Riscos para uns, paixão para outros
Aos 31 anos, Pedro Maria Gomes já pegou 35 touros, mas aquele “mais difícil” que enfrentou de 19 de Junho de 2003, numa corrida na Malveira, nunca mais lhe sairá da memória. “Era uma corrida que não estava a correr bem, tinham ido vários elementos para o hospital. Já na terceira tentativa, quando eu fui pegar o touro, ele levou-me contra o estribo da praça, que era de ferro ”, conta o cabo do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa (GFAL) que, na altura, tinha 22 anos.Ainda saiu da arena pelo próprio pé, agarrado aos outros forcados, mas passou os próximos 33 dias no hospital. A lesão foi grave e deixou-o em coma induzido na primeira semana.
“Em seis dias, fui operado quatro vezes e tiraram-me metade do fígado, mas o pior foram as artérias que se romperam e não conseguiam parar as hemorragias”, acrescenta. Fala na primeira pessoa, mas parece contar uma história que não é sua, tal é a facilidade de relativizar o momento mais negativo da sua carreira.
Depois de sair do hospital, fez fisioterapia e esteve um mês em repouso, tendo tido de interromper o curso de Engenharia Alimentar. Devido à gravidade da lesão, e por cautela, Pedro manteve-se afastado das pegas durante três anos, embora acompanhasse o grupo.
Mas, em 2007, a paixão do forcado, que é neto do homem que inaugurou a tradição de matadores de touros em Portugal, filho do anterior cabo do grupo e irmão de um também forcado, falou mais alto. A vontade de voltar a pisar a arena trajado fintou todas as inseguranças e recomendações dos médicos, e desde aí nunca mais parou.
Não encontra uma justificação racional para ter decidido regressar às corridas, mas sempre que pega um touro de caras, o medo não o paralisa. Em vez disso, sente adrenalina e apenas algum receio. Benze-se antes de pisar a arena e reza para que as coisas corram bem e o grupo possa sair “limpo” das pegas. “Costumamos dizer que é a força bruta contra a inteligência do homem, mas é tudo muito rápido, não nos passa pela cabeça que possamos morrer”, afirma o forcado que sempre viveu em Lisboa e cresceu praticamente no GFAL. Segundo a Associação Nacional de Grupo de Forcados, entre 1989 e 2009, morreram seis forcados em arenas portuguesas.
Pedro começou a pegar vitelos aos 13 anos, aos 16 já trajava e aos 19, estreou-se como forcado de caras, por isso está habituado a lesões, os “ossos do ofício” desta actividade. Antes do episódio da Malveira em 2003, partiu a clavícula e recentemente lesionou-se nas pernas. Lembra-se, no entanto, de um acidente que o marcou, em 1994, quando um forcado do grupo ficou cego por causa de uma bandarilha. “Para nós, são só joelhos ou um braço partido de vez em quando, nada de grave”, afirma, reconhecendo, porém, que os forcados têm uma relação diferente com a dor, tornando-se mais resistentes.
Coragem e adrenalina de prender o fôlego
Hugo trabalha actualmente como administrador de sistemas informáticos no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e é licenciado na mesma área, mas a sua grande paixão sempre foi a pesca submarina e o mergulho de apneia. Esta modalidade de mergulho faz-se sem garrafas de oxigénio, sendo que, com um único fôlego, os mergulhadores conseguem aguentar em movimento cerca de dois minutos submersos, o suficiente para descer a 30 metros e voltar à superfície.
Os polvos e os lagostins que encontrava na lagoa de Albufeira durante as férias de Verão fascinavam-no ao ponto de, aos seis anos, o pai lhe oferecer a primeira arma de pesca submarina, porque a máscara e o tubo já não eram suficientes para aquele que viria a tornar-se instrutor em 1997. “Mas o meu pai é que carregava a arma, porque os elásticos eram muito fortes e eu nem tinha força”, recorda o lisboeta de 36 anos, defensor convicto da Margem Sul, onde sempre viveu.
Apesar de não considerar a pesca submarina arriscada, desde que praticada de uma forma consciente, Hugo já apanhou alguns sustos. Um deles aconteceu em Janeiro deste ano, na praia de Duranbah Beach, na Austrália, onde as águas tropicais não atraem só turistas, mas também tubarões touro com cerca de três ou quatro metros. No entanto, não foi um destes tubarões que o assustou.
Ao mergulhar para recolher a bóia do fundo do mar, Hugo foi surpreendido por um tubarão tigre de cinco metros. “Senti uma pancada pelas costas e nem me apercebi que era um tubarão porque estavam ali surfistas e pensei que eram eles”, recorda Hugo. Na costa, porém, o alarme dos banhistas alertaram-no para o pior. Contra todas as probabilidades, Hugo escapou ileso, porque o tubarão acertou no cinto de chumbo que usava. Apesar de ter ficado com o cinto preso na mandíbula, o predador ainda teve tempo de lhe arrancar uma barbatana.
Para Hugo, a quem os tubarões não fazem confusão, este episódio foi quase como um golpe de sorte num dia de azar. “Tive um grande azar, porque só um número reduzido de pessoas é que é atacado por um tubarão e uma grande sorte, porque das pessoas que são atacadas por um tubarão daquele tamanho, só um numero muito mais reduzido é que sobrevive”, reflecte.
Hugo relativizou rapidamente a situação e mergulhou no próprio dia. “Passada meia hora ainda lá fui buscar a barbatana”, conta com uma gargalhada.
Na pesca submarina, os mergulhadores costumam procurar peixes raros, os chamados “troféus” e, por vezes, o entusiasmo é tanto que quase se esquecem de respirar. Nessas ocasiões, a reacção natural do organismo à falta de oxigénio é o desmaio, o que pode conduzir ao afogamento. O entusiamo na captura de um mero levou Hugo a desmaiar duas vezes, em Marrocos e em Espanha, na subida para a à superfície. Na primeira, foi socorrido pelos colegas que mergulhavam por perto. Em Espanha, o fato desenhado para, a partir de uma certa profundidade, impulsionar a subida e a bexiga do peixe capturado garantiram a sobrevivência. “E assim vim para cima e como fiquei com a cara em cima do peixe, as vias respiratórias ficaram fora de água e acordei”, explica Hugo.
O mergulhador já pescou um pouco por todo o mundo e considera a modalidade um modo de vida. Aprecia a sensação de liberdade que o oceano lhe oferece e é no fundo do mar que encontra energias para enfrentar uma nova semana de trabalho. “Apesar de gostar do que faço, costumo dizer que mais vale um mau dia de pesca do que um bom dia de trabalho”, afirma.
Ajudar sem olhar para trás
Sempre que liga a televisão e se depara com uma situação dramática em qualquer parte do mundo, Fátima Ferreira é invadida por uma sensação de impotência, e, por isso, prefere lá estar. O desejo de ajudar os outros fê-la escolher medicina e actualmente coordena a Unidade de Saúde Familiar de Santo António de Cavaleiros, em Loures.
Com uma vida dedicada a acções de voluntariado, nos anos 90, associou-se à Assistência Médica Internacional (AMI) e começou a participar em missões de emergência em países como Timor, Zimbabué, Iraque, Sri Lanka e Kosovo.
“Eu não quero salvar o mundo, porque sozinha não consigo. Acredito é que é com pequenas mudanças que as coisas mudam no futuro”, afirma a médica de olhos claros e discurso entusiasmado. Segundo o estudo “The State of the Humanitarian System”, publicado, em 2010, pela Active Learning Network (ALNAP), entre 1998 e 2008, as missões humanitárias aumentaram 6% ao ano.
Com este pensamento, Fátima abandona o conforto de casa e ajuda os mais necessitados em cenários inóspitos e desgastantes a nível físico e psicológico. Recorda com um sorriso o tempo em que esteve no Iraque, em 2003, durante a fase dos bombardeamentos, em que não tinha um chuveiro para tomar banho, o hospital era uma tenda sem ventilação e, durante a noite, com as tempestades de areia, as tenda onde dormia quase levantava voo.
Quanto aos bombardeamentos, pensava neles apenas como um som de fundo, não deixando que a desconcentrassem das suas tarefas. Uma teoria ajudava-a a ultrapassar qualquer pessimismo. “Esperava que se os Estados Unidos tivessem tão boa tecnologia como diziam, então as bombas acertariam nos alvos ao pormenor e não cairiam em cima de inocentes”, confessa divertida.
O discurso entusiasmado da médica não deixa antever outras situações complicadas que já enfrentou em missão. Em Timor, onde esteve em 1999, na altura do referendo que instituiu a independência face à Indonésia, chegou a ter uma arma apontada, durante uma operação de fiscalização. “Caímos numa armadilha e fomos envolvidos por uma multidão. De repente, tínhamos uma arma apontada por dentro de cada janela do jipe.” recorda. “São situações que surgem de repente e temos de encontrar a melhor solução”, acrescenta.
Naquele momento, a melhor solução estava ao virar da primeira curva à esquerda, onde existia uma igreja, que para os timorenses é um local de abrigo e de respeito. Fátima, que em situações de perigo, tem tendência para avançar, naturalmente tomou essa decisão. “Disse: ‘Ninguém pára, acelera ao fundo até à igreja!’, porque, em andamento, se houvesse um tiro, a probabilidade de nos acertarem era menor”, explica. E assim fugiram para a igreja, onde se esconderam atrás de um muro e escaparam ilesos ao tiroteio e apedrejamentos.
O estudo da ANALP aponta que os missionários têm sido alvo de mais situações de violência, sobretudo em países como Afeganistão, Somália e Sudão. Em 1997, morriam quatro pessoas por cada 10 mil no terreno e em 2008 esse número aumentava para nove. No mesmo período, os raptos aumentaram 61%.
Em missões de emergência, não só as armas constituem perigo. Também em Timor, Fátima escapou ao vírus da dengue. Pensando tratar-se de paludismo (ou malária), pela semelhança dos sintomas – febre, dores musculares e gastroenterite – fez tratamento para o vírus, mas as dores de cabeça que não passavam sugeriam que fosse dengue. O vírus da dengue é transmitido pela picada de um mosquito e ainda não há um tratamento especifico para a doença que se descobre por comparação a outros vírus com sintomas idênticos. Ainda assim, com medicamentos para vírus semelhantes, as pessoas têm possibilidade de recuperar, foi o que aconteceu a Fátima.
“Nunca pensei que não ia recuperar. Quando percebi que era dengue, era só esperar que passasse e continuei sempre a trabalhar”, refere a médica que ressalva não ser mais corajosa do que aqueles que, por vezes, têm de ser evacuados e frisando que é necessário ter-se consciência da realidade onde se está.
Fátima não valoriza os momentos negativos, mas admite que o regresso de uma missão é difícil, pois exige uma racionalização e um distanciamento gradual das emoções vividas, essenciais para conseguir continuar a trabalhar em Portugal. “Nos primeiros quinze dias, se calhar ouço metade do que me dizem e tenho de ter muita força para não me revoltar com as pessoas, porque elas não têm culpa de não terem vivido as mesmas experiências”, explica.
Liberdade nas alturas
Aos 51 anos, Mário Pardo já sentiu a liberdade de saltar de pára-quedas mais de cinco mil vezes. “No início, sentia um grande medo, mas com o passar do tempo, essa sensação foi sendo substituída pela liberdade que a queda livre oferece”, conta o praticante que realizou o primeiro salto, em 1981, enquanto estava na tropa.
Desses tempos, ficou a vontade de continuar, mas, como, na altura, “os escudos não abundavam”, só em 1990 é que Mário pôde dedicar-se novamente à modalidade. Reconhece que há um risco inerente à prática de pára-quedismo, sobretudo na queda livre, em que é o próprio praticante que tem de accionar a abertura do paraquedas, por isso adverte que a modalidade nunca deve ser encarada de forma ligeira. Cada salto implica condições diferentes que não se podem controlar, como a meteorologia ou a paisagem, e a atenção deve ser redobrada.
Ainda assim, por vezes surgem imprevistos. Foi o caso de um salto que efectuou há uns anos nos Estados Unidos. Tudo estava a correr como planeado, mas quando accionou a abertura do pára-quedas, este abriu ao contrário e o desportista deu consigo a voar na direcção de uma montanha. “Nessa altura, tive de agir rapidamente para controlar a situação”, explica. “Nesta modalidade temos de ter bons reflexos”, acrescenta. Foram os mesmos reflexos que o salvaram em Itália quando um cordão do paraquedas ficou preso na asa. “Tive de andar aos puxões até o cordão deslizar para o sítio certo”, recorda com naturalidade.
Embora a experiência o tenha tornado mais cauteloso, Mário nunca pensou que pudesse morrer devido a um incidente durante o voo. Mas, nos Açores, em 2011, quando praticava base jumping, modalidade em que o desportista salta de uma base fixa, como um edifício, as coisas podiam ter corrido pior. Quando sobrevoava a ilha do Pico, bateu de raspão numa montanha e fracturou uma costela. “Aí pensei mesmo ‘Já foste’”, confessa. Mas não foi, conseguiu aterrar em segurança e o episódio vai ficar na sua memória apenas como o maior susto que já apanhou.
Enquanto se sentir em forma física e psicológica, Pedro vai continuar a pegar touros. Hugo está confiante que novos fôlegos lhe vão trazer mais peixes raros. Mário também não se quer desfazer tão cedo da alcunha de “Homem Pássaro”. Para Fátima, as missões são uma paixão viciante sem a qual não consegue viver.
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Aos 31 anos, Pedro Maria Gomes já pegou 35 touros, mas aquele “mais difícil” que enfrentou de 19 de Junho de 2003, numa corrida na Malveira, nunca mais lhe sairá da memória. “Era uma corrida que não estava a correr bem, tinham ido vários elementos para o hospital. Já na terceira tentativa, quando eu fui pegar o touro, ele levou-me contra o estribo da praça, que era de ferro ”, conta o cabo do Grupo de Forcados Amadores de Lisboa (GFAL) que, na altura, tinha 22 anos.Ainda saiu da arena pelo próprio pé, agarrado aos outros forcados, mas passou os próximos 33 dias no hospital. A lesão foi grave e deixou-o em coma induzido na primeira semana.
“Em seis dias, fui operado quatro vezes e tiraram-me metade do fígado, mas o pior foram as artérias que se romperam e não conseguiam parar as hemorragias”, acrescenta. Fala na primeira pessoa, mas parece contar uma história que não é sua, tal é a facilidade de relativizar o momento mais negativo da sua carreira.
Depois de sair do hospital, fez fisioterapia e esteve um mês em repouso, tendo tido de interromper o curso de Engenharia Alimentar. Devido à gravidade da lesão, e por cautela, Pedro manteve-se afastado das pegas durante três anos, embora acompanhasse o grupo.
Mas, em 2007, a paixão do forcado, que é neto do homem que inaugurou a tradição de matadores de touros em Portugal, filho do anterior cabo do grupo e irmão de um também forcado, falou mais alto. A vontade de voltar a pisar a arena trajado fintou todas as inseguranças e recomendações dos médicos, e desde aí nunca mais parou.
Não encontra uma justificação racional para ter decidido regressar às corridas, mas sempre que pega um touro de caras, o medo não o paralisa. Em vez disso, sente adrenalina e apenas algum receio. Benze-se antes de pisar a arena e reza para que as coisas corram bem e o grupo possa sair “limpo” das pegas. “Costumamos dizer que é a força bruta contra a inteligência do homem, mas é tudo muito rápido, não nos passa pela cabeça que possamos morrer”, afirma o forcado que sempre viveu em Lisboa e cresceu praticamente no GFAL. Segundo a Associação Nacional de Grupo de Forcados, entre 1989 e 2009, morreram seis forcados em arenas portuguesas.
Pedro começou a pegar vitelos aos 13 anos, aos 16 já trajava e aos 19, estreou-se como forcado de caras, por isso está habituado a lesões, os “ossos do ofício” desta actividade. Antes do episódio da Malveira em 2003, partiu a clavícula e recentemente lesionou-se nas pernas. Lembra-se, no entanto, de um acidente que o marcou, em 1994, quando um forcado do grupo ficou cego por causa de uma bandarilha. “Para nós, são só joelhos ou um braço partido de vez em quando, nada de grave”, afirma, reconhecendo, porém, que os forcados têm uma relação diferente com a dor, tornando-se mais resistentes.
Coragem e adrenalina de prender o fôlego
Hugo trabalha actualmente como administrador de sistemas informáticos no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e é licenciado na mesma área, mas a sua grande paixão sempre foi a pesca submarina e o mergulho de apneia. Esta modalidade de mergulho faz-se sem garrafas de oxigénio, sendo que, com um único fôlego, os mergulhadores conseguem aguentar em movimento cerca de dois minutos submersos, o suficiente para descer a 30 metros e voltar à superfície.
Os polvos e os lagostins que encontrava na lagoa de Albufeira durante as férias de Verão fascinavam-no ao ponto de, aos seis anos, o pai lhe oferecer a primeira arma de pesca submarina, porque a máscara e o tubo já não eram suficientes para aquele que viria a tornar-se instrutor em 1997. “Mas o meu pai é que carregava a arma, porque os elásticos eram muito fortes e eu nem tinha força”, recorda o lisboeta de 36 anos, defensor convicto da Margem Sul, onde sempre viveu.
Apesar de não considerar a pesca submarina arriscada, desde que praticada de uma forma consciente, Hugo já apanhou alguns sustos. Um deles aconteceu em Janeiro deste ano, na praia de Duranbah Beach, na Austrália, onde as águas tropicais não atraem só turistas, mas também tubarões touro com cerca de três ou quatro metros. No entanto, não foi um destes tubarões que o assustou.
Ao mergulhar para recolher a bóia do fundo do mar, Hugo foi surpreendido por um tubarão tigre de cinco metros. “Senti uma pancada pelas costas e nem me apercebi que era um tubarão porque estavam ali surfistas e pensei que eram eles”, recorda Hugo. Na costa, porém, o alarme dos banhistas alertaram-no para o pior. Contra todas as probabilidades, Hugo escapou ileso, porque o tubarão acertou no cinto de chumbo que usava. Apesar de ter ficado com o cinto preso na mandíbula, o predador ainda teve tempo de lhe arrancar uma barbatana.
Para Hugo, a quem os tubarões não fazem confusão, este episódio foi quase como um golpe de sorte num dia de azar. “Tive um grande azar, porque só um número reduzido de pessoas é que é atacado por um tubarão e uma grande sorte, porque das pessoas que são atacadas por um tubarão daquele tamanho, só um numero muito mais reduzido é que sobrevive”, reflecte.
Hugo relativizou rapidamente a situação e mergulhou no próprio dia. “Passada meia hora ainda lá fui buscar a barbatana”, conta com uma gargalhada.
Na pesca submarina, os mergulhadores costumam procurar peixes raros, os chamados “troféus” e, por vezes, o entusiasmo é tanto que quase se esquecem de respirar. Nessas ocasiões, a reacção natural do organismo à falta de oxigénio é o desmaio, o que pode conduzir ao afogamento. O entusiamo na captura de um mero levou Hugo a desmaiar duas vezes, em Marrocos e em Espanha, na subida para a à superfície. Na primeira, foi socorrido pelos colegas que mergulhavam por perto. Em Espanha, o fato desenhado para, a partir de uma certa profundidade, impulsionar a subida e a bexiga do peixe capturado garantiram a sobrevivência. “E assim vim para cima e como fiquei com a cara em cima do peixe, as vias respiratórias ficaram fora de água e acordei”, explica Hugo.
O mergulhador já pescou um pouco por todo o mundo e considera a modalidade um modo de vida. Aprecia a sensação de liberdade que o oceano lhe oferece e é no fundo do mar que encontra energias para enfrentar uma nova semana de trabalho. “Apesar de gostar do que faço, costumo dizer que mais vale um mau dia de pesca do que um bom dia de trabalho”, afirma.
Ajudar sem olhar para trás
Sempre que liga a televisão e se depara com uma situação dramática em qualquer parte do mundo, Fátima Ferreira é invadida por uma sensação de impotência, e, por isso, prefere lá estar. O desejo de ajudar os outros fê-la escolher medicina e actualmente coordena a Unidade de Saúde Familiar de Santo António de Cavaleiros, em Loures.
Com uma vida dedicada a acções de voluntariado, nos anos 90, associou-se à Assistência Médica Internacional (AMI) e começou a participar em missões de emergência em países como Timor, Zimbabué, Iraque, Sri Lanka e Kosovo.
“Eu não quero salvar o mundo, porque sozinha não consigo. Acredito é que é com pequenas mudanças que as coisas mudam no futuro”, afirma a médica de olhos claros e discurso entusiasmado. Segundo o estudo “The State of the Humanitarian System”, publicado, em 2010, pela Active Learning Network (ALNAP), entre 1998 e 2008, as missões humanitárias aumentaram 6% ao ano.
Com este pensamento, Fátima abandona o conforto de casa e ajuda os mais necessitados em cenários inóspitos e desgastantes a nível físico e psicológico. Recorda com um sorriso o tempo em que esteve no Iraque, em 2003, durante a fase dos bombardeamentos, em que não tinha um chuveiro para tomar banho, o hospital era uma tenda sem ventilação e, durante a noite, com as tempestades de areia, as tenda onde dormia quase levantava voo.
Quanto aos bombardeamentos, pensava neles apenas como um som de fundo, não deixando que a desconcentrassem das suas tarefas. Uma teoria ajudava-a a ultrapassar qualquer pessimismo. “Esperava que se os Estados Unidos tivessem tão boa tecnologia como diziam, então as bombas acertariam nos alvos ao pormenor e não cairiam em cima de inocentes”, confessa divertida.
O discurso entusiasmado da médica não deixa antever outras situações complicadas que já enfrentou em missão. Em Timor, onde esteve em 1999, na altura do referendo que instituiu a independência face à Indonésia, chegou a ter uma arma apontada, durante uma operação de fiscalização. “Caímos numa armadilha e fomos envolvidos por uma multidão. De repente, tínhamos uma arma apontada por dentro de cada janela do jipe.” recorda. “São situações que surgem de repente e temos de encontrar a melhor solução”, acrescenta.
Naquele momento, a melhor solução estava ao virar da primeira curva à esquerda, onde existia uma igreja, que para os timorenses é um local de abrigo e de respeito. Fátima, que em situações de perigo, tem tendência para avançar, naturalmente tomou essa decisão. “Disse: ‘Ninguém pára, acelera ao fundo até à igreja!’, porque, em andamento, se houvesse um tiro, a probabilidade de nos acertarem era menor”, explica. E assim fugiram para a igreja, onde se esconderam atrás de um muro e escaparam ilesos ao tiroteio e apedrejamentos.
O estudo da ANALP aponta que os missionários têm sido alvo de mais situações de violência, sobretudo em países como Afeganistão, Somália e Sudão. Em 1997, morriam quatro pessoas por cada 10 mil no terreno e em 2008 esse número aumentava para nove. No mesmo período, os raptos aumentaram 61%.
Em missões de emergência, não só as armas constituem perigo. Também em Timor, Fátima escapou ao vírus da dengue. Pensando tratar-se de paludismo (ou malária), pela semelhança dos sintomas – febre, dores musculares e gastroenterite – fez tratamento para o vírus, mas as dores de cabeça que não passavam sugeriam que fosse dengue. O vírus da dengue é transmitido pela picada de um mosquito e ainda não há um tratamento especifico para a doença que se descobre por comparação a outros vírus com sintomas idênticos. Ainda assim, com medicamentos para vírus semelhantes, as pessoas têm possibilidade de recuperar, foi o que aconteceu a Fátima.
“Nunca pensei que não ia recuperar. Quando percebi que era dengue, era só esperar que passasse e continuei sempre a trabalhar”, refere a médica que ressalva não ser mais corajosa do que aqueles que, por vezes, têm de ser evacuados e frisando que é necessário ter-se consciência da realidade onde se está.
Fátima não valoriza os momentos negativos, mas admite que o regresso de uma missão é difícil, pois exige uma racionalização e um distanciamento gradual das emoções vividas, essenciais para conseguir continuar a trabalhar em Portugal. “Nos primeiros quinze dias, se calhar ouço metade do que me dizem e tenho de ter muita força para não me revoltar com as pessoas, porque elas não têm culpa de não terem vivido as mesmas experiências”, explica.
Liberdade nas alturas
Aos 51 anos, Mário Pardo já sentiu a liberdade de saltar de pára-quedas mais de cinco mil vezes. “No início, sentia um grande medo, mas com o passar do tempo, essa sensação foi sendo substituída pela liberdade que a queda livre oferece”, conta o praticante que realizou o primeiro salto, em 1981, enquanto estava na tropa.
Desses tempos, ficou a vontade de continuar, mas, como, na altura, “os escudos não abundavam”, só em 1990 é que Mário pôde dedicar-se novamente à modalidade. Reconhece que há um risco inerente à prática de pára-quedismo, sobretudo na queda livre, em que é o próprio praticante que tem de accionar a abertura do paraquedas, por isso adverte que a modalidade nunca deve ser encarada de forma ligeira. Cada salto implica condições diferentes que não se podem controlar, como a meteorologia ou a paisagem, e a atenção deve ser redobrada.
Ainda assim, por vezes surgem imprevistos. Foi o caso de um salto que efectuou há uns anos nos Estados Unidos. Tudo estava a correr como planeado, mas quando accionou a abertura do pára-quedas, este abriu ao contrário e o desportista deu consigo a voar na direcção de uma montanha. “Nessa altura, tive de agir rapidamente para controlar a situação”, explica. “Nesta modalidade temos de ter bons reflexos”, acrescenta. Foram os mesmos reflexos que o salvaram em Itália quando um cordão do paraquedas ficou preso na asa. “Tive de andar aos puxões até o cordão deslizar para o sítio certo”, recorda com naturalidade.
Embora a experiência o tenha tornado mais cauteloso, Mário nunca pensou que pudesse morrer devido a um incidente durante o voo. Mas, nos Açores, em 2011, quando praticava base jumping, modalidade em que o desportista salta de uma base fixa, como um edifício, as coisas podiam ter corrido pior. Quando sobrevoava a ilha do Pico, bateu de raspão numa montanha e fracturou uma costela. “Aí pensei mesmo ‘Já foste’”, confessa. Mas não foi, conseguiu aterrar em segurança e o episódio vai ficar na sua memória apenas como o maior susto que já apanhou.
Enquanto se sentir em forma física e psicológica, Pedro vai continuar a pegar touros. Hugo está confiante que novos fôlegos lhe vão trazer mais peixes raros. Mário também não se quer desfazer tão cedo da alcunha de “Homem Pássaro”. Para Fátima, as missões são uma paixão viciante sem a qual não consegue viver.