Madeira: cheira a queimado
Parece não haver um cuidado especial na proteção de um património natural que é motivo de visita por parte de turistas estrangeiros e nacionais
Diz-se que a “água de Julho no rio não faz barulho”, talvez sussurre, talvez cante baixinho, talvez chore… Na Madeira, os rios são ribeiras e dançam pelo sopé das montanhas diluindo o seu doce no salgado do mar. Por lá, fala-se de um lado para o outro do vale, jogando com o eco num pingue-pongue de perguntas (s)e(m) respostas…
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Diz-se que a “água de Julho no rio não faz barulho”, talvez sussurre, talvez cante baixinho, talvez chore… Na Madeira, os rios são ribeiras e dançam pelo sopé das montanhas diluindo o seu doce no salgado do mar. Por lá, fala-se de um lado para o outro do vale, jogando com o eco num pingue-pongue de perguntas (s)e(m) respostas…
O Funchal, sobranceiro ao Atlântico, está habituado a ver o fogo (de artifício) no palco líquido do mar, e não nas suas costas como uma surpresa de mau gosto, um humor verdadeiramente negro como as cinzas e as nuvens que cria, recortando com chamas a paisagem na noite, como uma carta que já não se quer ler nem ver…
As águas de Fevereiro ido fizeram muito barulho, não sussurraram nem cantaram, fizeram chorar. Agora, tudo se repete, com outro elemento mas com a mesma dor: o fogo.
Nós, os madeirenses, estamos habituados a sentir o cheiro do pau de louro queimado enquanto a carne assa e o bolo do caco deixa a manteiga d´alho derreter. Talvez fosse esse o aroma que pairava no ar aquando do almoço do passado dia 15 de Julho, quando o Dr. Alberto João Jardim se engasgou com um pedaço de carne e foi socorrido pelo comandante dos Bombeiros Voluntários de Santana, aplicando a manobra de Heimlich.
Sim, um dos comandantes dos bombeiros daquela classe que, dias antes, a 12 de Julho, dissera que havia em excesso no arquipélago, não querendo pagar a X quando apenas precisa de Y. Será que há excesso de bombeiros? Um faz a diferença, e este fê-la...
A maior parte do combate aos incêndios na ilha deve ser feito por meios aéreos, mais eficaz e adequado à orografia do espaço, logo “não se compreende que ainda não tenha sido feito um investimento nessa matéria, tendo em conta o património natural da ilha!”, conforme é possível ler no comunicado divulgado no sítio virtual da da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais.
Se falarmos de helicópteros podemos também falar do heliporto do Porto Moniz, obra considerada desnecessária por uma maioria, mas que certamente serviria muito bem os interesses da luta encetada contra os incêndios que deflagraram na costa norte da ilha, a mais densamente arborizada, e sendo que 84% da sua área está integrada no Parque Natural da Madeira.
O que transparece para a opinião pública é que parece não haver um cuidado especial na protecção de um património natural que é motivo de visita por parte de turistas estrangeiros e nacionais, aqueles que alimentam grande parte da economia de uma ilha presa a uma enorme e negra cratera de dívida.
O que é que foi feito depois de se ter perdido, no passado Verão de 2010, 95% do Parque Ecológico do Funchal?
Resta-nos a Laurissilva, integrada no Parque Natural da Madeira, que resistiu a cinco séculos do domínio do Homem e que esperemos que sobreviva aos desígnios de um homem. Actualmente, ocupa apenas 20% da ilha, longe da sua abrangência total aquando da descoberta do arquipélago, suportada por uma flora e fauna exuberantes, elevada a Reserva Biogenética pelo Conselho da Europa em 1992, e, mais tarde, a UNESCO a declarasse Património Mundial Natural da Humanidade em 1999.