando fala dos seus “filhos”. Apesar de não assumir, é uma “mãe” – dos mamíferos marinhos a que se dedica - e também leva preocupações para casa.

“Tenho preocupações constantes com os animais. Quando estão doentes ou mesmo com o seu bem-estar em geral”, confessou a treinadora. Quando vai às compras, está sempre atenta a um possível “brinquedo” capaz de resistir aos animais. Como os golfinhos ou leões-marinhos manipulam tudo com a boca é difícil arranjar objectos resistentes para a força das suas mandíbulas.

Os mesmos “filhos” também são responsáveis por alguns dos cabelos brancos de Maria. Tal como os adolescentes humanos, os animais ficam “especialmente teimosos na fase de namoro.” O que já proporcionou alguns episódios caricatos.

“Estava numa apresentação com dois leões-marinhos, e, repentinamente, eles começam a namorar à minha volta”, confessou a tratadora. “Eu ali no meio dos dois. As pessoas a rirem-se. E eu vermelha que nem um tomate”, acrescentou, enquanto tentava reproduzir com as mãos o vermelho da face.

Apesar disto, não parece ser uma mãe “super controladora”, mas antes uma zeladora pelo bem-estar dos mamíferos marinhos. “Fazer festinhas aos golfinhos é agradável para nós. Para eles é só até certo ponto. Temos de estar atentos até que ponto o animal tem prazer com isso”, afirmou a tratadora. “Acontece connosco [ser humano]. Não vamos andar aí no metro a abraçar todos que nos aparecem – ai meu amigo. Um abraço e não sei quê”, acrescentou.

A sua experiência pessoal transfigurou a pessoa que ela é agora e a forma como interage com o mundo. Ficou mais desperta a outros estímulos. “Nós que trabalhamos com os animais prestamos mais atenção à parte animal nos humanos. Os nossos instintos. As nossas reacções”, explicou em tom sério.“Como estou habituada a observar comportamentos no meu dia-a-dia [dos animais], com os humanos começo a ver a parte do que a pessoa não me está a dizer”, acrescentou.

Já no final da conversa, interrogada sobre o futuro, confessa querer continuar a acompanhar “o crescimentos dos animais e ver as relações que criam.” “De bengala, coxa, mas nada disso faz diferença dentro de água”, acrescentou, enquanto demonstrava um gracioso sorriso.