Primeira migração para a América do Norte deu-se pelo menos mil anos mais cedo
A saga da equipa de Dennis Jenkins, da Universidade do Oregon, e dos seus colegas da universidade da capital dinamarquesa, começou em 2008, quando apresentaram dois bombásticos resultados, obtidos através da análise genética e da datação por radiocarbono de excrementos humanos fossilizados - ou coprólitos - encontrados na gruta de Paisley, no Oregon. Não só os excrementos tinham cerca de 14.400 anos de idade - ou seja, eram uns mil anos mais antigos do que qualquer vestígio conhecido da cultura Clóvis -, mas, ainda por cima, a análise do ADN humano contido nos coprólitos mostrava tratar-se dos dejectos de uma comunidade humana originária da Ásia, que poderia ser a antecessora da população indígena norte-americana actual.
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A saga da equipa de Dennis Jenkins, da Universidade do Oregon, e dos seus colegas da universidade da capital dinamarquesa, começou em 2008, quando apresentaram dois bombásticos resultados, obtidos através da análise genética e da datação por radiocarbono de excrementos humanos fossilizados - ou coprólitos - encontrados na gruta de Paisley, no Oregon. Não só os excrementos tinham cerca de 14.400 anos de idade - ou seja, eram uns mil anos mais antigos do que qualquer vestígio conhecido da cultura Clóvis -, mas, ainda por cima, a análise do ADN humano contido nos coprólitos mostrava tratar-se dos dejectos de uma comunidade humana originária da Ásia, que poderia ser a antecessora da população indígena norte-americana actual.
Na altura, quase nenhum especialista acreditou nos resultados, porque não tinham sido encontradas, naquela mesma gruta, quaisquer ferramentas de pedra que pudessem sustentar os resultados genéticos e a datação dos excrementos. "Não havendo ferramentas líticas, esses resultados não eram válidos [para os arqueólogos]", disse ao PÚBLICO a bióloga portuguesa Paula Campos, que entretanto se juntara à equipa de Copenhaga em 2009 (e que hoje trabalha no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra). Paula Campos foi a responsável pela nova análise genética ao ADN dos coprólitos no artigo hoje publicado. "Não só confirmámos [agora] a idade dos coprólitos, como também caracterizámos o seu ADN mitocondrial [matrilinear], obtendo resultados concordantes com os que foram publicados em 2008", salienta a investigadora. "E o que realmente nos permitiu caracterizar estes indivíduos como pertencendo a uma cultura diferente de Clóvis, foi o facto de serem mil anos mais antigos que a cultura Clóvis, como também o facto de as ferramentas de pedra encontradas apresentarem uma tecnologia de fabrico claramente distinta da tecnologia da cultura Clóvis."
As ferramentas da gruta de Paisley, contudo, não são tão antigas como os excrementos desse mesmo local; são, sim, contemporâneas dos achados arqueológicos noutros locais conhecidos por terem pertencido à cultura Clóvis. Mas segundo Paula Campos, isso poderá simplesmente significar que essas ferramentas diferentes representam a evolução, ao longo de mil anos, da tecnologia inicial dessa cultura ancestral que foi, ao que tudo indica, a primeira ocupante da gruta de Paisley. O facto de não ter sido encontrada naquela gruta "qualquer vestígio da cultura Clóvis" reforça essa hipótese.
Para os cientistas, os resultados só podem explicar-se através de um de dois cenários migratórios, embora ainda seja "prematuro" escolher um deles, segundo Paula Campos. Num desses cenários, uma primeira migração, muito mais antiga, terá a seguir dado origem à cultura Clóvis por um lado e à cultura da gruta de Paisley por outro; no outro cenário, terá havido duas migrações diferentes, ambas vindas da Ásia através do estreito de Bering, com um intervalo de mil anos, no fim da última Idade do Gelo.
Seja como for, explica ainda Paula Campos, os novos resultados mostram que os seres humanos já estavam presentes em Paisley antes de a cultura Clóvis se ter manifestado. "A teoria "Clovis First" já não é viável", diz a cientista. "Os humanos estavam presentes na América do Norte pelo menos mil anos antes de Clóvis e esses povos anteriores não tinham, provavelmente, qualquer semelhança tecnológica ou genética com a icónica cultura Clóvis. O debate "Clovis First" terminou."