Femme de la rue, documentário sobre piropos gera polémica
Sofia Peeters, estudante belga, fez um documentário sobre a forma como as mulheres são assediadas nas ruas de Bruxelas.
Sofia Peeters, estudante belga de cinema, resolveu criar um documentário sobre a forma como as mulheres são assediadas pelos homens, quando passam na rua. No filme, a estudante faz o percurso habitual de casa para outro local, ao longo do qual é abordada por vários homens de diversas maneiras — convites para sair, comentários sobre o aspecto físico, até insultos. O filme gerou controvérsia ao ponto de o Ministério do Interior belga ter adoptado medidas para prevenir a situação.
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Sofia Peeters, estudante belga de cinema, resolveu criar um documentário sobre a forma como as mulheres são assediadas pelos homens, quando passam na rua. No filme, a estudante faz o percurso habitual de casa para outro local, ao longo do qual é abordada por vários homens de diversas maneiras — convites para sair, comentários sobre o aspecto físico, até insultos. O filme gerou controvérsia ao ponto de o Ministério do Interior belga ter adoptado medidas para prevenir a situação.
"Femme de la rue", assim se chama o documentário de 17 minutos, foi filmado nas ruas de Anneesens-Lemonnier, um bairro com um elevado número de população imigrante, sobretudo de origem árabe. Os habituais assobios e piropos são "algo que acontece muito frequentemente" e "estas passagens na rua era algo que me causava algum sofrimento”, confessa a jovem realizadora, em entrevista à cadeia de televisão Live Leak, para justificar por que optou por este tema como parte final da tese em cinema, na Haute École Rits.
Usar calças em vez de saias?
No documentário, exibem-se testemunhos de mulheres, vítimas de sexismo, que relatam as estratégias que adoptam para evitar o assédio nas vias públicas. Mudar a forma de vestir, escolher caminhos alternativos, usar calças em vez de saias, evitar o contacto visual, não andar de transportes públicos ou andar de "phones" para não ouvir comentários indesejados são alguns dos exemplos de técnicas.
"Tenho a sensação de que não sou livre", comenta uma das jovens. Outra admite, ainda, que é "muito frustrante" mas que "a outra parte é que tem de mudar de atitude", já que o sentimento de culpa e de "vergonha", neste tipo de situações, levam muitas vezes a mulher a achar que existe algo de errado com ela. "Se calhar é a minha roupa que está mal ou o meu comportamento", questiona uma das mulheres no filme.
O objectivo do documentário foi mostrar à população feminina uma realidade que ainda é "tabu" e transmitir a mensagem de que "não são as únicas no mundo e que é um problema que afecta muitas mulheres", revela a jovem realizadora à cadeia de televisão.
Ao captar testemunhos de mulheres de várias etnias e culturas, Sophie Peeters pretende alertar para o facto de não ser um problema étnico, e reforçar que existe, no filme, um "especial cuidado para não cair no erro de estereotipar a comunidade de imigrantes árabes", que se estabeleceu naquela zona. No entanto, a mensagem não foi bem recebida pelo grupo Sharia4Belgium que faz várias ameaças, num vídeo publicado no YouTube.
Desde que foi lançado, a 26 de Julho deste ano, o filme tem gerado grande debate na esfera pública. Para além da circulação de mensagens no ciberespaço, o Ministério Público de Bruxelas e os municípios belgas chegaram a um acordo, implementando uma iniciativa que obriga o pagamento de uma coima de 250 euros para quem tenha molestado uma mulher na rua. O projecto de lei também já foi proposto pelo ministro do Interior daquele país.
Cultura machista?
No documentário, Sophie Peeters entrevista elementos do sexo masculino que têm por hábito lançar piropos, nas ruas do bairro. Apesar de garantirem que em "99 por cento das vezes" não obtêm resposta, consideram que o piropo é uma forma de elogio: "Se ninguém olha para ti, vais-te sentir mal", afirma um dos homens que defende a ideia de que este tipo de comportamento serve também para aumentar a auto-estima das mulheres.
Por outro lado, a imagem da mulher ocidental tem sido retratada, cada vez mais, como objecto sexual, com publicidade a representar um papel central no alimentar desta perspectiva, explica a jovem realizadora na narração do documentário: "Como podemos ser respeitadas, as mulheres, se estão constantemente a retratar como uma "boneca insuflável".
Os testemunhos de assédio sexual nas vias públicas são publicados um pouco por todo o mundo, como é o exemplo do projecto "Hollaback", onde se reúnem vários depoimentos de vítimas que encontram ali uma comunidade de partilha e de apoio.
Portugal não tem legislação
A nível nacional, não existe nenhuma legislação para o assédio sexual no espaço público e na rua, sendo, apenas, um crime regulado pelos artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa. No que diz respeito ao assédio no local de trabalho, a lei já é mais específica, podendo constituir uma contra-ordenação muito grave, segundo o artigo 29.º do Código do Trabalho.
Segundo a União de Mulheres Alternativa Resposta (UMAR), "em Portugal há uma certa confusão conceptual entre assédio e sedução", e a "crença de que o assédio sexual depende de certos comportamentos e aparências", tais como, maquilhagem, roupas e adereços, pode levar à "culpabilização social das vítimas, tornando-as ainda mais vulneráveis", refere a organização, a propósito do Seminário Internacional sobre o Assédio Sexual no Espaço Público e Trabalho, realizado no ano passado, em colaboração com a Embaixada dos Países Baixos.