Friendly Fire: porque na arquitectura há fogo amigo
Oito arquitectos fizeram um fanzine. Chama-se Friendly Fire, conta com 100 exemplares e vai no segundo número
Não são designers nem escritores. São arquitectos e lançaram um fanzine sobre um dos seus temas preferidos: arquitectura. Chama-se Friendly Fire e custa 3 euros. Já vai no segundo número e com uma tiragem de 100 exemplares.
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Não são designers nem escritores. São arquitectos e lançaram um fanzine sobre um dos seus temas preferidos: arquitectura. Chama-se Friendly Fire e custa 3 euros. Já vai no segundo número e com uma tiragem de 100 exemplares.
Não é crítica nem informação. É o resultado de conversas de café que foram passadas para o papel. Por entre 48 páginas, a preto e branco e formato A5 há humor e algum sarcasmo sempre aplicados às obras arquitectónicas espalhadas pelo mundo.
A história começa quando oito amigos, todos arquitectos, resolvem recuperar assuntos que costumam estar nas suas conversas de café. Assuntos que "afinal não saíram da mesa", dizem. Acharam que as conversas sobre arquitectura e o tempo que lhes ocupa poderiam ser partilhadas.
E assim foi. O fanzine de arquitectura, impresso em Fânzeres, está cá para ficar e "sem pressões editoriais, essa é a lógica", conta Ivo Martins, um dos autores. "Queremos chegar a um público mais pequeno, de uma forma mais directa", acrescenta.
É quase impossível falar da segunda Friendly Fire ("Lorem Ipsum") sem mencionar o primeiro número ("Das ist Freindly Fire"). A capa bege da primeira fanzine, editada há um ano, tem uma caveira de Le Corbusier sobre dois fósforos cruzados — um queimado e outro por queimar — como se dissessem que querem piratear a arquitectura.
No segundo número, a capa vermelha reveste-se de moscas e mais à frente surge a referência "(…) optamos por uma estratégia de continuidade: neste número, só as moscas mudam". As capas de cada exemplar são todas diferentes, algo que foi proporcionado por "uma distribuição aleatória das moscas", apenas possível com um "software próprio", o Fly Randomizer.
A primeira página é um aglomerado de palavras disfarçado de texto que "aparentemente não quer dizer nada", é apenas um texto simulado para demonstrar o aspecto gráfico de um jornal, revista ou livro.
Logo de seguida, no editorial — assinado por Ivo Martins — fica clara a intenção destes arquitectos: "Combatemos fogo contra fogo: respondemos recenseando quem nos recenseia". O nome da revista está inteiramente ligado à intenção dos seus autores. "Friendly Fire", ou seja "fogo amigável" é um termo que teve origem entre as forças armadas norte-americanas para descrever a situação em que vitimam propositadamente um elemento das suas equipas. Essa é uma versão. "Friendly Fire é um eufemismo empregue pelos militares para se referir aos seus erros". Esta é a outra.
Guggenheim ou Silo Auto?
E a pergunta impõe-se: mas o que tem isto a ver com arquitectura? Não sendo a fanzine sinónimo de crítica, o que lhes interessa é a falsa noção de controlo e de domesticação que as pessoas têm em relação ao fogo, tal como em relação à realidade por intermédio da arquitectura.
No segundo número as coisas são mais pensadas. "No início fizemos um exercício de reflexão, e o que começou por ser uma conversa privada tornou-se numa espécie de olhar externo", explica Ivo Martins. Numa das secções "System System" dizem que se copiam a eles próprios "sem vergonha na cara". Fazem uma comparação entre edifícios, por exemplo, o Guggenheim em Nova York com o Silo Auto no Porto.
Como estão quase todos envolvidos noutros projectos, a Friendly Fire é uma publicação descontraída, mas com alguma seriedade. "A arquitectura é rigorosa, mas há sempre assuntos colaterais que não são falados nas revistas", observa Ivo.
Fizeram duas apresentações públicas, num "espaço em bico", num edifício da autoria de Siza Vieira, no Porto. Têm uma recensão crítica, da autoria do arquitecto Francisco Rocha, no Jornal dos Arquitectos (#244). Por agora aguardam novas encomendas e continuam a conversar sobre arquitectura.