Encontrada gravação inédita de Martin Luther King num sótão

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A entrevista deveria fazer parte de um livro que o dono do sótão pretendia escrever Foto:AFP

Foi ao vasculhar o sótão da casa do pai, em Chattanooga, uma cidade no Tennessee, EUA, que Stephon Tull se deparou com a descoberta. Numa das caixas estava uma bobine de áudio com a etiqueta: “Dr. King interview, Dec. 21, 1960." (“Entrevista a Dr. King, Dezembro 21, 1960”).

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Foi ao vasculhar o sótão da casa do pai, em Chattanooga, uma cidade no Tennessee, EUA, que Stephon Tull se deparou com a descoberta. Numa das caixas estava uma bobine de áudio com a etiqueta: “Dr. King interview, Dec. 21, 1960." (“Entrevista a Dr. King, Dezembro 21, 1960”).

Tull teve de pedir um leitor de bobines emprestado a um amigo e acabou por confirmar que se tratava, de facto, de uma entrevista que o seu pai tinha feito a Martin Luther King, em 1960.

“Não conseguia acreditar no que estava a ouvir”, contou Tull à Associated Press. “Eu encontrei uma parte perdida da História”, acrescentou.

A entrevista foi gravada três anos antes do seu famoso discurso “I Have a Dream” (“Eu tenho um sonho”) que apelava à união entre brancos e negros, e oito anos antes de ser assassinado em Memphis, EUA.

Nesta gravação, que se encontra em perfeitas condições, King discutia a importância do movimento dos direitos civis, a sua definição de não-violência e recordava como uma viagem a Africa tinha confirmado o que defendia.

A entrevista iria fazer parte de um livro que o pai de Tull pretendia escrever sobre o racismo que, na época, e há semelhança do resto do país, marcava Chattanooga. O senhor, que em 1960 era vendedor de seguros, tem agora cerca de 80 anos e vive num hospício. Entrevistou King quando este passou pela cidade, mas não chegou a terminar o projecto. Na mesma caixa Tull encontrou outras entrevistas realizadas pelo pai.

Não à violência e não ao racismo

Numa parte da entrevista, King definiu o seu conceito de não-violência. “Eu diria que é um método para garantir a moral através de meios morais”, afirmou. “E decorre do conceito de amor, porque uma pessoa não violenta com este espírito recusa-se a prejudicar o adversário, porque ama o adversário”.


Nesta altura, King adivinhava o futuro. “Estou convencido que nos livros de História escritos no futuro, os historiadores vão ter de inserir este movimento [pelos direitos civis dos cidadãos negros nos EUA] como uma das maiores época do nosso património. Ele representa uma luta ao mais alto nível de dignidade e disciplina”.

Para o reverendo Joseph Lowery, que, em 1957, fundou com King a Southern Christian Leadership Conference, uma organização de direitos civis, a gravação serve para lembrar que o trabalho do activista ainda não está terminado.

“O que não conseguimos fazer [na época] foi mostrar que [a não-violência] não é só uma táctica, mas uma forma de vida”, afirmou. “Estamos a perder a batalha da violência contra a não-violência [e] espero que esta mensagem nos ajude nessa luta”, acrescentou.

Viagem a África

Martin Luther King tinha visitado África cerca de um mês antes da entrevista e discutiu com o pai de Tull a visão dos líderes africanos de países independentes, ou que lutavam pela independência, sobre a agitação racial nos EUA. “Penso que todos [os líderes] concordam que os EUA precisam de resolver o seu problema de discriminação racista se quiserem manter a liderança do mundo”, afirmou King.

Este é o principal aspecto que torna a gravação rara, pois, embora existam milhares de documentos sobre o activista, não há muitos depoimentos sobre as suas actividades em África.

Clayborne Carson, um professor de História e fundador do Instituto de Investigação e Educação Martin Luther LKing Jr, na Universidade de Stanford, com base num trabalho sobre os líderes dos direitos civis, acredita que King estaria a falar de uma viagem à Nigéria.

“A viagem à Nigéria é algo sobre a qual não temos muita informação. Na Nigéria ele não deu conferências de imprensa, entrevistas, nem escreveu cartas de que tenhamos conhecimento”, afirmou Carson à televisão norte-americana CNN, acrescentando que, deste modo, a gravação é "particularmente interessante".

Tull está agora a trabalhar com um coleccionador de documentos sobre os direitos civis e especialista em artefactos históricos que deverá organizar uma venda privada na sua galeria em Nova Iorque.

“Quando ouvi [a gravação] senti um arrepio enorme”, disse Keya Morgan, o coleccionador. “Foi como se ele [Martin Luther King] estivesse sentado na nossa sala a conversar connosco”, afirmou, acrescentando que espera que a gravação seja adquirida por um museu ou uma universidade.