No Super Rock, a enchente foi para a orquestra
Ao longo de três dias terão passado pelo Super Bock Super Rock 64 mil espectadores. Considerando a facilidade, no recinto, em circular entre palcos ou na zona de restauração e a ausência das longuíssimas filas de trânsito que se formavam nas edições anteriores, talvez estes números se aproximem da dimensão ideal do festival, tendo em conta o local em que se realiza actualmente.
Pelas duas e meia da madrugada de domingo, muito depois da debandada que se seguiu ao concerto de Peter Gabriel, muito público muito adolescente reunia-se em volta do Palco EDP, o segundo em dimensão, para ouvir o dubstep à americana de Skrillex. Era um final de festa com euforia contada em bpm e subgraves a ressoarem pelo corpo para que este se mantivesse acordado noite fora. A despedida de um dia em que, à semelhança dos restantes deste Super Bock Super Rock, os sobressaltos estéticos foram a norma. Do flamenco-rock com guitarras à Cramps e suaves inflexões reggae da espanhola Bebe, autora do primeiro concerto do dia, no palco Super Bock, o principal, dando voz ao desejo que todos fossem presenteados com muita alegria, muita dança e muito sexo, saltámos para a intimidade de Perfume Genius, o nome atrás do qual se esconde Mike Hadreas, cantautor americano de delicadezas para piano que, entre as canções do último “Put Your Back N 2 It”, arriscou uma tocante versão de “Helpless”, de Neil Young (dificilmente haveria canção mais adequada à sua fragilidade), e citou “Oh father”, de Madonna.
Depois da exuberância de Bebe e da música pedindo silêncio de Perfume Genius, sempre tímido mas seguro da sua criatividade, o palco principal acolheu um homem que sabe perfeitamente como comandar uma multidão, seja ela composta por mil ou cem mil pessoas. Aloe Blacc, ele de “I need a dollar”, não tinha muitos perante si, mas acompanhado por uma banda sabedora de todos os segredos da música negra americana, conduziu-nos por um tão verdadeiro quanto descontraído festim soul.
O segredo do elegantíssimo Blacc está na forma como cada canção, nas suas mãos, se transforma em viagem a um momento específico da história: tem a classe de Sam Cooke e o tom sedutor de Al Green e sabe ser Marvin Gaye e Stevie Wonder sem se perder no jogo de citações. Presença habitual em palcos portugueses desde que “I need a dollar” começou a tornar-se omnipresente no espaço mediático e que “Good Things”, o álbum, foi editado, Aloe Blacc é um anfitrião exemplar. No Meco, pôs gente a abraçar os amigos nas proximidades, pôs o público a bater palmas a compasso e a ensaiar passos de dança com “coolness” irrepreensível e “rappou” um par de versos porque, afinal, foi no hip hop que se formou. O cantor californiano deixou todos de sorriso no rosto, reflexo da incrível capacidade de comunicar que revela esta música saída de um sonho moderno que reúne Stax, Motown e Atlantic. Depois de “Tonight downtown” ou de “You make me smile” (abraços, agora!); mesmo no final de um concerto que é performance soul com tudo a que temos direito – o groove bem montado, as canções sucedendo-se como medley, as introduções para que Aloe Blacc fale e interaja com o público –, chegaria a inevitável “I need a dollar”, canção portentosa guiada por uma linha de piano que é mais elemento rítmico que melódico, e Blacc despedir-se-ia com slogan certeiro: “the rich get richer and the poor get poorer”.
Pouco antes de Aloe Blacc sair de palco, um casal de meia-idade, um dos muitos que ali estavam por Peter Gabriel, montava banco e toalha sobre a areia relvada frente ao palco principal. Aguardava.
Peter Gabriel, o ex-vocalista dos Genesis, estava prestes a regressar a palcos portugueses, depois da passagem pelo Rock In Rio de 2004. Desta vez, porém, tudo foi diferente. Em “New Blood”, o último álbum, regravou com orquestra canções do seu percurso a solo. Trouxe o conceito ao Meco, onde cumpriu a última data da “New Blood Tour”. Acompanhado de uma orquestra de cinco dezenas de músicos, com a filha Melanie e a cantautora sueca Ane Brun nos coros, Peter Gabriel deu novo corpo à sua obra e à obra de músicos que admira (o concerto abriu com “Heroes”, de David Bowie). Com o maestro Ben Foster, generosamente mostrado nos ecrãs de palco como protagonista muito enérgico e com Peter Gabriel totalmente concentrado na interpretação, revelando uma destreza vocal intocada pela passagem do tempo – a teatralidade dos gestos, uma marca do seu percurso, foi aqui pontuação discreta das canções –, o concerto foi uma curiosa raridade num festival como o Super Bock Super Rock.
Seria fácil usar do cinismo e apontar que, aos 62 anos, Gabriel se socorreu da orquestra como caução de veterana respeitabilidade. O que vimos, porém, não nos deixa fazê-lo. Sendo certo que nada de realmente novo sobressai destas versões de “Secret world” - com contrabaixo e djembé a marcar o ritmo –, de “San Jacinto” - com lento rodopio de dervixe no final a condizer com a barba, o colete e a camisa larga de Gabriel – ou de “Digging in the dirt”, é-o também que existe no exercício uma discreta magistralidade que torna a experiência mais que mera curiosidade. O público, respeitosos fãs do cantor, semi-alheados do que se passava em palco os restantes, guardou palmas de acompanhamento e o erguer dos telemóveis para a sequência final, quando se ouviu “Solsbury hill” e o arranjo de cordas que imediatamente a identifica - “Ganda pinta!”, exclamou entusiasmado o homem atrás de nós que, apostamos, andaria nas proximidades do Dramático de Cascais quando os Genesis por lá passaram em 1975.
Antes disso, porém, um contratempo inesperado, quando “Aprés moi”, versão de Regina Spektor, é inesperadamente interrompida - “that's what we call in english the first big fuck up”, comentou o cantor. Logo de seguida uma surpresa: a própria Spektor, que actuaria pouco depois no palco secundário, juntou a sua voz à canção, acrescentando-lhe uma densa melancolia. Tudo isto enquanto se multiplicavam pela plateia as vozes de conversas animadas (algo que, de resto, se repetiu em todos os palcos).
Num concerto em que se esforçou por introduzir várias das canções em português – esforço louvável, ainda que fosse praticamente incompreensível o português que lia -, Peter Gabriel homenageou aqueles que têm a coragem de agir e de erguer a sua voz - “Biko”, que o público acompanharia com o coro e a orquestra, surgiu no final como representação de todos eles. Da presença de Peter Gabriel no Meco, ficou a curiosidade de assistir a algo praticamente inédito num festival rock e, ao mesmo tempo, a sensação de que a efervescência habitual não favorece uma experiência que exige maior silêncio e um pouco mais de recato. A famosa “Don't give up”, sem Kate Bush, com Ane Brun, serviu de despedida. E, nesse momento, já era tempo de rock'n'roll. De rock'n'roll a sério. Do melhor. Num festival que fora dominado no dia anterior por M.I.A e Lana del Rey e, antes dele, pela presença de Brittany Murphy, dos Alabama Shakes, manteve-se a tendência. No feminino.
Era a última canção. Annie Clark, a mulher que conhecemos como St Vincent, é o corpo infernizado que flutua entre as mãos do público, berrando e contorcendo-se, cantando como irada punk-rocker em calções de camurça. Isto foi o final, com “Krokodil”. O apogeu de um concerto entusiasmante. St Vincent não é apenas uma cantora e compositora magistral na forma como conjuga doçura e agressividade, caos e harmonia, fragilidade e autoridade. É tudo isso e também uma maravilhosa guitarrista. “Strange Mercy”, o seu último álbum, não deixa dúvidas e os concertos menos ainda. A sua expressividade é impressionante: como se a guitarra fosse extensão do corpo que se contorce, vemo-la rodopiando como boneca de porcelana, vemos os caracóis do cabelo num frenesim e os pés fustigando o chão do palco. Ouvimos a guitarra libertando golfadas de blues esquizóide, de rock atolado num poço sem fundo de distorção; ouvimos as cordas reverberarem enquanto ela acrescenta ondas de som à música com um theremin. Isto é pop que não consegue ter a ternura da pop – há sempre algo a corroer-lhe as entranhas -, isto é rock'n'roll irrequieto demais para se perder em clichés. “Cruel” ou “Surgeon”. Uma versão de “She's beyond good and evil”, do seminal grupo pós punk Pop Group. E por fim ela entregando-se aos braços da pequena multidão aglomerada no palco secundário.
St Vincent causou um frémito que os The Shins, na sua estreia portuguesa, não conseguiram provocar. Deram um óptimo concerto que quase nos fez esquecer o terrível “Port Of Morrow”, o álbum que editaram este ano. Com a companhia nas teclas de Richard Swift, geniozinho da música americana de recorte clássico, James Mercer liderou os Shins, de que é hoje o único membro original, por um concerto em que esteve presente o que primeiro nos fascinou neles: as melodias maiores que a vida, cantadas como se existissem desde sempre; a capacidade de sintetizar o sol californiano dos Beach Boys, pitadas de colorido psicadélico britânico e a graciosidade indie da década de 1980; a sabedoria pop que recua aos Beatles para dali arrancar algo de novo, filtrado pela garganta miraculosa de Mercer.
O concerto teve até algo de admirável. Provou que, despidas da produção polida, as canções tão desapontantes de “Port of Morrow” têm afinal bom fundo. Mero pormenor, contudo. Porque ouvimos a melancolia sonhadora de “Saint Simon” e a deliciosa delicadeza de “Kissing the lipless”. Porque houve uma inesperada versão de “Breathe”, dos Pink Floyd, a fazer as delícias dos veteranos de Peter Gabriel que resistiam ainda na plateia. E porque confirmámos que a melodia de “New slang” continua capaz de mudar uma vida, como se dizia num filme infinitamente inferior à canção. No meio de tudo isto, porém, fica uma certa amargura. Depois de Peter Gabriel, a debandada. Os Shins tocaram perante um cenário desolador que, inevitavelmente, marcou o concerto. Foi uma pena que assim tenha sido. Não o mereciam as suas canções e a generosidade com que as interpretaram.
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Ao longo de três dias terão passado pelo Super Bock Super Rock 64 mil espectadores. Considerando a facilidade, no recinto, em circular entre palcos ou na zona de restauração e a ausência das longuíssimas filas de trânsito que se formavam nas edições anteriores, talvez estes números se aproximem da dimensão ideal do festival, tendo em conta o local em que se realiza actualmente.
Pelas duas e meia da madrugada de domingo, muito depois da debandada que se seguiu ao concerto de Peter Gabriel, muito público muito adolescente reunia-se em volta do Palco EDP, o segundo em dimensão, para ouvir o dubstep à americana de Skrillex. Era um final de festa com euforia contada em bpm e subgraves a ressoarem pelo corpo para que este se mantivesse acordado noite fora. A despedida de um dia em que, à semelhança dos restantes deste Super Bock Super Rock, os sobressaltos estéticos foram a norma. Do flamenco-rock com guitarras à Cramps e suaves inflexões reggae da espanhola Bebe, autora do primeiro concerto do dia, no palco Super Bock, o principal, dando voz ao desejo que todos fossem presenteados com muita alegria, muita dança e muito sexo, saltámos para a intimidade de Perfume Genius, o nome atrás do qual se esconde Mike Hadreas, cantautor americano de delicadezas para piano que, entre as canções do último “Put Your Back N 2 It”, arriscou uma tocante versão de “Helpless”, de Neil Young (dificilmente haveria canção mais adequada à sua fragilidade), e citou “Oh father”, de Madonna.
Depois da exuberância de Bebe e da música pedindo silêncio de Perfume Genius, sempre tímido mas seguro da sua criatividade, o palco principal acolheu um homem que sabe perfeitamente como comandar uma multidão, seja ela composta por mil ou cem mil pessoas. Aloe Blacc, ele de “I need a dollar”, não tinha muitos perante si, mas acompanhado por uma banda sabedora de todos os segredos da música negra americana, conduziu-nos por um tão verdadeiro quanto descontraído festim soul.
O segredo do elegantíssimo Blacc está na forma como cada canção, nas suas mãos, se transforma em viagem a um momento específico da história: tem a classe de Sam Cooke e o tom sedutor de Al Green e sabe ser Marvin Gaye e Stevie Wonder sem se perder no jogo de citações. Presença habitual em palcos portugueses desde que “I need a dollar” começou a tornar-se omnipresente no espaço mediático e que “Good Things”, o álbum, foi editado, Aloe Blacc é um anfitrião exemplar. No Meco, pôs gente a abraçar os amigos nas proximidades, pôs o público a bater palmas a compasso e a ensaiar passos de dança com “coolness” irrepreensível e “rappou” um par de versos porque, afinal, foi no hip hop que se formou. O cantor californiano deixou todos de sorriso no rosto, reflexo da incrível capacidade de comunicar que revela esta música saída de um sonho moderno que reúne Stax, Motown e Atlantic. Depois de “Tonight downtown” ou de “You make me smile” (abraços, agora!); mesmo no final de um concerto que é performance soul com tudo a que temos direito – o groove bem montado, as canções sucedendo-se como medley, as introduções para que Aloe Blacc fale e interaja com o público –, chegaria a inevitável “I need a dollar”, canção portentosa guiada por uma linha de piano que é mais elemento rítmico que melódico, e Blacc despedir-se-ia com slogan certeiro: “the rich get richer and the poor get poorer”.
Pouco antes de Aloe Blacc sair de palco, um casal de meia-idade, um dos muitos que ali estavam por Peter Gabriel, montava banco e toalha sobre a areia relvada frente ao palco principal. Aguardava.
Peter Gabriel, o ex-vocalista dos Genesis, estava prestes a regressar a palcos portugueses, depois da passagem pelo Rock In Rio de 2004. Desta vez, porém, tudo foi diferente. Em “New Blood”, o último álbum, regravou com orquestra canções do seu percurso a solo. Trouxe o conceito ao Meco, onde cumpriu a última data da “New Blood Tour”. Acompanhado de uma orquestra de cinco dezenas de músicos, com a filha Melanie e a cantautora sueca Ane Brun nos coros, Peter Gabriel deu novo corpo à sua obra e à obra de músicos que admira (o concerto abriu com “Heroes”, de David Bowie). Com o maestro Ben Foster, generosamente mostrado nos ecrãs de palco como protagonista muito enérgico e com Peter Gabriel totalmente concentrado na interpretação, revelando uma destreza vocal intocada pela passagem do tempo – a teatralidade dos gestos, uma marca do seu percurso, foi aqui pontuação discreta das canções –, o concerto foi uma curiosa raridade num festival como o Super Bock Super Rock.
Seria fácil usar do cinismo e apontar que, aos 62 anos, Gabriel se socorreu da orquestra como caução de veterana respeitabilidade. O que vimos, porém, não nos deixa fazê-lo. Sendo certo que nada de realmente novo sobressai destas versões de “Secret world” - com contrabaixo e djembé a marcar o ritmo –, de “San Jacinto” - com lento rodopio de dervixe no final a condizer com a barba, o colete e a camisa larga de Gabriel – ou de “Digging in the dirt”, é-o também que existe no exercício uma discreta magistralidade que torna a experiência mais que mera curiosidade. O público, respeitosos fãs do cantor, semi-alheados do que se passava em palco os restantes, guardou palmas de acompanhamento e o erguer dos telemóveis para a sequência final, quando se ouviu “Solsbury hill” e o arranjo de cordas que imediatamente a identifica - “Ganda pinta!”, exclamou entusiasmado o homem atrás de nós que, apostamos, andaria nas proximidades do Dramático de Cascais quando os Genesis por lá passaram em 1975.
Antes disso, porém, um contratempo inesperado, quando “Aprés moi”, versão de Regina Spektor, é inesperadamente interrompida - “that's what we call in english the first big fuck up”, comentou o cantor. Logo de seguida uma surpresa: a própria Spektor, que actuaria pouco depois no palco secundário, juntou a sua voz à canção, acrescentando-lhe uma densa melancolia. Tudo isto enquanto se multiplicavam pela plateia as vozes de conversas animadas (algo que, de resto, se repetiu em todos os palcos).
Num concerto em que se esforçou por introduzir várias das canções em português – esforço louvável, ainda que fosse praticamente incompreensível o português que lia -, Peter Gabriel homenageou aqueles que têm a coragem de agir e de erguer a sua voz - “Biko”, que o público acompanharia com o coro e a orquestra, surgiu no final como representação de todos eles. Da presença de Peter Gabriel no Meco, ficou a curiosidade de assistir a algo praticamente inédito num festival rock e, ao mesmo tempo, a sensação de que a efervescência habitual não favorece uma experiência que exige maior silêncio e um pouco mais de recato. A famosa “Don't give up”, sem Kate Bush, com Ane Brun, serviu de despedida. E, nesse momento, já era tempo de rock'n'roll. De rock'n'roll a sério. Do melhor. Num festival que fora dominado no dia anterior por M.I.A e Lana del Rey e, antes dele, pela presença de Brittany Murphy, dos Alabama Shakes, manteve-se a tendência. No feminino.
Era a última canção. Annie Clark, a mulher que conhecemos como St Vincent, é o corpo infernizado que flutua entre as mãos do público, berrando e contorcendo-se, cantando como irada punk-rocker em calções de camurça. Isto foi o final, com “Krokodil”. O apogeu de um concerto entusiasmante. St Vincent não é apenas uma cantora e compositora magistral na forma como conjuga doçura e agressividade, caos e harmonia, fragilidade e autoridade. É tudo isso e também uma maravilhosa guitarrista. “Strange Mercy”, o seu último álbum, não deixa dúvidas e os concertos menos ainda. A sua expressividade é impressionante: como se a guitarra fosse extensão do corpo que se contorce, vemo-la rodopiando como boneca de porcelana, vemos os caracóis do cabelo num frenesim e os pés fustigando o chão do palco. Ouvimos a guitarra libertando golfadas de blues esquizóide, de rock atolado num poço sem fundo de distorção; ouvimos as cordas reverberarem enquanto ela acrescenta ondas de som à música com um theremin. Isto é pop que não consegue ter a ternura da pop – há sempre algo a corroer-lhe as entranhas -, isto é rock'n'roll irrequieto demais para se perder em clichés. “Cruel” ou “Surgeon”. Uma versão de “She's beyond good and evil”, do seminal grupo pós punk Pop Group. E por fim ela entregando-se aos braços da pequena multidão aglomerada no palco secundário.
St Vincent causou um frémito que os The Shins, na sua estreia portuguesa, não conseguiram provocar. Deram um óptimo concerto que quase nos fez esquecer o terrível “Port Of Morrow”, o álbum que editaram este ano. Com a companhia nas teclas de Richard Swift, geniozinho da música americana de recorte clássico, James Mercer liderou os Shins, de que é hoje o único membro original, por um concerto em que esteve presente o que primeiro nos fascinou neles: as melodias maiores que a vida, cantadas como se existissem desde sempre; a capacidade de sintetizar o sol californiano dos Beach Boys, pitadas de colorido psicadélico britânico e a graciosidade indie da década de 1980; a sabedoria pop que recua aos Beatles para dali arrancar algo de novo, filtrado pela garganta miraculosa de Mercer.
O concerto teve até algo de admirável. Provou que, despidas da produção polida, as canções tão desapontantes de “Port of Morrow” têm afinal bom fundo. Mero pormenor, contudo. Porque ouvimos a melancolia sonhadora de “Saint Simon” e a deliciosa delicadeza de “Kissing the lipless”. Porque houve uma inesperada versão de “Breathe”, dos Pink Floyd, a fazer as delícias dos veteranos de Peter Gabriel que resistiam ainda na plateia. E porque confirmámos que a melodia de “New slang” continua capaz de mudar uma vida, como se dizia num filme infinitamente inferior à canção. No meio de tudo isto, porém, fica uma certa amargura. Depois de Peter Gabriel, a debandada. Os Shins tocaram perante um cenário desolador que, inevitavelmente, marcou o concerto. Foi uma pena que assim tenha sido. Não o mereciam as suas canções e a generosidade com que as interpretaram.