A era do existencialismo popular
Dizia Nick James que a razão para o filme de Hitchcock ter destronado Citizen Kane foi o facto de as pessoas estarem mais interessadas em filmes pessoais, em filmes que criam reacções nas suas próprias vidas
Ao ler a justificação do editor da Sigth and Sound, Nick James, para a escolha do melhor filme de todos os tempos ter sido Vertigo, de Hitchcock, lembrei-me que, de facto, a mudança de certos paradigmas tem sido uma das coisas mais marcantes destes primeiros anos do segundo milénio.
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Ao ler a justificação do editor da Sigth and Sound, Nick James, para a escolha do melhor filme de todos os tempos ter sido Vertigo, de Hitchcock, lembrei-me que, de facto, a mudança de certos paradigmas tem sido uma das coisas mais marcantes destes primeiros anos do segundo milénio.
Dizia ele que a razão para o filme de Hitchcock ter destronado Citizen Kane, que ocupou o primeiro lugar durante 50 anos, foi o facto de as pessoas estarem mais interessadas em filmes pessoais, em filmes que criam reacções nas suas próprias vidas.
E o que me parece, correndo o risco de estar a dizer um grande disparate (sempre tive notas muito medíocres a Filosofia), é que anda à solta uma espécie de novo existencialismo. Um existencialismo popular. É tipo um “clima que é possível sentir” (Jean Wahl) e que traz consigo, a meu ver, duas grandes consequências.
A primeira é uma certa indiferença em relação aos problemas que não nos dizem directamente respeito. Por muito emocionante que ainda soe o discurso da menina que calou o mundo durante seis minutos, há 20 anos, ninguém quer saber do Ambiente. Mas, se a Svern aprender a falar português e se puser no 28 a conversar sobre a diabetes não faltarão interessados em ouvi-la e partilhar as suas operações às vistas e às vísceras. Por isso, os neogreens podem até ser muito bem intencionados, mas serão tão bem sucedidos como os outros se não se meterem em autocarros, eléctricos, ou no metro a falar de doenças. A falar com as pessoas sobre as suas próprias vidas.
A segunda grande consequência, deste existencialismo popular, é o querermos regressar a sítios impregnados de emoções, como os hospistais, por exemplo. Eu achava que só existiam dois tipos de pessoas: as que odeiam hospitais e as que toleram hospitais (e aqui incluem-se os velhinhos que passam a noite nas urgências para não se sentirem sozinhos), mas por causa de ter rachado a cabeça e ter passado cinco horas na sala de espera de um hospital, percebi que há uma outra categoria de pessoas: as que gostam de lá estar, na sala de espera, a conversar com o/a acompanhante sobre as suas próprias vidas.
Ou regressar aos cemitérios, esse sítio tão impregnado de emoções e tão mais cheio de vida do que morte, como mostrou Heddy Honigmann no filme Forever. Ou às nossas origens. Ou apenas a casa. Chegar, sentarmo-nos à mesa e conversar sobre as nossas próprias vidas.